Na expetativa de saber se o tema do medo da pandemia, que já fez mais de 7.400 mortos em Portugal, entrará na campanha, Marco Lisi, professor auxiliar do Departamento de Estudos Políticos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, é da opinião que isso teria efeitos negativos no sistema político.

“Se houver candidatos a puxarem por esse lado, como já aconteceu, não em Portugal, mas nos Estados Unidos, isso pode levar a uma maior polarização. A polarização pode até ter um efeito e incentivar a participação [eleitoral], mas, em geral, não é considerado um aspecto positivo do funcionamento do sistema político”, afirmou à Lusa Marco Lisi, autor do livro “Eleições – Campanhas eleitorais e decisão de voto em Portugal, publicado em 2019 pela Edições Sílabo.

Essa polarização pode ter efeitos no ambiente político, pelo que os próximos tempos, afirmou, “vão ser difíceis” para garantir uma estabilidade política em Portugal, face à fragmentação política e partidária, já evidente com a entrada de três novos partidos nas legislativas de 2019 (Iniciativa Liberal, Chega e Livre).

Nenhuma maioria que se forme em próximas eleições, antevê, será de um partido só e uma maioria, seja de direita ou de esquerda, terá dificuldades em formar-se.

“Não há nenhum partido que esteja à espera de ganhar a maioria absoluta e isso vai criar um cenário de instabilidade e incerteza”, afirmou ainda.

Se esses “dois blocos, essas duas frentes forem muito polarizadas, isso vai tornar as coisas mais complicadas para garantir a estabilidade, implementar as reformas necessárias e encontrar acordos que possam ser fundamentais para resolver alguns problemas estruturais”, afirmou ainda.

No imediato, há um tema relacionado com a resposta à pandemia de covid-19, a aplicação dos fundos europeus, que aconselharia um acordo entre os partidos, exemplificou.

“Se essa questão do medo for politizada e enfatizada na campanha pelos candidatos, mesmo que seja agora nas eleições presidenciais e não nas legislativas, acho que isso terá consequências negativas”, enfatizou.

Campanha pouco mobilizadora aumenta risco de abstenção

O investigador Marco Lisi considera que a campanha para as presidenciais está a ser pouco mobilizadora, “atípica” devido à pandemia de covid-19, o que pode baralhar comportamentos eleitorais clássicos, e fazer subir a abstenção.

Em declarações à Lusa, o professor auxiliar do Departamento de Estudos Políticos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa assinalou o facto inédito de realizar uma eleição a meio de uma epidemia, pelo que também é difícil fazer avaliações, mesmo com base nos estudos de comportamento eleitoral feitos em Portugal e noutros países.

A “instabilidade e a incerteza acabam sempre por baralhar os alinhamentos eleitorais tradicionais clássicos”, disse o investigador formado em ciências políticas pela Universidade de Florença e autor do livro “Eleições – Campanhas eleitorais e decisão de voto em Portugal", publicado em 2019 pela Edições Sílabo.

A pandemia, disse ainda, é “um fenómeno geral” e “não afeta da mesma maneira todas as pessoas”, havendo preocupações diferentes, sociais, económicas, como o desemprego, ou os efeitos da pandemia na saúde.

No seu livro, Lisi concluiu que o comportamento do eleitor português está muito marcado, além de factores ideológicos e sócio económicos, pelos denominados “factores de curto prazo”, como a imagem dos líderes partidários, os temas de campanha, onde a economia, “votar com a carteira”, tem ainda muito peso.

E o caso das presidenciais, como aconteceu em 2016, são eleições em que há “mais volatilidade, mais liberdade de voto” para os eleitores escolherem “além das suas preferências ideológicas ou partidárias”.

A pré-campanha, segundo afirmou, foi “pouco mobilizadora”, muito centrada na pandemia, no estado de emergência e em temas da agenda política diária, sobre opções ou “casos” no Governo, como o do procurador europeu – o investigador responsabiliza os jornalistas por isso –, ignorando-se questões próprias do cargo de Presidente, como reformas no sistema eleitoral ou as reformas políticas necessárias ao país.

“Atípica” é como Lisi descreve a pré-campanha eleitoral, a começar pelo facto de ser feita essencialmente através “on-line”, com debates nas televisões, mas também nas redes sociais.

“Nunca houve uma campanha feita exclusivamente através desses meios”, afirmou, sublinhando que, sem “o contato pessoal presencial, face a face” do candidato com os eleitores, esta fórmula “não incentiva a mobilização”.

E para o dia das eleições, “eventualmente, se as coisas se mantiverem críticas, na difusão do vírus, isso pode levar muitas pessoas a não irem votar”, disse, dando o exemplo, em especial, das pessoas mais idosas, que “têm mais dificuldade ou receio em deslocar-se”.

As eleições presidenciais, que se realizam em plena epidemia de covid-19 em Portugal, estão marcadas para 24 de janeiro e esta é a 10.ª vez que os portugueses são chamados a escolher o Presidente da República em democracia, desde 1976.

A campanha eleitoral decorre entre hoje e 22 de janeiro.

Concorrem às eleições sete candidatos, Marisa Matias (apoiada pelo Bloco de Esquerda), Marcelo Rebelo de Sousa (PSD e CDS/PP) Tiago Mayan Gonçalves (Iniciativa Liberal), André Ventura (Chega), Vitorino Silva, mais conhecido por Tino de Rans, João Ferreira (PCP e PEV) e a militante do PS Ana Gomes (PAN e Livre).