É um "equipamento tão importante como ter um termómetro em casa". E, provavelmente, “vai acabar por ser mais frequente". Quem o diz é Sandra Queiroz, enfermeira especialista em médico-cirúrgicas e professora-coordenadora na Escola Superior de Enfermagem de São Francisco das Misericórdias.
O oxímetro, que serve para para avaliar indiretamente a quantidade de oxigénio no sangue, pode ser importante para avaliar a situação clínica de um paciente, mas não dispensa a avaliação de um médico — e é sempre preciso ter em conta o historial clínico de cada pessoa para não fazer leituras erradas.
O interesse em torno do aparelho aumentou depois de a Organização Mundial de Saúde ter recomendado aos pacientes que têm sintomas persistentes depois de recuperarem de um quadro de covid-19 que tenham acesso a um oxímetro.
A relação entre a covid-19 e estes aparelhos está numa condição que pode ser provocada pelo novo coronavírus e que se chama "hipóxia feliz” ou "hipóxia silenciosa".
Se a hipóxia representa um saturação do nível de oxigénio no sangue, a "hipóxia feliz" ou "silenciosa" caracteriza-se pelo facto de a pessoa ter este baixo nível de oxigénio no sangue e não o perceber, explica Sandra Queiroz.
Em casos de covid-19, “muitas pessoas que estão afetadas e assintomáticas têm alterações nas suas trocas gasosas ao nível dos alvéolos [pulmonares]” e, não sentido falta de ar, não conseguem perceber a “diminuição da saturação de oxigénio”, o que levado ao limite poderá colocar a sua vida em causa, explicou a professora-coordenadora.
Nestes casos, o oxímetro serve como um sistema de alarme antes que se dê uma diminuição drástica do oxigénio do sangue.
Ainda não se conhecem totalmente as razões pelas quais este tipo de condição, em que se assiste a uma rápida progressão da falta de ar, afeta os infetados com covid-19, mas suspeita-se que o vírus poderá reduzir a sensibilidade ou "desligar" os "sensores" que alertam o cérebro de que o corpo está a ficar sem oxigénio, como explicou Rui Moreno, coordenador da Unidade de Cuidados Intensivos Neurocríticos e Trauma do Hospital de São José, ao Expresso.
Isso significa que devíamos todos ter um oxímetro em casa nos dias que correm? É discutível.
O valor de uma taxa normal de oxigénio no sangue ronda os 95% para cima, começa por explicar Sandra Queiroz. E, em traços gerais, se a percentagem de oxigénio no sangue estiver abaixo dos 90%, tal ocorrência poderá comprometer a oxigenação dos órgãos do corpo, como o coração ou o cérebro.
Todavia, diz Vasco Ricoca Peixoto, médico interno de saúde pública, cada caso é um caso. Como cada paciente tem uma história clínica associada, um registo de uma percentagem um pouco baixa não quer necessariamente dizer que a pessoa se deve deslocar de imediato ao hospital ou que algo de grave se passa.
Como exemplo, Sandra Queiroz referiu o caso dos fumadores. Uma pessoa com uma “doença pulmonar obstrutiva crónica”, que é uma “consequência do tabagismo”, terá valores de saturação de oxigénio no sangue diferentes do quadro habitual.
Assim, para Vasco Ricoca Peixoto não faz muito sentido incentivar a população em geral a comprar oxímetros para ter em casa porque, salvo raras exceções, uma “pessoa não vai ter uma baixa de saturação de oxigénio se não tiver indícios de dificuldade respiratória".
Não obstante, reconhece que caso estejam a ser observados a partir de casa doentes de covid-19 com “algum nível de gravidade” ou pessoas com com demências avançadas e dificuldade de comunicação, nomeadamente para expressarem como se sentem, poderá ser benéfico ter um oxímetro à disposição. Também em lares ou em situações de pessoas que estão a receber oxigénio em casa será uma aquisição a considerar.
A ideia, lá está, é servir como ponto de alerta em momentos de descompensação.
No entanto, para grande parte das pessoas, que não apresentam falta de ar e não tem qualquer registo de problemas associados ao sistema respiratório, não fará sentido adquirir um destes aparelhos, defende.
Na maior parte dos casos, quem "consegue expressar a sua situação clínica, e como se sente, consegue ser avaliado clinicamente em termos de risco", não sendo necessário um oxímetro em casa para classificar a sua condição, concluiu.
Já Sandra Queiroz compara estes equipamentos aos aparelhos de medir a tensão, cada vez mais comuns nas casas dos portugueses.
Saber usar e ler um oxímetro: em que situações devo recorrer a um médico?
Se porventura já tem um oxímetro em casa, é necessário referir que não basta uma única medição rápida para avaliar corretamente a sua condição.
Apesar de a leitura que o aparelho apresenta no monitor ser praticamente imediata, é obrigatório aguardar uns minutos aferir valores mais corretos. E, à partida, não bastará uma só medição, sendo aconselhável fazer-se pelo menos duas vezes por dia — "de manhã e à noite se a pessoa quiser fazer uma monitorização da sua oxigenação" —, aconselhou Sandra Queiroz.
O oxímetro pode ser usado na ponta dos dedos ou no lóbulo das orelhas e “a partir dos três anos pode avaliar-se as crianças também - desde que a espessura do dedo o permita", acrescentou.
De referir, todavia, que o frio pode dificultar uma correta medição do nível de oxigénio no sangue, alertam ambos os profissionais de saúde entrevistados.
Em situações de frio a circulação sanguínea nas extremidades “dá-se de uma forma muito lenta", explicou Vasco Ricoca Peixoto, o que poderá complicar a medição.
Nas pessoas mais idosas este é também um dado a ter em atenção, já que pode provocar uma “dessaturação periférica”. Nestes casos, valores mais baixos não significam que haja um problema com a globalidade dos níveis de sangue, mas antes que estamos perante uma situação pontual e não comprometedora.
Para resolver esta questão de “vasoconstrição”, Sandra Queiroz recomenda, por exemplo, que se esfregue as mãos antes de utilizar o aparelho. Ademais, se a medição estiver a ser feita nos dedos, o braço não deve estar elevado, mas antes deitado, apoiado ou pousado numa superfície.
Convém ainda estar-se o mais calmo possível. Afinal, a ansiedade ou só o simples de facto de se estar a reter a respiração pode causar uma alteração na medição dos valores reais de oxigénio no sangue.
Vasco Ricoca Peixoto, por sua vez, alerta que estando perante uma leitura indireta, realizada normalmente na ponta do dedo, os valores apresentados no monitor do aparelho podem ser mais baixos do “que são, na realidade, no sangue arterial central” - o que pode induzir em erro.
Logo, não é por um resultado parecer preocupante que a pessoa estará obrigatoriamente em estado grave. Assim, em casos em que a medição indique falta de oxigénio no sangue, com valores abaixo dos 95%, deverá sempre contactar o SNS24 ou, em casos mais urgentes, o 112, aconselhou o médico de saúde pública.
"Se as pessoas não souberem interpretar os valores é natural que se assustem”, daí a importância de um acompanhamento por um profissional de saúde, reforça Sandra Queiroz.
Os oxímetros podem ser adquiridos tanto numa farmácia como online. Quanto ao preço, o mesmo variará consoante a sofisticação do aparelho e de acordo com a sua bateria, mas é possível adquirir um por cerca de 20 euros.
“Quanto mais simples melhor”, defende a professora-coordenador da Escola Superior de Enfermagem de São Francisco das Misericórdias. Não obstante, a maioria dos aparelhos, para além de medir a percentagem de oxigénio no sangue, também mede a frequência cardíaca.
Dados da consultora IQVIA Portugal revelaram um aumento significativo da procura destes aparelhos em 2020 — ainda que o número total não tenha ultrapassado as 4 mil unidades.
Uma análise que peca por defeito — já que considera apenas as vendas em farmácia e analisa somente três das marcas mais conhecidas deste tipo de equipamentos — mostra que o número de oxímetros comprados quadruplicou entre março e dezembro de 2020, de 192 unidades mensais vendidas para 744, cita o Expresso.
O picos na procura acompanharam as vagas da pandemia em Portugal, tendo-se registado a venda de 370 aparelhos em abril, 417 em maio, 526 em outubro, 823 em novembro e 744 em dezembro. No total, foram vendidos 3939 destes dispositivos.
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