"Se os portugueses estivessem a recorrer aos serviços da Associação Portuguesa de Mutualidades (RedeMut) as listas de espera seriam aliviadas" e "com preços altamente favoráveis". A denuncia é do vice-presidente da instituição, Pedro Bleck, que garante que para isso bastaria cumprir a lei. Há mais de um ano o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, prometeu olhar para o assunto, mas, até hoje, nada.

"É inadmissível que para fazer uma cirurgia às cataratas, por exemplo, uma pessoa tenha de esperar seis a nove meses ou ir até ao estrangeiro quando temos capacidade para fazer isso nas nossas clínicas numa questão de dias", disse o vice-presidente da RedeMut. O mesmo se passa ao nível de outras doenças, como as do foro da gastroenterologia.

Nas unidades de saúde da RedeMut foram realizadas mais de 154 mil consultas, 12 mil cirurgias, 340 mil exames complementares de diagnóstico e quase 30 mil actos de enfermagem em 2015. No ano passado, só em gastroenterologia, foram realizados 7 mil exames. Mas há espaço para mais. "Mais algumas centenas de pessoas podiam ter beneficiado de cuidados igualmente modernos e a preços mais baratos", garante Pedro Bleck.

Acontece que quer o Ministério da Saúde, quer o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que tutela as mutualidades, têm ignorado a lei, as propostas da Associação Portuguesa de Mutualidades e também as questões enviadas pelo SAPO24. "Inicialmente houve alguma resposta do lado da Saúde, o ministro garantiu que olharia para o problema. Claramente não deu sequência às necessidades que temos, porque muitos milhares de portugueses poderiam estar a recorrer aos nossos serviços, com preços francamente favoráveis e grande qualidade - temos tecnologia de ponta - e a aliviar as listas de espera do Serviço Nacional de Saúde, mas não estão", denuncia Pedro Bleck.

Agora Pedro Bleck quer saber por que motivo as mutualidades continuam a ser ignoradas pelo governo, apesar de a Lei de Bases da Saúde prever a complementaridade do sector mutualista. "A RedeMut é prestadora de serviços de saúde e também tem convenções com seguros como a Medis ou a Advanced Care", explica o vice-presidente da organização. No entanto, mesmo quando são lançados concursos públicos pelo SNS, a Associação de Mutualidades Portuguesas sente-se preterida em relação aos grandes grupos privados e até às misericórdias.

Actualmente existem cerca de 73 mutualidades - que agregam mais de 900 mil associados e abrangem mais de dois milhões de portugueses –, empregando perto de 4100 trabalhadores. O dinheiro vem-lhes quase exclusivamente das quotas pagas pelos associados. A RedeMut – Associação Portuguesa de Mutualidades foi criada em 2012, fruto de uma cisão com a União das Mutualidades Portuguesas, e representa 80% do sector, "95% se analisado numa perspectiva económico-financeira", avança Pedro Bleck. Exemplos de entidades que integram a Rede Mut são o Montepio Geral, Casa de Imprensa ou a Associação de Socorros Mútuos dos Empregados do Estado, entre outras.

Lóbis e um código do século passado

Logo que o actual governo tomou posse os responsáveis da RedeMut entraram em campo. Na primeira conversa, o ministro Vieira da Silva explicou que, em primeiro lugar, a sua preocupação era o Orçamento do Estado. Mas de lá para cá já se passou mais de um ano, dois orçamentos do Estado e um discurso de intenção de internacionalizar o sector da economia social, onde as mutualidades se inserem, para que, a prazo, representasse 10% do Produto Interno Bruto.

No entanto, nada mudou. O código que regula a actividade mutualista tem 27 anos. Foi dos primeiros a ser elaborados, mas hoje está obsoleto, é do século passado. "Estas associações são maiores, têm problemas de gestão complicados e somos regidos por uma lei, o Código das Ássociações Mutualistas, que é de Março de 1990. As associações mutualistas têm hoje probemas de governo, de gestão financeira de activos, de equipamentos e precisam de normas mais modernas", diz Pedro Bleck. A verdade é que há três anos foi publicada uma lei de bases da economia social que previa que no espaço de seis meses o governo revisse a legislação de cada uma das entidades que fazem parte da economia social. Todos, excepto o sector mutualista, tiveram os seus sistemas legais revistos.

Foi por isso que uma das iniciativas da RedeMut foi entregar uma proposta do movimento mutualista, um projecto base "que precisamos como de pão para a boca. Mas que não avança e ninguém nos diz porquê. Isto é dramático", considera o vice presidente da Associação. "É preciso fazer a revisão do sistema financeiro, que é importantíssimo e está a penalizar-nos", diz Pedro Bleck.

As mutualidades são instituições de solidariedade social privadas, de interesse público e sem fins lucrativos. Por este motivo, aliás, estão impedidas de se candidatar a fundos comunitários, ao contrário do que acontece com os grandes privados. "Como não temos capital social e os fundos são resultados das reservas, de poupanças que as instituições vão fazendo, não estamos qualificados, o que nos impede de aceder a fundos comunitários. Queremos renovar a nossa plataforma informática e para nos candidatarmos a um fundo através do IAPMEI teríamos de nos travestir de PME. Não há hipótese. É uma economia muito pouco social". Tudo o que fazem, desde a aquisição de equipamentos à criação de um call center para tornar o atendimento mais eficiente, tem de ser com fundos.

Os responsáveis da RedeMut questionam-se sobre o porquê da demora e concluem que «há claramente lóbis políticos». Há um ano pediu para estar no CNES, o que lhe daria direito a discutir as políticas para o sector social. "Neste momento há políticas que nos dizem respeito, mas pura e simplesmente não podemos discutí-las porque não temos um representante. Falo dos cuidados continuados, acções sociais, ajudas domiciliárias, escolas, creches, por exemplo. Temos 800 mil sócios, representamos financeiramente 95% do sector, mas ficamos fora da discussão", queixa-se Pedro Bleck. "Temos consciência que podemos maximizar a nossa actividade e negociar com o governo em benefício das pessoas".

"Somos o parente pobre", afirma o vice-presidente da RedeMut. E deixa mais um exemplo: "Enquanto a ADSE paga à CUF cerca de 140 euros por um quarto, a nós paga apenas 70 euros, porque pertencemos ao sector social. Mas as condições que oferecemos ao paciente são iguais às que oferece a CUF e temos os mesmos custos".

Mas há mais: "Há uma portaria que impede que a oferta existente seja disponibilizada em termos de receitas e exames, apesar de se tratarem de médicos e de meios de diagnóstico ao serviço da população. Mas a prática não é igual em todo o país, depende do entendimento de cada Administração Regional de Saúde". Ou seja, um médico que visite um lar de idosos todos os dias e que tem como função, em conjunto com a equipa de enfermagem, prescrever receitas ou meios complementares de diagnóstico, não está autorizado a fazê-lo, é preciso que o paciente se desloque ao centro de saúde.

"Não se pode aceitar esta política das entidades públicas, que é claramente a favor de terceiros. O nosso problema é a falta de diálogo com o governo e a ineficácia que isso representa para o público em geral. Estamos preocupados em fazer o nosso trabalho e para isso precisamos de dialogar com as entidades públicas, porque somos complementares aos sistemas públicos. Se o sistema público não quer ter diálogo connosco isto é complicado. É uma conversa de surdos", remata Pedro Bleck.

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