A Comissão da Transparência e Estatuto dos Deputados aprovou na terça-feira um diploma relativo à criminalização do enriquecimento injustificado que altera a legislação sobre as obrigações declarativas de políticos e altos cargos públicos, com alertas do PSD sobre inconstitucionalidade.
Hoje, numa conferência de imprensa na Assembleia da Republica, em Lisboa, a deputada Constança Urbano de Sousa, do PS, afirmou que a questão do enriquecimento injustificado fica “de uma vez por todas resolvida” na ordem jurídica portuguesa, graças à “boa vontade e ao grande espírito de compromisso que existiu entre as várias forças políticas que nesta assembleia quiseram de uma vez por todas decidir esta questão”.
E, na sua ótica, “naturalmente em conformidade com a Constituição da República portuguesa”.
Em declarações aos jornalistas na mesma ocasião, o deputado socialista Jorge Lacão, que é também presidente da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, rejeitou as críticas do PSD e defendeu que “não tem qualquer cabimento” o argumento de que “o desejável seria que se aprovasse uma norma que, em função de uma suspeita da prática de algum crime, se participasse ao Ministério Público”.
Jorge Lacão salientou que esta proposta defendida pelo PSD “é completamente redundante e, como tal, inútil” porque “já está na lei”, argumentando que a Entidade para a Transparência tem “competência para participar ao Ministério Público as suspeitas da prática de infrações penais que decorram justamente da violação das regras das declarações únicas”.
“Enquanto o PSD está a querer propor alguma coisa eu a lei já contém, o PSD está a atirar uma espécie de nuvem para ocultar a verdadeira razão pela qual não vota favoravelmente este norma”, criticou o deputado do PS.
E criticou que “a verdadeira razão é que, desde o princípio como agora, o PSD nunca quis verdadeiramente uma legislação cabal sobre a concretização do princípio da transparência”.
A Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados aprovou um texto de substituição acordado pelos partidos proponentes de nove projetos de lei (PS, PSD, BE, PCP, CDS-PP, PAN, PEV, Iniciativa Liberal e da deputada não inscrita Cristina Rodrigues) relativos ao enriquecimento injustificado, ocultação de riqueza e alargamento das obrigações declarativas dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, que deram entrada no parlamento e desceram à especialidade sem votação.
A maior parte do texto comum foi aprovada por unanimidade, mas o PSD absteve-se numa norma e votou contra outra, indicando que levará o seu projeto a votação na sexta-feira.
Numa declaração de voto, a deputada Mónica Quintela justificou na altura que o PSD queria que o aumento injustificado de rendimentos fosse comunicado ao Ministério Público, e não criminalizado de imediato.
“Ao ter que se declarar os factos que os originaram [os enriquecimentos injustificados], constituindo isto logo ‘per si’ criminalização, o PSD entende que há aqui uma inconstitucionalidade e que se está a violar o tríptico garantístico da proibição de inversão do ónus da prova, de proibição da violação do princípio da presunção de inocência e da proibição do direito ao silêncio e à não auto-incriminação”, justificou, lembrando que já por duas vezes o Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais diplomas sobre a criminalização do enriquecimento injustificado.
Hoje, Jorge Lacão considerou ainda que a argumentação de PSD “é uma desculpa de mau pagador”.
“O dever de identificar os factos está ligado ao acréscimo patrimonial como um dever declaratório originário, não pressupõe à cabeça a suspeita de nenhum crime que seja imputado ao titular e que coloque o titular na circunstância ter de se defender com inversão do ónus da prova de um crime de que é acusado. Pelo contrário, só praticará o crime se não cumprir o de ver declaratório que estiver estabelecido na lei”, sustentou, considerando que a argumentação dos sociais-democratas “não tem qualquer cabimento”.
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