José Maria Neves discursava em Lisboa durante a sessão comemorativa do 50.º aniversário do 25 de Abril de 1974, que contou com a participação de chefes de Estado das antigas colónias portuguesas.
“No dealbar do século XXI, surgem sinais que despertam, naturalmente, muita preocupação. Há um sentimento de que a democracia está a ser carcomida, assiste-se a um recuo efetivo e a fortes ameaças”, disse.
Para José Maria Neves, “a globalização tem conduzido ao empobrecimento e compressão da classe média, nos países desenvolvidos, e ao aumento das desigualdades entre e nos diferentes países”.
“Tem havido, por outro lado, um aumento da polarização social e política — os consensos são cada vez mais difíceis -, a fragilização das instituições que são importantes instrumentos de intermediação entre o Estado e a sociedade e participantes destacados na formação de políticas públicas”, disse.
E acrescentou que se constata ainda “uma manifesta incapacidade dos governos em responder à complexidade da ecologia política e às demandas e exigências dos cidadãos e da sociedade civil”.
“Se nos países desenvolvidos tal quadro tem possibilitado o alastramento do populismo, do nacionalismo, da xenofobia, do racismo, do repúdio a imigrantes, e adubado a crise dos partidos políticos, a pregação da antipolítica e do antiliberalismo, bem como de teses negacionistas, a disseminação de ‘fake news’ e do discurso do ódio, nos países pobres, onde as instituições são mais débeis, tem resultado em ruturas constitucionais e na assunção do poder pelos militares”, observou.
Para o chefe de Estado e antigo primeiro-ministro cabo-verdiano, “é notório um certo desencanto e uma degenerescência dos partidos políticos tradicionais, da política e dos políticos”.
“Os eleitores mostram-se cada vez mais céticos sobre a saúde das suas democracias e questionam se os seus governos foram eleitos de forma transparente”, prosseguiu.
Para José Maria Neves, “com a revolução dos cravos, inaugurou-se uma nova era, muito na linha do sonho de Amílcar Cabral, cujo centenário [do nascimento] se celebra este ano”.
“Conquistada a independência, deveriam ser construídas as mais sólidas e especiais relações de amizade e cooperação entre estes novos países e o Portugal democrático. Ainda bem que o relógio da história avançou e se inaugurou um novo tempo, com vontade mútua, infelizmente não muito comum nos tempos que correm, de reforço contínuo das relações”.
“Meio século depois desse fantástico acontecimento histórico, temos todos razões de orgulho e reconforto. Caiu um regime que a todos oprimia e nasceram novos Estados soberanos”, disse.
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