“Parados, Nunca Calados” foi o mote da manifestação nacional promovida pelo Manifesto em Defesa da Cultura e pelo Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos (Cena-STE), que decorreu em Lisboa, no Porto e em Faro, e à qual se associaram também cerca de oito dezenas de profissionais de Viana do Castelo.

Numa praça cheia, mas a grandes intervalos entre as pessoas, para manter a distância de segurança, com locais previamente assinalados no chão com fita adesiva azul, para os manifestantes se colocarem, os protestos faziam-se ouvir pelas vozes de vários artistas e representantes de estruturas culturais que se sucederam em discursos, entre as 18:00 e as 20:00, e pelas centenas de pessoas que gritavam palavras de ordem como “Não tens graça, Fonseca”.

Entre palhaços, equilibristas e malabaristas, vários manifestantes empunhavam cartazes, nos quais se liam frases como “Músico em análise há 65 dias”, “Um país sem cultura é um país adormecido”, “O acesso à cultura é um direito constitucional”, “Sem cultura não há história, não há memória” ou “Este ministério não nos representa”.

O protesto decorreu quase como se de uma encenação teatral se tratasse, em que imperou o sarcasmo e a ironia, com frequentes referências ao Ministério da Cultura como a “Secretaria Geral da Propaganda” e pedidos de “dois euros” para “fazer uma vaquinha”.

Os artistas em protesto assinalaram que aquilo que começou por ser “medidas de emergência são agora medidas de sobrevivência”, e exigem um verdadeiro fundo de emergência social que garanta de forma imediata a proteção destes profissionais, uma carreira regular e contributiva e o combate aos vínculos profissionais precários.

O dirigente do Cena-STE Rui Galveias, que se mostrou “muito contente” com a adesão à manifestação, que — segundo as contas do sindicato — chegou aos 1.600 manifestantes, disse que o setor precisa de uma legislação especifica e uma garantia de proteção da segurança social, afirmando que “estatuto da intermitência” é “um rotulo perigoso”, e que os conteúdos é que interessam.

Outra exigência que continua em cima da mesa é 1% do Orçamento do Estado para a Cultura, disse o sindicalista, que considera que o Governo, com as medidas de apoio que vai anunciando, está a reagir à pressão do setor, e reage “à medida da forma como ‘colhem’ ou não ‘colhem’ as medidas que vai pondo cá fora”.

“Quando as medidas ‘colhem’ publicamente tem reflexos disso, quando não ‘colhem’ publicamente tenta outras que tentam aliviar a pressão que estamos a fazer. Sinto muito que as medidas que são postas cá fora não são para nós, são para o público. Vamos ver, a partir de agora, se estamos a ser tidos em conta ou não, porque estamos prontos para continuar na rua”, assegurou Rui Galveias.

O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, e a deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua marcaram presença na manifestação para prestar solidariedade aos profissionais da cultura.

Considerando ser uma “mobilização notável, que corresponde aos sentimentos gerais dos artistas”, Jerónimo de Sousa afirmou que “há uma medida de fundo que tem de ser resolvida”, que é “1% do Orçamento do Estado para a cultura, uma medida estruturante que era necessária para dar resposta” às necessidades de um setor que engloba artistas, trabalhadores de cultura, cinemas, teatros, pequenas livraras, bibliotecas e até o circo tradicional.

Num repto a António Costa, o secretário-geral do PCP afirmou que “há uma responsabilização coletiva do governo, em particular do primeiro-ministro, que passe das palavras aos atos, que corresponda no imediato a um programa de apoio de emergência sem perder a perspetiva de fundo de permitir que haja financiamento para a cultura como um bem da própria democracia e não como um favor que se dá a estes artistas e a estes trabalhadores”.

Na opinião de Mariana Mortágua, “ninguém consegue compreender que a cultura seja o único setor em que o apoio de emergência é feito através de um concurso como se fosse uma meritocracia em que ganha o apoio para a sua sobrevivência quem mais merece”.

“Estas instituições, estas estruturas, estes profissionais têm de ter condições dignas de trabalho e têm de ter um apoio de emergência como todos os outros setores, e precisam, além disso, de condições para desenvolverem a sua atividade”, afirmou a deputada bloquista, sublinhando que “é inaceitável que estruturas ligadas a apoios públicos despeçam precários e mantenham precários como se tratasse de um privado que age à margem da lei”.

Na quarta-feira, a comissão parlamentar de Trabalho e Segurança Social aprovou um requerimento do Bloco de Esquerda para ouvir, com urgência, a Autoridade para as Condições do Trabalho, representantes dos trabalhadores e a administração da Casa da Música, por causa da situação de precários, na instituição, alegando “violações da lei do trabalho” e “ofensas graves aos direitos laborais”.

A secretária-geral da CGTP esteve também ao lado dos trabalhadores da cultura neste dia de luta e lamentou que o governo tenha optado “por medidas desequilibradas, que não garantem a subsistência dos trabalhadores neste setor”.

“É particularmente penoso e revoltante que não haja garantia de retribuição”, afirmou lembrando que estes profissionais “estão muito pobres e estão a ter a necessidade de pedir para se alimentarem”, o que é “inaceitável”.

Quanto às medidas já anunciadas pelo Governo, Isabel Camarinha, que se tem associado à exigência de 1% do OE para a cultura, considera que “é muito pouco, muito insuficiente e não chega a todos, porque há muitos que não têm acesso a nada, a nenhum apoio, a nenhuma proteção social”.

No início de março, começaram a ser adiados ou cancelados espetáculos na sequência das medidas de contingência definidas pelas autoridades para tentar travar a propagação da covid-19.

Segundo um inquérito promovido pelo Cena-STE, e cujos resultados foram anunciados no início de abril, 98% dos trabalhadores de espetáculos viram trabalhos cancelados, dos quais um terço foi por mais de 30 dias.

O inquérito, realizado já na segunda quinzena de março, no contexto de confinamento, em resposta à pandemia de covid-19, indicava ainda que 85% dos trabalhadores questionados são independentes e não têm qualquer proteção laboral.

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