Faz parte da Associação Portuguesa das Mulheres Juristas e acredita que a advocacia pode ser uma forma de luta pela igualdade de género. Quando percebeu que a obstetrícia é uma das especialidades médicas que origina um avultado número de processos judiciais, decidiu dedicar a sua carreira à defesa dos direitos durante a gravidez, parto e pós-parto. “O trauma de parto já é comparado ao trauma de guerra. O stress pós-traumático existe. Há mulheres que acordam a meio da noite a chorar, que têm pesadelos, que vivem anos presas àquele momento. Mas em Portugal, em tribunal, é muito difícil de provar a violência obstétrica que deixa só marcas psicológicas, continuamos presos à violência física”, explica a advogada.

Ouça aqui a conversa com Mia Negrão

Mia Negrão lida diariamente com a relutância alheia em relação aos direitos que tenta defender. “Tenho um alvo na testa. E não estou a brincar quando digo isto. Muitos profissionais de saúde, e até mesmo colegas da advocacia, acham que o que faço é uma parvoíce, que é espalhar desinformação, e tentam desacreditar o meu trabalho”. Contudo, são muitas as grávidas e respetivas famílias que não pensam o mesmo, e não é ao acaso que tem cada vez mais pedidos para as suas sessões Nascer com Direitos, onde fornece um rol completo de informação sobre práticas obstétricas, protocolos hospitalares, evidências científicas, recomendações da Organização Mundial de Saúde e, é claro, direitos e deveres. “O consentimento informado é só a pedra basilar dos cuidados de saúde, protege todos, médicos e pacientes. Mas a malta da saúde parece que ainda não percebeu isto”.

Nestes 50 minutos de conversa, explica como, invariavelmente, as grávidas, incluindo as de baixo risco, se sujeitam a uma “cascata de procedimentos” sem que nunca lhes seja pedida autorização para o que está a ser feito nos seus corpos, os planos de parto continuam a gerar desdém, por mais que sejam um direito consagrado pela lei, como muitas mulheres dizem que sim sob coação e sem o devido acesso a informação sobre prós e contras, que as recomendações da OMS continuam a não ser tidas em conta em diversas práticas rotineiras (segundo o Euro Peristat, a taxa de episiotomia por cá ascende aos 70%, quando na Dinamarca, por exemplo, não chega aos 5%), e em como a violência verbal, a par da infantilização das parturientes, acontece numa base diária, tanto em hospitais públicos como privados.

A Ordem dos Médicos, contudo, continua a dizer que a expressão “violência obstétrica” não se adequada a Portugal. “Às mulheres que me chegam, pergunto sempre o que pretende. Há quem queira ir para tribunal, queira fazer queixa-crime. Mas a maioria diz-me isto: 'Só quero um pedido de desculpas'. No fundo, que reconheçam que aquilo não devia ter acontecido, que foi errado, que não voltam a repetir. Isto diz muito”.