Um consórcio de jornalistas de investigação (Público, Expresso, SIC e Visão) divulgou na quarta-feira ao fim do dia que mais de três mil publicações de militares da GNR e agentes da PSP, nos últimos anos, mostram que as redes sociais são usadas para fazer o que a lei e os regulamentos internos proíbem. Em causa está a publicação, por agentes das forças de segurança, de mensagens nas redes sociais com conteúdo discriminatório e que incitam ao ódio.

Numa nota enviada às redações, o Ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, "determinou à Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) a abertura de inquérito, imediato, para apuramento da veracidade dos indícios contidos nas notícias".

Em comunicado enviado às redações, a Guarda Nacional Republicana (GNR) garante que "tem implementado o Plano de Prevenção de Manifestações de Discriminação nas Forças e Serviços de Segurança (PPMDFSS), e que frequentemente realiza ações e iniciativas" nesse contexto "com representantes do MAI, das Forças e Serviços de Segurança, sob coordenação da Inspeção Geral da Administração Interna (IGAI)".

Além disso, a GNR frisa que "foram implementadas medidas corretivas a todo o dispositivo, nomeadamente a difusão de um normativo interno sobre boas práticas no âmbito da prevenção da discriminação, o investimento na formação e na qualificação dos militares da GNR nestas matérias nos Cursos de formação, especialização, promoção e, no âmbito da formação contínua, a criação da Comissão para a Igualdade de Género e Não Discriminação na Guarda (CIGUARDA), a nomeação de uma Oficial de Direitos Humanos e as boas práticas incutidas ao nível da comunicação institucional, quer interna que externa para as questões de género e discriminação".

"Perante comportamentos dos seus militares que não se enquadrem com os direitos previstos constitucionalmente, contrários à lei e/ou que configurem uma violação dos deveres deontológicos inerentes à condição militar e policial, a Guarda age através da comunicação às autoridades competentes, nos termos da lei, e/ou disciplinarmente, apelando a todos a sua denúncia", remata a força de segurança.

Por sua vez, a Associação dos Profissionais da Guarda (APG/GNR) considerou preocupante que membros da PSP e GNR publiquem mensagens racistas e xenófobas nas redes sociais e lamentou que uma investigação jornalística sugira que todos os polícias são do partido Chega.

“É preocupante todo o tipo de comentários racistas e que incitem à violência”, disse à Lusa o presidente da APG, César Nogueira, congratulando-se que a Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) tenha aberto um inquérito para apurar a veracidade das publicações de militares da GNR e agentes da PSP nas redes sociais.

Para César Nogueira, os elementos das forças de segurança que emitam comentários racistas ou incentivem ao ódio “logicamente que devem ter consequências”.

“O racismo não é exclusivo das forças de segurança, é da própria sociedade e, como cidadãos, estamos inseridos na sociedade. Logicamente que é mais grave porque sendo um elemento de uma força de segurança tem a responsabilidade e deveres acrescidos e não pode fazer esse tipo de comentários”, precisou.

César Nogueira disse também que não faz ideia se estes elementos das forças de segurança fazem parte do Chega ou do Movimento Zero, que entretanto foi extinto.

“Os elementos nas forças de segurança podem votar em qualquer partido, podem seguir os ideais do Chega ou de outro partido qualquer”, afirmou lamentando que as reportagens tentem dar a ideia de que todos os elementos da PSP e da GNR são do Chega, o que é um erro.

“Querem mostrar que todos os polícias são do Chega. Cada polícia e cada guarda é livre de votar em quem quiser e não são todos votantes do Chega”, frisou.

Também a Polícia de Segurança Pública (PSP) reagiu ao sucedido, afirmando que "todos os polícias da PSP, enquanto agentes da autoridade pública, estão vinculados a um conjunto adicional de direitos e deveres".

Por isso, "a PSP irá participar às autoridades judiciais competentes os indícios referidos no artigo e peça jornalística em questão".

"A PSP, sempre que toma conhecimento e reúne indícios concretos de práticas, atitudes, afirmações, comportamentos xenófobos, racistas ou de incitamento ao ódio, comunica-os às entidades judiciais competentes", é referido no comunicado. Além disso, "quando os autores dessas práticas, atitudes, afirmações ou comportamentos são polícias, a PSP avalia-os em sede disciplinar e promove o respetivo procedimento".

Assim, a PSP dá conta de "6 condenações disciplinares e 9 processos disciplinares em instrução" relativos a indícios "da prática de comportamentos racistas, xenófobos ou de incitamento ao ódio, no desempenho de funções ou por comentários censuráveis nas redes sociais, desde 2019 até à presente data".

Nesse sentido, é recordado que "a Estratégia PSP 2020/2022, publicada em 26 de fevereiro de 2020, integra a visão da Instituição como 'Uma Polícia integral, humana, forte e coesa e ao serviço do Cidadão'", sendo um dos objetivos "cultivar uma cultura de excelência na prestação do serviço policial, baseada na transparência, no cumprimento rigoroso dos protocolos policiais aprovados e no respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos", bem como "combater todas as formas de extremismo, radicalismo e discriminação".

Nessa estratégia é também frisado que se deve "responsabilizar os polícias que, dolosamente ou de forma grave ou grosseira, violem as suas obrigações legais e as instruções hierárquicas emitidas, nomeadamente no referente ao uso da força pública e a afirmações produzidas em redes sociais".

Por outro lado, diz a PSP, também se deverá "defender e apoiar publicamente os polícias injustamente acusados que tenham inequivocamente atuado em cumprimento das suas obrigações legais, das instruções hierárquicas emitidas e dos regulamentos internos".

Segundo a PSP, foi ainda aprovada uma estratégia relativa à comunicação da força policial nas redes sociais", em que as regras estabelecidas "disciplinam o uso responsável e seguro da Internet e das redes sociais", garantindo "que se aplicam às interações digitais na Internet ou nas redes sociais as mesmas regras e código de conduta aplicáveis às restantes interações, fora do ambiente digital".

Por sua vez, o presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia afirmou hoje estranhar o contexto em que foi divulgada a reportagem sobre frases discriminatórias atribuídas às forças de seguranças, mas diz que vai aguardar pelo resultado dos inquéritos entretanto abertos.

“Achamos estranho o contexto em que esta peça foi divulgada sendo facto que já foi gravada há um tempo a esta parte e quando estamos a falar de um contexto em que temos uma manifestação marcada para dia 24 e acabámos ontem à noite [quarta] uma reunião com o senhor ministro relativamente à tabela salarial”, sublinhou.

Paulo Santos disse também à Lusa estranhar a existência de uma lista com nomes de elementos, de dirigentes da associação, que não proferiram quaisquer comentários xenófobos ou racistas.

“Achamos estranho, no entanto, pelo que vim a saber, a existência de uma lista com nomes de alguns elementos, de dirigentes da associação dos polícias cujo nome não faz sentido estar lista, porque apenas faziam parte de algumas plataformas e alguns espaços públicos das redes sociais. Não têm qualquer comentário xenófobo, racista”, referiu.

De acordo com o presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP), estes elementos fazem parte da lista por estarem naqueles espaços públicos e não por comentários.

O presidente da ASPP disse ainda à Lusa que já há algum tempo que tinham conhecimento de que alguns elementos teriam alguns comentários nas redes sociais.

“Nós próprios já tínhamos alertado para elementos com algumas linhas de opinião radicais e complicadas e nada foi feito até à data”, disse.

(Notícia atualizada às 13h56)