"Aproximar, fixar e vincular" os professores. É assim que o Governo se apresenta para as negociações com os sindicatos de docentes.  A poucas horas da nova ronda negocial com as estruturas sindicais dos professores, o Ministério da Educação tornou público as propostas que vão estar em cima da mesa.

O que propõe o Ministério da Educação

  • Fixar professores em concurso de 2024

O Ministério da Educação quer que todos os professores possam concorrer a uma escola em 2024, e depois só abrirá vagas onde faltem docentes, interrompendo o processo de “deslocalizar professores que estavam felizes” num estabelecimento de ensino.

A tutela quer acabar com os concursos que se realizam de quatro em quatro anos aos quais estavam obrigados a concorrer todos os professores de Quadro de Zona Pedagógica (QZP) e assim “interromper este processo de deslocalizar professores que estão felizes num lugar”.

Tal como acontece com a administração pública, depois só passarão a abrir vagas nas escolas onde faltam professores e só vão concorrer aqueles que pretendem mudar de estabelecimento de ensino.

  • Aumentar os Quadros de Zona Pedagógica de 10 regiões para 63

O ministério propor aos sindicatos a possibilidade de aumentar os Quadros de Zona Pedagógica (QZP), passando das atuais 10 regiões para 63.

“Atualmente, os professores de QZP são obrigados a deslocar-se em zonas que distam entre 157 e 244 quilómetros, podendo em anos sucessivos ficar colocados em escolas dentro destas zonas”, explicou João Costa.

Com o país dividido em 63 zonas, os professores que fiquem colocados no QZP terão a garantia de estar numa região muito mais pequena, já que esta redução irá permitir “uma colocação em zonas que, em 95% dos casos, ficam com distâncias máximas de 50 quilómetros”, segundo o ministro.

O novo mapa permite “reduzir a distância em que os professores são obrigados a deslocar-se em alguns casos para cinco vezes menos”.

A intervenção dos diretores será precisamente junto dos professores que fiquem colocados num QZP, já que poderão colocar os docentes consoante as necessidades das escolas.

  • Reduzir número de professores retidos no 4.º e 6.º escalões

“Até ao final da legislatura poderemos garantir a progressão de 75% dos professores para o 5.º escalão e de 58% para o 7.º”, anunciou hoje João Costa.

O ministro lembrou que as quotas para a progressão na carreira “existem em toda a administração pública, sendo a sua fixação em 25% dos trabalhadores comum às várias carreiras”, enquanto noutras carreiras “a progressão é condicionada pelas vagas existentes para ascender a categorias superiores”.

No caso dos professores, apenas quem tem avaliações de Excelente ou Muito Bom tem o acesso automático garantido, ficando todos os outros dependentes das vagas abertas anualmente pelo ministério.

Os professores queixam-se de existirem quotas nas escolas para atribuir as notas de Muito Bom e Excelente que os impedem de progredir automaticamente e exigem, há vários anos, o fim das vagas de acesso.

  • Vincular em 2023 mais 10 mil professores

As propostas do ministério também preveem a vinculação dos professores contratados com mais de mil dias de serviço e a criação de três índices remuneratórios para os contratados que, até agora, tinham sempre um ordenado equivalente ao 1.º escalão da carreira.

O ministério quer que “todos os professores que já acumularam 1095 dias de serviço e que, neste ano letivo, têm um horário completo” passem a efetivos, anunciou o ministro João Costa.

No caso dos professores que estão a dar aulas, mas não têm horário completo, o ministério quer avançar com um processo de “vinculação dinâmica”, ou seja, conforme atingem o equivalente a três anos de serviço com horário completo, os tais 1.095 dias, podem vincular.

Atualmente, os professores só vinculam após três anos de contratos anuais e sucessivos, ou seja, bastava que num ano tivessem um horário incompleto para que tivessem de recomeçar a contar do zero.

A proposta do ministério é que se passe a contar os dias de trabalho: “Um professor com seis anos de serviço com horário de 50% perfaz os tais três anos completos”, explicou.

“Vamos colocar mais professores em lugares de quadro e diminuir substancialmente o tempo que cada professor demora a ser vinculado. A nossa intenção é vincular, já este ano, no mínimo mais 10 mil professores”, acrescentou.

  • Aumentos salariais para quem não entre nos quadros

Para os professores que não consigam entrar para os quadros, o ministério pretende oferecer aumentos salariais.

“Reconhecemos que muitos dos professores contratados são necessidades permanentes do sistema, o que se reflete no recurso que anualmente é feito a estes profissionais”, disse João Costa, recordando que apesar disso ficam “demasiados anos no 1.º escalão da carreira”.

A proposta do ministério é que os contratados possam ter um ordenado equivalente ao “2.º e 3.º escalão da carreira docente”, dependendo do tempo de serviço, acrescentou por seu lado o secretário de Estado, António Leite, considerando que esta proposta representa um “avanço muito significativo”.

  • Recuperação do tempo de serviço

Já quanto à recuperação do tempo de serviço congelado durante a ‘Troika’, de que o Governo reconheceu apenas três dos nove anos, João Costa voltou a dizer não ser financeiramente possível: “Não vamos dar um passo que sabemos que daqui a dois anos não vai ter sustentabilidade. Não podemos dar um passo maior do que a perna e o que queremos garantir é que as carreiras nunca mais voltem a ser congeladas”.

Segundo o ministro, o pacote de medidas enviado para os sindicatos “comporta um valor agregado de pouco mais de 100 milhões de euros”.

Como respondem os sindicatos

  • As críticas da FENPROF

Em conferência de imprensa, Mário Nogueira disse que a Federação Nacional de Professores (Fenprof) recebeu hoje de manhã as propostas do Ministério da Educação para as reuniões negociais e que, apesar de ser preciso ainda um “aprofundamento na análise”, tendo em vista a reunião negocial de sexta-feira, já é possível avançar que continuam a existir razões “para que a luta se mantenha muito forte”. Algumas das críticas são:

    • A manutenção de “conselhos locais de diretores para afetar professores dentro das áreas destes novos Quadros de Zona Pedagógica”;
    •  “Embora diga que quer corrigir as ultrapassagens, mantém ultrapassagens de professores menos graduados a outros mais graduados, por exemplo, na forma de vinculação, através de uma vinculação direta nos quadros em que cada um se encontra”;
    • A permissão para “que os professores contratados a prazo possam ir até ao índice 205 da carreira, que corresponde ao terceiro escalão”, e com as vagas de acesso ao quinto e ao sétimo escalões, que passam a ser para 75% e 58% dos professores, respetivamente (eram para 50% e 33%);
    • Segundo Mário Nogueira, no esquecimento caíram matérias como o tempo de serviço dos professores, o fim das vagas, a revisão do modelo de avaliação de desempenho e “o combate, de facto, à precariedade, com a realização de concursos extraordinários de vinculação, que limpem a precariedade a todos os que têm cinco ou mais anos de serviço”, entre outras.
  • FNE já reuniu com ministro. Propostas são “poucochinho”, mas há otimismo

A FNE foi a primeira organização sindical a ser recebida pelo ministro da Educação e pelo secretário de Estado na terceira ronda negocial sobre o regime de recrutamento e mobilidade de pessoal docente.

No final do encontro, o secretário-geral da FNE, João Dias da Silva, fez um balanço relativamente positivo, considerando que as novas propostas apresentadas pela tutela representam “uma evolução” face às anteriores, sobretudo no que respeita aos quadros de zona pedagógica e à vinculação de docentes. No entanto, há reservas.

“O que dissemos ao ministro da Educação é que isto ainda é bastante poucochinho, mas as negociações fizeram-se para ir avançando”, disse João Dias da Silva, em declarações aos jornalistas.

Entre as ressalvas, destacam-se:

    • No que toca à possibilidade de conselhos locais de diretores completarem horários dos docentes dos quadros de zona pedagógica através da sua alocação a mais do que uma escola, a FNE quer que sejam assegurados os custos associados. “A construção destes horários completos, em algumas regiões, significa que as pessoas têm de trabalhar em mais do que uma escola, mas temos de garantir que há pagamento para as deslocações”, explicou o dirigente sindical;
    • A FNE considera que a vinculação de professores não pode ficar-se pelos 10 mil, defendendo a integração nos quadros de 14 mil docentes até 2024, sustentando que “corresponde às efetivas necessidades das escolas para acabarmos com o recurso à contratação e à precariedade”;
    • O Ministério da Educação não ofereceu respostas concretas para um conjunto de outros problemas, incluindo a equiparação remuneratória do topo da carreira docente à carreira técnica superior, as remunerações à entrada na carreira e as vagas de acesso aos 5.º e 7.º escalões, que a FNE defende que sejam eliminadas.
    • Outra das reivindicações sem resposta é a contagem integral do tempo de serviço congelado. Sobre este tema, João Dias da Silva afirmou que "foi a intervenção do primeiro-ministro, António Costa, que impediu" a contabilização dos nove anos, quatro meses e dois dias.

Apesar do balanço que faz da reunião de hoje, e de se mostrar otimista quanto ao futuro das negociações, o secretário-geral da FNE não afastou a possibilidade de recorrer a outras formas de luta, incluindo greves. “Saímos daqui com vontade de continuar a apostar na negociação e na necessidade, para darmos força à negociação, de também acrescentarmos iniciativas nossas ou em convergência com outras organizações”, afirmou.

Atualmente, estão a decorrer três greves distintas: O STOP convocou uma paralisação que começou em dezembro por tempo indeterminado e inclui professores e pessoal não docente.

No início do 2.º período, o SIPE iniciou uma greve parcial ao primeiro tempo de aulas de cada docente, que se deverá prolongar até fevereiro. Entretanto, na segunda-feira arrancou uma greve total que se realiza por distritos durante 18 dias, convocada por uma plataforma de sindicatos que incluiu a Fenprof. A 8 de fevereiro dar-se-á por terminada e dois dias depois realizam uma manifestação nacional.