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Pedro Paixão é um autor prolixo, com 36 livros publicados, romances, ensaios e teses. O primeiro romance “A noiva judia” (1998) foi um grande sucesso. O último romance, “A última duquesa”, saiu em 2022. E agora, inesperadamente para o público que o acompanha apresentou “Desvio da memória”, um ensaio de mais de 800 páginas sobre os judeus.

Trata, numa postura heterodoxa, das falsas histórias que ficaram na História, desmistificando muito do que se se julga saber mas não se sabe, como as atitudes dos cristãos e dos muçulmanos em relação ao “povo eleito”. O 24notícias teve uma longa conversa com ele, esclarecendo situações que levaram à situação actual de Israel.

Como podemos classificar este livro? É um livro sobre História sem as restrições que esses livros têm, e ao mesmo tempo é uma tese. 

Não é um livro de História, não. É mais um ponto de vista, ou melhor, várias teses juntas. 

O cristianismo é a raiz do antissemitismo europeu. Onde não há cristianismo, não há antissemitismo

Numa primeira impressão, a tese é de que a História não é como está nos livros oficiais. E, neste caso específico, sobre a situação dos judeus em geral, no mundo. A primeira pergunta é um bocado óbvia:  porque é que os judeus são perseguidos sempre? 

É uma pergunta que ainda hoje me fizeram por escrito e é muito difícil de responder.

A raiz primeira e que acompanhou toda a história do Ocidente é, obviamente, o cristianismo. O cristianismo é a raiz do antissemitismo europeu. Onde não há cristianismo, não há antissemitismo.

A questão dos católicos em relação aos nazis é interessante, já que os judeus sempre foram perseguidos pelos cristãos em geral.

Os protestantes também não se portaram nada bem.  Na Holanda foi terrível. Houve uma grande perseguição aos judeus.  

Então e o Spinoza?

Foi excomungado pelos cristãos e considerado anusim (convertido compulsoriamente a outra religião) pelos judeus.

Mas não lhe fizeram mal nenhum. 

Não, mas estamos a falar de épocas muito diferentes.

Os holandeses são conhecidos por serem comerciantes muito competitivos, mas, nas posições religiosas, são muito tolerantes.

Olha que, no caso do Holocausto, o Conselho Judaico de Amsterdão foi aquele que mais colaborou com os Nacionais Socialistas alemães. Aliás, foi o único Conselho Judaico que foi julgado e condenado, depois da 2ª Guerra Mundial. Porque, comparado, por exemplo, com a Bélgica, que era uma associação mais ou menos parecida, a proporção de judeus que eles conseguiram enviar para os campos de extermínio foi muito maior.

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A pergunta-chave de tudo isto é: o que é ser judeu?  É uma raça ou é uma crença?  O que define um judeu como judeu? 

Sim, isso é uma das definições possíveis. Mas é muito fácil de um não-judeu integrar-se no judaísmo. É como se fosse uma naturalização. O judaísmo não é bem uma religião, é uma forma de vida. Se uma pessoa, um estrangeiro, passa a viver como um judeu, é um judeu de pleno direito.

Eles não são proselitistas, não querem converter ninguém. 

Não, não, não. Mas aceitam que outras pessoas se convertam.

Mas é uma diferença enorme em relação às outras religiões, que querem sempre converter quem não crê.

É verdade. Mas os islâmicos também não são prosélitos.

Foi a época mais feliz dos judeus. Quando a Península Ibérica estava ocupada pelos muçulmanos, o judaísmo desenvolveu-se imenso.

Então vamos lá: para não andarmos a viajar até à Idade da Pedra, na Idade Média os muçulmanos aceitavam os judeus.

Foi a época mais feliz dos judeus. Quando a Península Ibérica estava ocupada pelos muçulmanos, o judaísmo desenvolveu-se imenso. Um dos principais rabinos, o Maimônides, nasceu em Córdova, no Império Almorávida. 

Viveram muito bem, felizes e tranquilos. O que eles tinham era que pagar um tributo para serem protegidos. Isso existia. Mas não eram forçados a converter-se de modo nenhum e não eram perseguidos.

A conversão obrigatória é uma coisa cristã, totalmente? Que criou as cristãos novos, que são uma classe estranha, não é? 

Só o cristianismo é que é apostólico.

É isso que apostólico quer dizer?  

É. Um dos principais dogmas da Igreja Católica é que só há salvação através dela. E, portanto, o cristão tem a obrigação de tentar converter o outro para o salvar, senão ele vai para o inferno.

Realmente os muçulmanos não têm essa ideia. 

Os muçulmanos dizem que há uma tendência natural para o Islão, mas não há esforço de conversão. Até há uma frase célebre do Corão sobre isso.

Se bem que o Corão tem tantas interpretações...

Pois tem imensas. A tradução é logo uma diferença enorme.

E a Igreja (católica) tem uma coisa que também nem todos as outras religiões têm, que é uma hierarquia.  Um só chefe, o Papa.

É uma teocracia.

Os muçulmanos são dirigidos por vários imãs, independentes uns dos outros. Os cristãos ortodoxos também são assim. 

Têm 34 patriarcas, mas não um papa. 

Acho que é importante haver um chefe indiscutível, que não se pode enganar, porque ele é quem determina as políticas de todas os católicos. Enquanto que os muçulmanos pode haver uns que acham assim e outros assado. 

Há vários patriarcas, sim.

Marrocos é um bom exemplo. Porque o rei de Marrocos é o “Comandante dos Fiéis”. Portanto, além de ser rei, lidera a religião. 

É a mesma coisa que o messias no judaísmo.  Messias não quer dizer Deus. Cristo quer dizer ungido. Significa que tem atributos e qualidades políticas e religiosas para administrar a totalidade da nação em todos os seus aspetos: religiosos, económicos, militares, etc.

A religião não tem a ver com o racional nem com o Saber. A religião tem a ver com o acreditar, que é muito diferente. E acreditar é mais importante do que saber, porque saber não salva. E acreditar salva, pode salvar.

Uma coisa que sempre me fez confusão é por que razão Deus, o Deus cristão, mandaria o filho à terra, o primogénito e o único, para ser torturado e morto, para limpar os nossos pecados.  É uma história que não faz sentido.

É uma história extraordinária. Sabes que há um dito medieval que afirma: “Creio porque é absurdo.”

Esse, não sabia.

É que não é racional. A religião não tem a ver com o racional nem com o Saber. A religião tem a ver com o acreditar, que é muito diferente. E acreditar é mais importante do que saber, porque saber não salva. E acreditar salva, pode salvar.

O cristianismo é uma religião muito complexa, muito bem conceptualizada, muito pensada, que vem de conceitos gregos. Os grandes teólogos eram pessoas com um grande poder intelectual.

Sim, mas é difícil defender estas teses. E a tese do pecado também é uma coisa... 

Do pecado original?

Não, dos pecados de cada um. Quer dizer, enquanto eu fui católico, é uma coisa que sempre me irritou, me incomodou. 

Não podemos deixar de pecar. Nós não somos pecadores porque pecamos, nós pecamos porque somos pecadores.

Aliás, é impossível não pecar. 

É impossível não pecar. Mas todos os pecados podem ser absolvidos. Todos os pecados são perdoáveis, salvo um.

Que é? 

É não acreditar na Santíssima Trindade. É ser judeu. Esse é indesculpável. É o único indesculpável. O resto, todo o resto é desculpável.

E todos os pecados são perdoáveis, menos o não acreditar na Santíssima Trindade.

Esse dá direito à morte, não? 

Não, não, a excomunhão na igreja católica é uma coisa leve. O excomungado deve continuar a ir à missa. Continua a ser cristão. O que ele não pode é tomar os sacramentos. Enquanto que o Herém, que é a excomunhão judaica, é uma coisa muito mais violenta, com a expulsão definitiva da comunidade. Que é como uma morte. Pior do que uma morte.

E a Inquisição?  A Inquisição não se limitava a dar umas palmadinhas nas costas.

A Inquisição é um dos capítulos mais negros da Igreja.

Mas tu achas que a Inquisição é um instrumento da igreja ou é um instrumento do Poder que usa a igreja como desculpa? 

É as duas coisas. Porque eram os estados nacionais que pediam a Inquisição.  Depois a Inquisição fazia os julgamentos e dava a sentença, mas não a executava. Os condenados eram entregues outra vez ao poder civil e era o poder civil que os matava, não era nunca a Igreja.

A Igreja não podia matar. Aquilo era cheio de preliminares.

Há histórias no teu livro que eu tomei nota. Uma é a propósito de Maximiliano Maria Kolbe. A história, para resumir, é de um padre que vivia na Polónia e que foi assassinado. E que a igreja considerou um santo e um exemplo de resistência ao nazismo. Antes de Auschwitz.

Antes de ser Auschwitz, sim. Não havia judeus naquela altura, ainda era um antigo quartel polaco que servia de campo de prisioneiros para polacos, alguns alemães e prisioneiros soviéticos. Só depois é que passou a ser Auschwitz, no sentido que nós hoje temos que é o nome de um acontecimento, não é o nome do local. Quando se diz Auschwitz não se está a pensar num sítio, estamos a pensar num acontecimento, como dizemos Chernobyl ou Waterloo.

Nem sabemos onde é que fica o Waterloo, mas sabemos que é o local onde Napoleão foi derrotado pela última vez. No norte da França. Perto de Bruxelas.

Que não havia, na altura, a Bélgica. A Bélgica foi inventada para colocar um território entre os franceses e os alemães. É muito interessante isso. Foi criada no século XIX. E o primeiro rei foi o Leopoldo, que era o dono do Congo. Esclavagista violento.

É verdade. Isso é interessante. O Congo era propriedade pessoal do rei, não do país. É extraordinário.

Mas, voltando aos judeus, a questão é, não existe nenhuma maldição histórica.

Não, não acredito.

Enquanto o cristão pretende controlar aquilo que se pensa, a narrativa, o judeu não se preocupa com aquilo que se pensa. Preocupa-se com aquilo que se faz.

Portanto, não há uma maldição contra os judeus. Mas essa coisa que tu definiste e eu acho que muito bem, que é uma maneira de ser, um estado de espírito. Uma maneira de se comportar.

Eu acho que, enquanto o cristão pretende controlar aquilo que se pensa, a narrativa, o judeu não se preocupa com aquilo que se pensa. Preocupa-se com aquilo que se faz. Não há uma ortodoxia, há uma ortopraxia. Deves fazer desta maneira, daquela maneira. Pensar, pensas como quiseres. É aquele ditado célebre, onde há seis judeus, há sete opiniões. Porque há uma liberdade de pensar. Há judeus que acreditam na vida depois da morte, e outros que não acreditam, e há muitas facções, muitas divergências, e muitas discussões. Mas são judeus porque praticam as regras do judaísmo.

Normalmente, quando falamos dos uzbeques, ou dos tibetanos, estamos a falar de uma classificação genética, digamos assim. Têm os cromossomas da etnia.  Mas os judeus não aceitam ser considerados uma etnia. Contudo, têm regras genéticas para serem considerados judeus.

Naturalmente, um filho de uma judia é um judeu.  Mas um estrangeiro que for viver numa comunidade judaica, ou hebraica, e se comportar como os outros judeus, é um judeu como os outros.

A sério? 

Completamente. Mas são poucos, muito poucos, porque é difícil seguir de modo muito rigoroso todos os 613 preceitos do Maimônides que estão na Torá, é muito difícil.

Alguns comandos são negativos, outros positivos. A maioria eu não sei, mas há muitas medidas higiénicas, o que se pode comer, o que não se pode comer. A menstruação da mulher, a circuncisão. São sempre de ordem prática. 

Livro: "Desvio da memória"

Autor: Pedro Paixão

Editora: Glaciar

Data de lançamento: 2025

Preço: € 27,72

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É interessante que nos Estados Unidos, a partir de uma certa geração, os homens eram, na maioria, circuncisados. Não sei se ainda é assim, mas é uma norma higiénica. Tinha a ver com uma época em que as pessoas não tomavam banho e impedia a acumulação de impurezas. Nos tempos modernos não é necessária. Mas terá de vir o Messias para mudar as normas. 

Pois, eles não acreditam que Jesus era o Messias. Estão à espera há dois mil anos, está um bocado atrasado!

Dois mil, não, quatro mil, por aí, quando foram escritos os livros sagrados que previam a vinda de um Messias. Jesus era judeu, mas não os convenceu.

Jesus era judeu no sentido lato, mas era galileu no sentido estrito, o que é muito diferente Porquê? Olha, a começar pelo dialeto, eles falavam aramaico, mas com variantes.

Os galileus, como Jesus, eram desprezados pelos judeus da Judeia. Era uma variante étnica provinciana. Parolos.

Então, o iídiche vem de onde? 

O iídiche? O iídiche é dialeto alemão com palavras e algumas expressões hebraicas.  Depende, também há muitas variantes.

O que achas que se está a passar em Israel? Enquanto o país estiver em guerra não pode haver eleições e por isso é que o Netanyahu não querer parar o genocídio em Gaza. Concordas com esta versão ou achas que ele tem razão, é preciso destruir o Hamas?

A nossa consciência fica mais tranquila quando conseguimos distinguir os maus e os bons.

O problema é que são todos maus.  Se calhar também há bons de um lado e do outro. Eu, por isso, não tenho opinião sobre o que está a acontecer. Porque eu consigo acompanhar os vários pontos de vista.

créditos: Pedro Pinto Basto

Eu também. É evidente que o Hamas, quando fez o ataque do 27 de Outubro de 2023 sabia qual era a reação que Israel ia ter. Não fizeram aquilo por acaso.

Não, claro.

Já calculavam, acho eu, e acertaram, com o apoio imenso que têm tido. 

O que é incrível, não é?  Apoiar um grupo terrorista e que na carta de fundação o primeiro objetivo é a destruição de Israel, não é? Porque há uma regra, há qualquer coisa da qual normalmente não se fala, mas que é muito importante. Segundo a lei islâmica, um território que foi muçulmano nunca deixa de ser muçulmano.

Ah, é?

É. Isso é muito importante, mas nunca se fala no assunto.

Eu entrevistei um militante do Hamas, em Ramallah, no lado da Cisjordânia. onde está a sede da OLP.

Falei com um dos meus amigos árabes de Israel e ele arranjou maneira de me encontrar com esse senhor.  Comecei por me apresentar e a primeira coisa que ele me disse foi que não tinha nome.  

Só isso mudou logo todo o ambiente.  

E depois perguntou-me de onde eu vinha, e eu respondi de Portugal. Reação dele: Nós estivemos lá. Portugal ainda é nosso. E, quando voltarmos, vamos fazer às vossas mulheres o que vocês fizeram às nossas.

Tu sais de Israel propriamente, através da chamada Linha Verde. E entras na Cisjordânia. 

Hoje em dia é uma zona de conflito. 

Mas o interessante é que é como sair da Europa e entrar na Arábia. A maneira como as pessoas estão vestidas, como é que andam, como é que os carros andam, o barulho, os cheiros. É impressionante, numa distância tão curta; Belém está a 10 quilómetros de Jerusalém, e Ramallah está a 20, no máximo.

Como é que achas que a questão da Palestina vai acabar? Há muitos factores em jogo, incluindo as pressões internacionais. Internamente, em Israel, Netanyhau é cada vez mais contestado. Por exemplo, as pessoas pedem o fim da guerra por causa dos reféns, mas nada garante que no fim da guerra o Hamas devolva os reféns.

Ter reféns é um crime, não é?  

Claro que é. Um crime de guerra. Aliás, foi o que valeu ao Hamas. Se não fossem os reféns, Israel tinha arrasado aquilo tudo mais depressa do que está a fazer.

E o ataque que o Hamas fez também foi um crime de guerra. Eles não tentaram atingir nenhum alvo militar. Mas não são os primeiros a fazer isso. Os britânicos e os americanos fizeram a mesma coisa na Segunda Guerra Mundial.

 Toda a gente faz.

Outra coisa muito curiosa, que eu estive a investigar, e que choca muitas pessoas, é a desproporção entre mortos militares e mortos civis nas duas guerras mundiais. Na Primeira Grande Guerra, as baixas civis são menos de 20%. 80% são baixas militares. Na Segunda Grande Guerra, as baixas militares são 20% e as baixas civis 80%. Morreram 20 milhões de chineses, 25 milhões de soviéticos, e a seguir vêm os alemães, com quase oito milhões.

É a maneira de lutar que os soviéticos têm, são obrigados a ir para a frente sem preparação nenhuma, porque uma pessoa não tem valor para o coletivo.

Tem a ver com a maneira de lutar, precisamente. Porque eles continuam a fazer isso na Ucrânia. Já morreu um milhão de russos. É uma tática do Trotsky:  vão para a frente e se atrasam muito os comissários políticos ameaçam abatê-los.

Mas é interessante que nunca mudaram...  Isso foi usado na Primeira Guerra, foi usado pelo Estaline e hoje é usado pelo Putin. E imagino que na Coreia do Norte também haja esse princípio.

De todas as etnias que existem neste mundo, os judeus são a única que tem um histórico de perseguição constante, desde... 

Há dois mil anos.

Antes disso nunca eles não tiveram um país soberano?

Não. Os reis só foram um país independente durante cem anos. Ao todo, as tribos, as doze tribos só tiveram unidas durante três reinados: Saúl, David e Salomão. Quando Salomão morre, as tribos dividem-se. O Norte, que se chama Israel, (29:16) e o Sul, que se chama Judeia.

Então os outros deixam de ser judeus?

 Depende do ponto de vista. Porque depois o que acontece é que os assírios atacam.

A parte norte resiste. É vencida e são levados como escravos. Enquanto que a Judeia negocia e fica submissa aos assírios.  Paga para ficar relativamente autónoma. É a mesma coisa que depois acontece com os persas, com o Ciro. Que os deixa voltar para Jerusalém.

E depois há o caso do Egito também.

O Egito, muito perto. Aí ficaram como escravos, mas com uma certa autonomia. 

Uma coisa que eu não consigo explicar é porque razão ser contra os judeus era uma posição de direita e ser a favor deles era uma posição de esquerda. E agora é ao contrário. Foi uma inversão que aconteceu nos últimos anos. Encontras alguma explicação coerente para esta reversão de valores? Isto tem provocado autênticas batalhas nas universidades norte-americanas. Porque é que mudou?

Não sei dizer. Talvez seja porque a esquerda gosta daqueles que estão a levar porrada e não daqueles que a estão a dar. Mas é uma ignorância da História. Imensa, da parte dos comentadores. Da formação de Israel, de ter sido um protectorado britânico, e antes disso fazia parte do Império Otomano. É tudo muito complexo, porque de facto nunca houve um povo palestiniano. Agora, quando Israel se formou como Estado, criou a identidade palestiniana.

Os ingleses e os franceses tinham prometido aos árabes que não haveria um estado judaico. Foi o tratado assinado pelo inglês Sykes e o francês Picot, que dava a península da Arábia às várias tribos que lá viviam.

No fundo e ao cabo, esta luta, esta confusão, esta tragédia é da responsabilidade dos poderes coloniais.

Bom, considerando a África toda, o continente, 90% dos problemas que persistem é o resultado da Conferência de Berlim, em 1884-85, em que os países europeus definiram as regras para tomar posse do território africano, sem consultar os africanos. Dividiram o território de tribos e colocaram tribos inimigas no mesmo território.

É a mesma coisa que aconteceu depois da queda do Império Otomano.

Bem, para mim, a conclusão do teu livro, é que há certas coisas que são muito difíceis de definir e que a História é a que nós queremos, não é o que aconteceu. Concordas?

Concordo. Não é possível estabelecer uma narrativa única que seja fidedigna. A verdade é uma ficção.