A constatação é feita num artigo publicado hoje pela agência Associated Press (AP), que analisa quase todos os Estados latino-americanos, com uma referência ao Brasil, o segundo país do mundo em número de casos do novo coronavírus, só atrás dos Estados Unidos.
Segundo relembra a AP, a polícia brasileira criou, num Estado, uma ‘task force’ para investigar os crimes relacionados com a pandemia a que intitulada “Corona Jato”, alusão ao mais recente grande escândalo de corrupção no Brasil, o “Lava Jato”, que analisou os biliões roubados a partir de grandes empresas estatais.
Terça-feira, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, foi alvo de uma rusga domiciliária na sequência de uma investigação por causa de gastos de 150 milhões de dólares (cerca de 137 milhões de euros), de que teria recebido uma parte, feitos com a construção de hospitais de campanha durante o crescimento de casos da covid-19.
A rusga surpresa feita à mansão do governador e a 10 outras residências no Rio de Janeiro veio espalhar a confusão entre a classe política local, dado que Witzel é um crítico do Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, que o acusa de boicotar as medidas federais de combate ao novo coronavírus.
Num caso que aparenta ter contornos de corrupção política, Witzel negou, por seu lado, qualquer boicote e acusou Bolsonaro de ter ordenado a rusga como uma retaliação.
Noutros países, da Argentina ao Panamá, refere a AP, vários altos funcionários governamentais têm sido obrigados a renunciar aos cargos à medida que se descobrem relatos de compras fraudulentas de, por exemplo, ventiladores, máscaras e outros equipamentos médicos.
Os desvios e os roubos são motivados pelos preços aleatórios, normalmente já elevados, praticados pelos produtores, em que o lucro advém das ligações políticas de intermediários que aproveitam a oportunidade para daí retirar dividendos.
“Sempre que há uma situação complicada, as regras da despesa são relaxadas e há sempre alguém a observar como poderá lucrar”, disse José Ugaz, o antigo procurador público peruano que levou o ex-Presidente Alberto Fujimori à cadeia e que foi secretário-geral da organização Transparência Internacional (TI) de 2014 a 2017.
Na Colômbia, 14 dos 32 governadores estão sob investigação por crimes que vão desde recebimento de “luvas” à entrega, ou atribuição, de contratos ilegais relacionados com a compra de equipamentos médicos.
Na capital argentina, Buenos Aires, o Ministério Público está a investigar a compra de 15.000 máscaras cirúrgicas que, apesar de terem expirado o prazo, continuam a ser vendidas por um preço 10 vezes superior.
Para a AP, a maior fraude “talvez” se registe na Bolívia, onde o ministro da Saúde foi detido no meio de acusações de ter comprado 170 ventiladores a preços inflacionados — o fornecedor espanhol vendeu-os por 6.000 euros cada e os aparelhos foram vendidos a 25.600 euros.
Para agravar a situação, os ventiladores não são adequados para uma assistência mais demorada aos pacientes.
Acusações semelhantes de venda inflacionada de equipamentos de saúde abalaram também o Panamá, onde um dos principais conselheiros do Presidente panamiano, Laurentino Cortizo, se demitiu e o vice-Presidente está sob pressão para fazer o mesmo depois de a polícia ter iniciado uma investigação a um plano para a compra de ventiladores com o custo de quase 50.000 dólares (45.600 euros) cada.
“É um verdadeiro escândalo”, disse o escritor argentino Martin Caparros, coautor de um livro sobre as histórias mais desavergonhadas e que se intitula “We Lost: Who Won the American Cup of Corruption” (“Nós Perdemos: Quem Ganhou a Taça Americana da Corrupção”).
Roberto de Michele, especialista em análise de transparência financeira no Banco de Desenvolvimento Inter-Americano, referiu à AP que, mesmo em condições normais, entre 10% a 25% da despesa em Saúde é perdida por causa da corrupção, “o que significa milhões de milhões de dólares todos os anos”.
Mas os abusos multiplicam-se em emergências, como os desastres naturais, acrescentou, defendendo que os riscos são ainda maiores em casos de pandemia, como a atual, desregulando os mecanismos de fixação de preços.
“Se não se parar num sinal vermelho, e nada acontece, ou se se suborna um polícia e acaba por safar-se, mais pessoas terão incentivos para não parar no sinal vermelho. Isto é o desígnio institucional, não cultural”, sustentou.
Segundo Roberto de Michele, a tecnologia pode ser um passo importante a seguir e pode mesmo ajudar s proteger os fundos públicos, dando o caso do Paraguai.
Este país desenvolveu uma aplicação numa plataforma que permite aos utilizadores rastrear quase em tempo real o estado de 110 contratos de emergência, no valor de 26 milhões de dólares (23,7 milhões de euros), gastos em projetos ligados à covid-19.
O ministro das Finanças paraguaio, Benigno Lopez, indicou que a plataforma dá a possibilidade aos cidadãos de fiscalizar a forma como os recursos são gastos e defendeu que a solução para a corrupção é a existência de uma “justiça punitiva”.
A América Latina e Caribe é a terceira região do mundo com maior número de casos e de mortes devido à covid-19, tendo registado mais de 43.400 mortos em cerca de 803 mil casos.
A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 350 mil mortos e infetou mais de 5,6 milhões de pessoas em 196 países e territórios. Cerca de 2,2 milhões de doentes foram considerados curados.
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