"Temos encontrado, por parte dos partidos, em especial nas reuniões que nos vão solicitando, um espírito de colaboração que nos apraz registar. Mas existe um longo caminho a percorrer para assegurar um cumprimento mais efetivo das normas sobre o financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais", afirmou Eduardo Figueiredo Dias, em entrevista à Lusa.

Classificando as leis que regulam o financiamento eleitoral e partidário como “bastante complexas e exigentes”, o presidente da ECFP considerou que os partidos têm de ter “um bom controlo interno” que permita a “identificação clara de procedimentos”.

Só assim, defendeu, será possível evitar irregularidades e "minimizar as suas consequências", garantindo "o dever de transparência sobre o financiamento partidário”.

Questionado sobre as principais irregularidades detetadas na apreciação das contas, Figueiredo Dias disse que aparecem, genericamente, “ações e meios usados que não foram reportados ou despesas não valorizadas”, o que dificulta o controlo, admitiu.

Em todas as eleições há uma preocupação central da ECFP: “que as candidaturas não confundam contas dos partidos com contas das campanhas”, advertiu.

Para o presidente da ECFP, eventuais práticas irregulares que persistem - a lei que regula o financiamento eleitoral e partidário é de 2003, com várias alterações desde essa data - advêm de “hábitos enraizados” e não de uma “má-fé” na ação dos partidos.

Eduardo Figueiredo Dias frisou que “tem sido preocupação” da ECFP criar "ferramentas" para “facilitar o trabalho dos partidos e reforçar os mecanismos de comunicação e cooperação” entre a Entidade e as estruturas partidárias.

O presidente da Entidade das Contas destacou a disponibilização, no “site” da ECFP, de “Recomendações” sobre a prestação de contas “claras e objetivas” para as próximas eleições europeias mas também para as legislativas de outubro e para as regionais da Madeira, em setembro.

Todas as despesas de campanha devem “ter documento de suporte”, como fatura, contrato, guias de remessa e de transporte, com identificação do número de contribuinte. Só as despesas de valor inferior a um Indexante de Apoios Sociais (435,76 euros) podem ser pagas em numerário, desde que no total não ultrapasse o valor global de 2% dos limites fixados para o total das despesas, são algumas das regras destacadas nas Recomendações.

Figueiredo Dias assinalou ainda a publicação no “site” da ECFP de “listas” com “FAQ – [na sigla em inglês `frequentely asked questions´, perguntas frequentes" sobre as contas eleitorais, partidárias, autarquias locais e parlamento europeu para explicar em linguagem mais simples e direta quais são as obrigações dos partidos.

Por outro lado, ECFP decidiu analisar as contas entregues pelos partidos antes da auditoria externa para identificar “possíveis deficiências” e permitir aos partidos regularizar a informação em falta.

De três em três meses, ECFP comunica aos partidos as ações de propaganda política que foram identificadas na atividade diária – uma das atribuições da Entidade – para os partidos completarem com outras ações que não tenham sido registadas.

Para o presidente da ECFP, o acompanhamento das atividades de propaganda política “é de importância vital” e um “elemento essencial na fiscalização da correspondência dos rendimentos e gastos declarados nas contas e as receitas e despesas efetivamente realizadas”.

É inevitável que prescrevam alguns processos de contas dos partidos

O risco de prescrição de possíveis irregularidades e ilegalidades em contas partidárias e eleitorais pendentes de fiscalização “é muito grande” e, para alguns processos, será inevitável, admitiu hoje o presidente da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

Com a entrada em vigor das alterações à lei do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais, em 01 de janeiro de 2018, vários processos que estavam pendentes de decisão no Tribunal Constitucional ou que ainda não tinham transitado em julgado voltaram à estaca zero.

A competência para a apreciação da legalidade da prestação de contas e a aplicação de coimas passou para a alçada da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, que terá de os apreciar de novo, à luz do novo quadro jurídico aprovado no ano passado. O Tribunal Constitucional funciona agora como instância de recurso.

Em entrevista à agência Lusa, e num balanço da atividade da ECFP com as novas atribuições, o presidente da ECFP admitiu que o “risco de prescrição de diversos processos é muito grande”, considerando mesmo “inevitável que alguns venham a conhecer esse desenlace”.

“Para fazer face a este legado pesadíssimo, estamos a tentar constituir uma equipa de recuperação” com “técnicos juristas e que deverá ter um período de atividade de dois anos”, disse Figueiredo Dias.

As eleições europeias de maio vão realizar-se sem que as contas da campanha das anteriores, em 2014, estejam fechadas, encontrando-se no lote dos “processos herdados” do Tribunal Constitucional.

Entre os “processos pendentes” e “herdados” do TC, disse, estão as contas das europeias de 2014, mas também as contas das eleições autárquicas de 2013, das legislativas dos Açores de 2012 e da Madeira de 2015 e das presidenciais de 2016.

Há contudo processos ainda mais antigos a aguardar fiscalização, como as contas partidárias de 2010, 2012, 2012, 2013 e 2014.

Para evitar a prescrição do mais antigo, relativo às contas dos partidos de 2010, a Entidade das Contas avançou no final do ano passado com este processo e já elaborou “todas as decisões sobre a regularidade das contas à luz do novo quadro jurídico”, decorrendo a fase de contraditório, disse Figueiredo Dias.

As alterações de 2018 à lei 19/2003 atribuíram à ECFP a competência para apreciar a regularidade e legalidade da prestação de contas e para aplicar as coimas, cabendo destas decisões recurso para o plenário do Tribunal Constitucional.

No âmbito das novas competências, a ECFP aplicou pela primeira vez coimas aos partidos políticos por irregularidades em contas eleitorais, relativas à campanha para Assembleia da República em 2015.

Ainda não há desfecho sobre estas contas porque os partidos sancionados recorreram todos para o plenário do Tribunal Constitucional.

Ao mesmo tempo, a lei retirou à ECFP o poder de elaborar regulamentos juridicamente vinculativos, ficando apenas com a possibilidade de fazer “recomendações”, cujo cumprimento não é obrigatório.

Na prática, sublinhou Figueiredo Dias, os partidos voltam a poder aplicar as regras gerais do sistema de normalização contabilística que “não são adaptadas aos partidos”.

Havia um regulamento, elaborado em 2013 pela anterior composição da ECFP, presidida por Margarida Salema, que “normalizava procedimentos”, facilitando o controlo da prestação de contas, disse Figueiredo Dias. Contudo, com as novas regras, “este regulamento caiu”.

Além dos processos “herdados” do TC, a ECFP está atualmente a preparar os relatórios das contas da campanha legislativas dos Açores de 2016, e a promover uma auditoria externa às contas das autárquicas de 2017.

Reforçar a autonomia

Eduardo Figueiredo Dias, defendeu hoje a necessidade de “alterações legislativas ou regulamentares” que garantam mais autonomia funcional àquela estrutura, que opera junto do Tribunal Constitucional.

Sem quadro de pessoal próprio, a ECFP, que viu em 2018 reforçadas as atribuições na fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais, aguarda agora a colocação de mais dois técnicos superiores [um jurista e um técnico da área financeira], através do recrutamento por mobilidade interna.

Apesar de ter sido consagrado no Orçamento do Estado para 2019 um reforço de 1,169 milhões de euros para as despesas de funcionamento da ECFP, “há uma série de procedimentos que levam tempo”, disse.

Em entrevista à Lusa, Eduardo Figueiredo Dias defendeu a necessidade de “alterações legislativas ou regulamentares” para dar mais autonomia funcional à ECFP.

Atualmente, a “ECFP não dispõe de um mapa de pessoal próprio, sendo os meios humanos funcionários do Tribunal Constitucional” e “só com essas alterações poderá ocorrer um aumento adequado dos meios humanos”, disse.

Para o presidente da ECFP, que tomou posse em outubro de 2017, seria uma mais-valia para o trabalho de fiscalização criar um “degrau intermédio” na composição da ECFP, que funciona com um presidente e duas vogais, sendo os restantes elementos funcionários do TC.

Entre as alterações à legislação que regula o financiamento dos partidos e a fiscalização das contas, a Assembleia da República aprovou em 2018 uma alteração de modelo de fiscalização, atribuindo à ECFP a competência para apreciar a legalidade e regularidade das contas e para aplicar coimas.

Até àquela data, essa competência era do Tribunal Constitucional que agora funciona como instância de recurso.

A ECFP é um órgão independente que funciona junto do Tribunal Constitucional e tem como atribuição a apreciação e fiscalização das contas partidárias e eleitorais. É composta por um presidente e dois vogais eleitos em lista pelo TC.