Ainda no início da conversa o diretor de políticas públicas da ONG 120plus1 explica que só responder à pergunta "como está?" se tornou um problema desde o ataque de 7 de outubro que espoletou uma resposta israelita que dura há um ano. Aceita falar com o SAPO24 depois de garantir que a conversa será publicada em português, mais à frente perceber-se-á que criticar abertamente as políticas israelitas tem consequências. E Roi Maor vai fazendo pausas ao longo da conversa para deixar bem claro que as posições que toma são pessoais e não representam de forma alguma as visões da organização onde trabalha.

Ativista pelos direitos humanos numa ONG na área do desenvolvimento, que emprega 16 pessoas, e no último ano conseguiu que o governo israelita investisse mais de mil milhões de dólares em questões económicas, emprego, educação, assistência social, etc., tem vivido num conflito que teima em escalar. Embora se diga relativamente seguro em Telavive, tenta ter um impacto positivo com o seu trabalho e com as suas ações pessoais. "No que diz respeito à saúde, em parte como resultado da guerra, estamos a tentar criar um grupo de pressão para aumentar o investimento governamental nos serviços de saúde mental e construir resiliência mental."

[A conversa aconteceu antes dos ataques no Líbano e dos bombardeamentos iranianos]

É impossível que esta não seja a minha primeira pergunta: como foi o último ano?

Primeiro, é preciso compreender que o que aconteceu no dia 7 de Outubro foi, realmente, um ataque sem precedentes na história israelita. Poderíamos pensar que as pessoas estariam preparadas para um acontecimento como este num país como o nosso, que está num longo conflito que tem sido muito sangrento e já tivemos incidentes traumáticos muito traumáticos... mas nunca houve algo a esta escala no nosso território, atingindo aldeias inteiras e vilas. Uma espécie de ocupação do território, ainda que apenas por alguns dias. É algo que realmente...

"[O 7 de outubro] foi um desastre a quase todos os níveis e algo sem precedentes"

E não foi a um alvo militar...

Sim, um alvo civil. Quer dizer, também atacaram alvos militares que estavam na fronteira. Isso fazia parte da sua tática, tinham de encerrar as bases militares na área para que pudessem atacar a população civil sem serem perturbados pelos militares. Mas, na verdade, havia apenas uma quantidade ridiculamente pequena de soldados na área. E os militares levaram muito, muito tempo a responder e a mobilizar as unidades de forma eficaz.

Portanto, foi um desastre a quase todos os níveis e algo sem precedentes. Mas também é importante lembrar que ocorreu numa altura em que o público israelita já se encontrava num sentimento de crise profunda e de polarização severa devido a um plano muito controverso que o governo estava a promover para mudanças no seu sistema judicial, o que provocou protestos sem precedentes e expressões de oposição ao governo a um nível extraordinário, bem como os apoiantes do governo que o defendiam ferozmente e condenavam enfaticamente a oposição.

"É muito claro que os reféns não são a principal prioridade e que a principal prioridade é destruir o Hamas e a retirada dos reféns poria em risco esse objetivo"

Portanto, vivia-se uma enorme polarização política. E depois aconteceu o ataque e a guerra começou  quase imediatamente. Em vez de ter um efeito de união e construir um consenso nacional, infelizmente, por mais incrível que possa parecer, a polarização traduziu-se na questão da a guerra e quais os seus objetivos e quais as prioridades.

Principalmente, em torno de duas grandes questões. Uma delas é a questão dos reféns, que costumava ser uma questão de consenso. Nunca tivemos reféns a este nível. Todos os incidentes anteriores com reféns envolveram apenas uma, duas ou três pessoas, no máximo, e quando a guerra começou havia mais de 200 reféns detidos em Gaza, pelo que costumava ser consensual na sociedade israelita que faríamos o que fosse necessário para libertar os reféns .

Está a dizer "costumava", já não é consensual?

Não. Porque agora é muito claro que os reféns não são a principal prioridade e que a principal prioridade
é destruir o Hamas e a retirada dos reféns poria em risco esse objetivo. Porque havia um consenso na sociedade que diz mesmo que se tenha que pagar um preço em termos de segurança a longo prazo, é imperativo primeiro libertar os reféns e depois encontrar problemas para o desafio de segurança.

Portanto, esta foi uma divisão sem precedentes sobre esta questão. Costumava ser completamente consensual. Mesmo Netanyahu, há pouco mais de 15, 12 anos fez um acordo com o Hamas que libertou mais de mil prisioneiros palestinianos - incluindo alguns grandes líderes terroristas tal como o actual líder militar do Hamas. Foi um acordo para um único soldado, um único militar que foi detido em Gaza. Portanto, tudo isto é extremamente abominável.

"A direita radical acredita genuinamente que a guerra deve ser priorizada acima de tudo o resto. E a sua visão da guerra é expulsar os palestinianos de Gaza e estabelecer uma população judaica em Gaza. É isso que estão a tentar alcançar."

E porque é que acha que isso mudou? Há uma corrente que diz que a manutenção da guerra é do interesse de Netanyahu, acredita nisso?

Sim, quero dizer, em primeiro lugar, devo dizer que esta é uma questão controversa em Israel. Claro que tenho a minha opinião, mas deve ficar claro que não é universalmente aceite. O que aconteceu foi que antes da guerra, diria que na sociedade israelita, havia uma divisão de cerca de 50-50 entre apoiantes e opositores do governo. E a guerra fez com que fosse mais parecido com um 60-40, tanto pelo enorme fracasso do 7 de outubro, mas também muitos ficaram desiludidos com o tratamento dado pelo governo à questão dos reféns.

Mas, contudo, isto ainda significa que 40% da população ainda apoia o governo, e muitos deles são apoiantes radicais realmente fervorosos. Há muitas teorias da conspiração a circular de que pessoas nas forças armadas israelitas colaboraram com o Hamas no ataque para minar Netanyahu. E estas são mensagens que são ecoadas por vozes proeminentes.  Então, esta polarização tornou-se extremamente violenta.

Violenta?

Sim, em alguns poucos casos até fisicamente, mas definitivamente verbalmente violentos em Israel.

Mas se estava a perguntar qual é a minha visão das coisas, penso que existem duas forças. Em primeiro lugar, existe a direita radical, que acredita genuinamente que a guerra deve ser priorizada acima de tudo o resto. E a sua visão da guerra é, em última análise, e dizem-no publicamente, não se trata de um plano secreto, expulsar os palestinianos de Gaza e estabelecer uma população judaica em Gaza. É isso que estão a tentar alcançar.

Existem outros elementos na coligação governamental que ainda são de direita, mas não tão de direita, que se identificam com a comunidade ultra-ortodoxa. Portanto, estão mais dispostos a apoiar compromissos. Mas a comunidade ultra-ortodoxa em Israel hoje, simultaneamente com tudo o resto que está a acontecer, está a enfrentar uma grande crise porque há um status quo empresarial que foi estabelecido há décadas sobre o lugar dos ultra-ortodoxos - ou pelo menos parte da sociedade ultra-ortodoxa, em Israel.  Recebem benefícios governamentais e isenção do serviço militar para que possam estudar as escrituras judaicas. E isso representa uma quantidade enorme de pessoas. São mais de cem mil homens que estão nesta sociedade de aprendizagem e esta é uma enorme prioridade para os ultra-ortodoxos. Nem que seja para manter a autonomia do seu sistema educativo e percebem que apenas a direita apoiará estes acordos. Inclusive, há um apelo da esquerda para expandir as forças armadas e estes cem mil homens que estão a estudar exclusivamente e podiam ser soldados nesta guerra.

"Esta não é apenas uma questão de sobrevivência política para Netanyahu. É a sua própria liberdade pessoal que está em causa."

Netanyahu está, diria eu, algures no meio disto. Penso que há uma parte dele que dá genuinamente ênfase à direita radical, mas também há certamente um interesse próprio envolvido aqui, porque Netanyahu está neste momento no meio de um processo judicial, que neste momento parece muito provável que leve à sua convicção.

Há uma possibilidade real de ser preso?

Sim. O processo judicial está a avançar muito, muito lentamente. A acusação tem provas extensas contra ele, incluindo gravações áudio, múltiplas testemunhas e parece extremamente improvável.

Este é aquele caso de corrupção de há sete anos, certo?

Sim, a investigação começou, creio, há cerca de seis anos. O julgamento real começou há cerca de três anos, está certamente a arrastar-se por muito tempo e provavelmente será ainda mais adiado porque a próxima fase do julgamento deveria ser o depoimento dele. Não sei como funciona nos tribunais em Portugal, mas nos nossos tribunais permitem um enorme tempo para as testemunhas deporem.

"Netanyahu pode ir para a cadeia. E para ele, esta é uma das maiores considerações a ter."

Por conseguinte, não é invulgar que uma testemunha importante, como é este arguido, deponha durante um período de seis ou sete semanas, três dias por semana. Assim, obviamente, enquanto ele estiver encarregue de conduzir a guerra, será extremamente difícil fazê-lo. Isso pode atrasar ainda mais o julgamento.

De todo o modo está extremamente preocupado com o julgamento, e compreende que enquanto estiver no poder isso dá-lhe, por um lado, a possibilidade de eventualmente fazer alterações na acusação, na acusação geral em Israel, e talvez conseguir que alguém retire a acusação contra ele. E também lhe dá influência junto da acusação em geral, onde poderá receber um tratamento mais brando se aceitar renunciar ao cargo.

Portanto, esta não é apenas uma questão de sobrevivência política para Netanyahu. É a sua própria liberdade pessoal que está em causa.

"Sempre que se está perto de um acordo com o Hamas, Netanyahu acrescenta novos requisitos, nos quais não tinha insistido antes, impossibilitando o acordo."

Mas estamos a falar de prisão efetiva?

Tivemos um primeiro-ministro, o imediatamente anterior a Netanyahu, que cumpriu vários anos de prisão. Tivemos também um presidente que cumpriu vários anos de prisão. Portanto, não é inédito. Ele pode ir para a cadeia. E para ele, esta é uma das maiores considerações a ter. Por causa dos seus problemas legais - e porque ele alienou tantas pessoas na esfera política ao longo dos anos - as únicas pessoas que o apoiarão serão a direita radical e os ultra-ortodoxos. Por isso, ele tem de os acomodar ou, como resultado, arriscará o seu governo e a sua liberdade.

Portanto, não creio que esteja a agir por motivos egoístas, mas isso deixou-o definitivamente mais inclinado a ouvir o tipo de conselhos ou pressões que o mantenham no poder.

E a guerra será sustentada até quando?

Há outra questão importante a ter em conta, é que se Netanyahu chegar a um acordo com o Hamas e acabar com a guerra, há a possibilidade de a direita radical se retirar da coligação. Isto poderá desencadear novas eleições. E de acordo com as sondagens nestas eleições, Netanyahu perderia. Por isso, tem um grande incentivo para adiar as eleições até ao último momento possível, que poderá ser daqui a quase dois anos, na esperança de que, com o tempo, a sua posição pública recupere e tenha maiores hipóteses de ganhar as eleições. Já recuperou alguma tração e foi logo a seguir ao dia 7 de Outubro, altura em que houve uma grande onda de apoio. Não recuperou totalmente, mas recuperou definitivamente parte do terreno que perdeu.

"O Hamas dispõe neste momento de ferramentas muito limitadas para infligir qualquer dano significativo a Israel ou para o ameaçar de qualquer forma significativa."

Por falar em acordo, acha que existe a possibilidade de um acordo com o Hamas, com o Hezbollah, ou com o Irão?

[A conversa aconteceu antes dos ataques no Líbano e dos bombardeamentos iranianos]

Bem, penso que no caso do Hamas já existe um acordo. Foi elaborado pelos Estados Unidos, pelo Qatar, pelo Egito e por vários mediadores. E é um acordo com o qual Netanyahu já tinha concordado em algum momento, mas acabou por decidir recuar. Portanto, penso que esta proposta ainda está em cima da mesa e ainda é exequível.

Mas parece que não é uma questão, ou pelo menos há muita obscuridade em torno desse acordo. Muitas das negociações decorrem à porta fechada e não é fácil saber exatamente o que está a acontecer. Mas tem havido muitas reportagens que dizem que Netanyahu não está apenas a assumir posições duras nas negociações.

Sempre que estão perto de um acordo, acrescenta novos requisitos, nos quais não tinha insistido antes, impossibilitando o acordo. Portanto, se essa é a estratégia dele, então um acordo por definição...

Mas essa não é a estratégia dos dois lados?

Não. Na verdade a maioria dos especialistas concorda que o Hamas está mesmo interessado num acordo.

De facto, nem sempre foi verdade. E, na verdade, ao longo do ano que passou, houve alturas em que o Hamas esteve menos interessado no acordo. Mas agora, parece que estão interessados.

Os danos e o sofrimento que a guerra causou do outro lado e o número de prisioneiros... Se o Hamas trocar os prisioneiros de Gaza em troca dos reféns, pode enquadrar isto como uma vitória para eles na guerra. Considerando que a continuação da guerra provoca um desgaste contínuo do poder militar do Hamas e, eventualmente, embora ainda não tenha acontecido, mas eventualmente a população poderá voltar-se contra o Hamas e poderá perder apoio político significativo se as pessoas sentirem que não há hipótese de sair da situação atual. Além de que, o Hamas dispõe neste momento de ferramentas muito limitadas para infligir qualquer dano significativo a Israel ou para o ameaçar de qualquer forma significativa.

"Identifico-me muito com os críticos internacionais. Não é agradável estar nesta situação, obviamente. Preferia viver num país que não estivesse a ser criticado e até difamado de forma tão extrema."

Mesmo com a ajuda do Hezbollah e do Irão?

É por isso que o conflito se deslocou para norte, porque o Hezbollah ainda tem a capacidade de infligir danos a Israel, mas a posição do Hamas... creio, não é a sua principal prioridade. Não é que não se importem, importam-se, e iniciaram uma campanha contra o norte de Israel em resposta à guerra em Gaza. Mas, ainda assim, durante todo este processo, têm-se contido e não têm utilizado todas as ferramentas ao seu dispor para atacar Israel. Portanto, mesmo neste momento, em que Israel intensificou significativamente os ataques no Líbano e ao Hezbollah, eles ainda não estão a utilizar todas as suas capacidades militares para responder. É difícil dizer se é por problemas operacionais, porque Israel conseguiu causar danos graves nas infra-estruturas do Hezbollah ou se é porque ainda acreditam que podem chegar a um acordo que acabará com os combates sem sofrer mais danos.

Permita-me que lhe faça uma pergunta mais pessoal. Se discutir a guerra em si se tornou uma guerra, então como é ser israelita neste momento do mundo? Principalmente para uma pessoa, como o Roi,  que tem relações de amizade com tanta gente de outros países.  

É aqui que devo avisar que sou muito, muito diferente de quase todos os judeus israelitas em Israel porque eu,  pessoalmente, - e esta é uma posição muito marginal na sociedade judaica em Israel -  sou muito, muito crítico em relação à guerra em Gaza. E não só, quer dizer, há muitas pessoas que são críticas por causa da questão dos reféns, mas eu também sou crítico por causa das preocupações humanitárias.

Somos muito poucos, é uma voz que é muito marginal no discurso judaico em Israel, pelo menos. E, portanto, realmente identifico-me muito com os críticos internacionais.

Não é agradável estar nesta situação, obviamente. Preferia viver num país que não estivesse a ser criticado e até difamado de forma tão extrema.

Claro que há muitas críticas que são motivadas pelo anti-semitismo e não têm nada a ver com as decisões que tomamos na nossa conduta, mas na verdade, se prestarmos atenção todos os dias e a todos os níveis a enorme motivação para a guerra está escrita.   Não digo que não haja uma motivação de segurança, mas da natureza extrema da guerra não é isso...

"Não se pode dizer em Israel é que as pessoas estão a criticar Israel por causa das suas políticas. Ninguém está autorizado a falar desta forma."

Como é que se passa de sofrer um ataque terrorista para perder a empatia do mundo?

Houve uma fase em que Israel moderou os ataques a alvos civis, não por questões humanitárias, mas porque consumiam tanta munição que não restava nada para combater os verdadeiros militantes. Depois tiveram de redistribuí-lo para focar em alvos militares.

E foi isso, penso eu, que fez com que a simpatia internacional se deslocasse contra Israel. Obviamente, algumas pessoas são anti-semitas e usam isso apenas como desculpa para criticar Israel, mas não creio que o sejam a maioria das pessoas que estão zangadas com Israel neste momento. Penso que estão motivadas pelo nosso comportamento e pelas decisões que tomámos, infelizmente, a sociedade de Israel é muito... não se podem dizer estas coisas em Israel, as pessoas simplesmente não as conseguem ouvir.

Não podem ser ditas literalmente?

Primeiro não se pode dizer que a guerra em Gaza foi uma violação das normas humanitárias e que é moralmente injusto que tantos civis tenham sido mortos. Não se pode dizer isso em Israel, especialmente se se é membro dos cidadãos palestinianos de Israel, mas às vezes até cidadãos judeus de Israel podem ser presos por dizerem coisas destas.

Mas está a dizê-lo ou é incrivelmente corajoso, ou...

Eu estou a dizer-lhe a si. Na maioria das situações, em Israel, não me atreveria a dizer coisas deste género.

Acha que mo pode dizer por esta entrevista ir ser publicada em português? 

Sim, foi por isso que perguntei se seria em português, porque diminui o risco. Não creio que uma pessoa na minha situação fosse para a prisão por estes comentários específicos. Mas se eu fosse mais... Se eu dissesse algo mais ousado e mais crítico, então sim, com certeza.

"A grande divisão na direita, não é tanto em termos de atitude em relação aos palestinianos, ou em relação aos assuntos de segurança. Há muitas críticas a Netanyahu por parte da direita."

Mas não tem receio, por exemplo, que retirem os fundos da sua associação?

Essa é, definitivamente, uma possibilidade, sim.

O discurso ficou muito envenenado.

Outra coisa que não se pode dizer em Israel é que as pessoas estão a criticar Israel por causa das suas políticas. Nem mesmo no sentido factual, mesmo que se diga que as políticas israelitas são justificadas, mas outras pessoas no mundo acham que não e por isso criticam-nos. Mesmo que seja algo deste género ninguém está autorizado a falar desta forma.

E acha que perante este cenário há possibilidade de eleições normais?

Bem, é muito difícil dizer porque depende de quando se realizarão as eleições. Existe a possibilidade de Netanyahu ter razão e, com o passar do tempo, cada vez mais dos seus antigos apoiantes regressarão ao grupo e ele poderá realmente ganhar as próximas eleições.

Mas se a oposição ganhar, o grande problema, o grande desafio, e vimos isso no governo anterior e na forma como entrou em colapso, é que não há realmente nada que mantenha unida a oposição a Netanyahu.

Os partidos de esquerda são um grupo relativamente pequeno na sociedade israelita, talvez 15 a 20% dos cidadãos do Knesset (parlamento), dependendo das sondagens. Mas a maioria destes membros do Knesset são cidadãos palestinianos de Israel. E embora alguns deles estejam perfeitamente satisfeitos em apoiar até mesmo um governo sionista, mesmo um governo de direita, os partidos judaicos opõem-se, na sua maioria, a sentarem-se juntos. Mesmo que seja com um partido palestiniano muito moderado.

Portanto, será muito difícil até para a coligação se formar. Mas mesmo que o façam, mesmo que contemos apenas o partido judeu e excluamos os partidos palestinianos ou árabes, ainda temos um grupo incrivelmente heterogéneo de partidos, incluindo pessoas que são elas próprias bastante radicais de direita, mas que pensam que Netanyahu é inadequado para liderança . São liderados por pessoas que tiveram más experiências com ele ou criticam-no por causa do 7 de outubro. E depois temos muitos centristas, que não têm posições claras sobre as principais controvérsias em Israel.

Estão a tentar ter as duas coisas.

"Isto não tem precedentes na história de Israel. Nem mesmo durante a guerra de 1948, que durou dois anos, matou quase 1% da população e ocorreu mesmo no coração de Israel."

E, depois, temos um pequeno grupo de esquerdistas judeus que têm uma voz mais clara para criticar a política actual, mas são apenas uma pequena minoria da oposição.

O governo anterior provou que tentar manter unido este grupo tão separado será extremamente difícil. Se conseguir de alguma forma ganhar novamente as eleições, terá um período de incerteza muito significativo, mas o facto de haver tantas pessoas dispostas a defender defender ferozmente o atual governo, mesmo depois de um desastre como o de 7 de Outubro, é apenas um testemunho de quão polarizado a população israelita se tornou.

Estava a dizer que antes de 7 de outubro era 50-50, como acha que está agora?

Para a oposição ou 55-45, dependendo de como se contam as coisas.

Netanyahu ainda tem algum apoio de pessoas que talvez até tenham perdido a fé nele, mas ainda estão relutantes em apoiar outros partidos que não consideram suficientemente de direita. Mas se existir, e provavelmente existirá, um partido firmemente de direita que criticasse Netanyahu, então poderiam votar nesse partido. Mas a forma como este partido se reunirá com os partidos centristas e de esquerda, para não falar dos partidos árabes, será muito difícil.

E a direita radical? Acha que esse partido de direita trará a direita radical para o governo?

A direita radical, penso eu, já tomou a sua posição em relação a Netanyahu. Uma das questões que dividiu as direitas é que a direita em Israel, incluindo até Netanyahu, costumava apoiar ou ser neutra em relação ao sistema judicial.

Não era realmente uma questão importante para a direita mudar a natureza do sistema judicial. E mesmo quando a questão da reforma judicial começou a ser debatida mais intensamente em Israel ao longo das últimas duas décadas, digamos, o tipo de reformas que foram defendidas na ala direita foram reformas bastante moderadas. Ainda eram controversos, mas não eram dramáticos. Mas a actual coligação comprometeu-se realmente com mudanças realmente drásticas que minam profundamente o sistema judicial.

E não se trata apenas de planos para legislação futura. São coisas que estão a fazer agora. Porque em Israel existe um sistema para determinar a legalidade da ação governamental.

"Há uma sensação em Israel de que esta é uma situação sem precedentes e intolerável. Vai simplesmente contra o ethos mais básico da sociedade israelita que uma situação como esta se mantenha durante tanto tempo."

Pode explicar melhor?

O governo tem total poder de decisão para tomar decisões legais, mas o governo não está autorizado a tomar decisões ilegais, pelo que costumava ser norma em Israel que, quando um determinado caminho era considerado ilegal, o governo abordava-o e tentava encontrar algum tipo de alternativa. Mas este governo está a tentar impor decisões que já foram consideradas ilegais e que estão a levar o sistema ao limite. Há muitas pessoas à direita que até podem criticar o sistema judicial, mas continuam a achar que o governo não deve ser capaz de tomar decisões ilegais.

Portanto, esta é a grande divisão na direita, não tanto em termos de atitude em relação aos palestinianos, ou em relação aos assuntos de segurança. Há muitas críticas a Netanyahu por parte da direita.

De que forma é que a direita crítica Netanyahu?

A alegação é que apoiou durante muitos anos uma política de acomodação em relação ao Hamas. Que lhes permitiu receber enormes quantias de financiamento provenientes dos recursos do Qatar. E que mesmo na guerra actual, foi influenciado pela resposta militar no Líbano.

Porque é importante compreender que, quando a guerra começou, havia uma quantidade significativa de pessoas que foram evacuadas da região sul, na fronteira com Gaza, e da região norte, na fronteira com o Líbano. E isto não tem precedentes na história de Israel. Nem mesmo durante a guerra de 1948, que durou dois anos, matou quase 1% da população e ocorreu mesmo no coração de Israel.

Nunca houve uma decisão de evacuar uma região inteira.

E durante esta guerra, não só a evacuaram, como há quase uma permanência na situação porque no sul estão a começar a regressar, mas no norte toda a gente ainda está evacuada e já faz um ano e não há perspectiva, não há horizonte.

"Penso que a administração dos EUA tem muito mais capacidade para restringir a ação militar israelita, mas tem considerações políticas. E claro que no meio de uma campanha eleitoral estão mais limitados."

Sim, as além dos reféns essas pessoas não têm mesmo opção de voltar. 

As pessoas não têm a opção de realmente regressar, para não mencionar que muitos edifícios foram destruídos, muitas infraestruturas foram danificadas. Os militares israelitas estão a conduzir manobras intensivas ao longo das portas, interrompendo o tráfego, por isso não se pode viver lá. Não se pode levar uma vida normal lá. As pessoas que estão a regressar fazem-no por motivos simbólicos ou sentimentais, mas não se pode trabalhar lá, não se pode gerir um negócio, não se pode enviar os filhos para a escola, ou para o jardim de infância. E já passou mais de um ano e não há qualquer perspetiva de que isto vá mudar.

Há uma sensação em Israel de que esta é uma situação sem precedentes e intolerável. Vai simplesmente contra o ethos mais básico da sociedade israelita que uma situação como esta se mantenha durante tanto tempo.

Portanto, a escalada no Líbano é, em parte, uma resposta a isso. Mas também tem alguns elementos que são difíceis de explicar porque já há um ano que há pressão para agir contra o Líbano. E a situação em Gaza tem vindo a diminuir de intensidade há já vários meses. Não é claro o que desencadeou especificamente neste momento este tipo de ataque no Líbano. E é possível, por mais ridículo que possa parecer, que o momento seja completamente acidental. Porque houve relatos, que Israel já tinha esse plano dos pagers e os telemóveis a ser preparado há anos. E houve um relatório, não sei se é verdade ou não, de que o plano estava prestes a ser exposto pelo Hezbollah. Portanto, era uma situação de agora ou nunca, e decidiram avançar agora, e isso levou a uma série de escaladas. Portanto, foi quase uma decisão tática que agora se transformou em consequências estratégicas.

Mas é muito difícil compreender porque é que estão a fazer uma campanha tão intensa no Líbano. Talvez acreditem que, se forem muito ativos, consigam evitar a retaliação do Hezbollah. Mas é muito difícil perceber exatamente o que está a acontecer nos bastidores neste momento.

"É um testemunho muito pobre da solidariedade na sociedade israelita"

Acha que os EUA e a União Europeia estão a fazer tudo o que podem? Como é que o Roi e o povo israelita avaliam a sua perceção?

Eu e o povo israelita somos duas coisas diferentes.

Por isso é que os separei. Qual acha que é a perceção das pessoas e qual a sua perceção?

Penso que embora a administração Biden nos EUA tenha, em geral, apoiado muito Israel e exercido apenas uma pressão mínima sobre nós. Ainda assim é está latente algum tipo de crítica a Biden e ao seu apreço pelo seu apoio a Israel, há uma sensação de que precisamos de trabalhar melhor com os nossos aliados nos Estados Unidos para manter o seu apoio. Há a preocupação de que, se continuarmos a agir de forma beligerante com a administração dos EUA esse apoio pode não durar.

A UE não terá sido tão relevante no discurso de Israel. A maior parte da cobertura em Israel está menos interessada no que os governos da Europa estão a fazer e mais focada nas manifestações em massa, sobre as preocupações com a segurança das comunidades judaicas e questões como esta na Europa.

Na minha perspetiva, penso que a administração dos EUA tem muito mais capacidade para restringir a ação militar israelita, mas tem considerações políticas. E claro que no meio de uma campanha eleitoral estão mais limitados.

Quanto à Europa, apesar de todas estas críticas... existe uma relação de dupla personalidade com a Europa.

"Uma parte significativa de Israel que foi drasticamente afetada está na academia. Porque isto causou um nível sem precedentes de boicotes e de corte de laços entre académicos na Europa, América do Norte e académicos israelitas."

É um alarme que estou a ouvir?

Não. Mas ainda esta manhã tivemos um alarme que nos acordou, mas até agora tudo calmo.

E esta tem sido uma das maiores queixas em Israel, as pessoas em Telavive, e na região central, têm vivido vidas bastante normais durante o último ano. Obviamente, as pessoas cujos filhos estão no serviço militar estão muito preocupadas e impactadas pela situação. Mas, para a grande maioria das pessoas, é uma vida completamente normal. Mas para as pessoas do norte e do sul de Israel, para não falar, claro, dos palestinianos, a situação tem sido muito extrema.

O custo da guerra é mínimo em Israel? É mais um custo política do que outra coisa, certo?

Sim, mas também é um testemunho muito pobre da solidariedade na sociedade israelita. O facto de as pessoas não se estarem a levantar contra o facto de tantas pessoas no Sul, mas especialmente no Norte, ainda estarem deslocadas um ano após o início da guerra. É incrível para mim que as pessoas já não estejam perturbadas com esta situação.

"Estou aqui para lutar para que este país seja melhor, faço parte dele e não vou a lado nenhum"

No outro dia um professor da Universidade de Telavive...

Uma parte significativa de Israel que foi drasticamente afetada está na academia. Porque isto causou um nível sem precedentes de boicotes e de corte de laços entre académicos na Europa, América do Norte e académicos israelitas. E está a prejudicar a academia israelita. E se continuar, poderá causar graves danos nas infra-estruturas de investigação em Israel. Portanto, isso é algo que está a preocupar muita gente. Não é tão proeminente como outras coisas, mas nos bastidores é um grande desenvolvimento.

E atendendo ao papel de Israel na inovação pode mesmo ser significativo.

Neste momento os números são relativamente pequenos, mas existe o receio em Israel de que possa haver uma onda de imigração para fora, principalmente de profissionais altamente qualificados. Os investigadores académicos, empreendedores podem sentir que não conseguem avançar em Israel, e se sentirem que não há hipótese de mudança em Israel, talvez haja a possibilidade de muitos deles escolherem outros sítios para viver e isso teria consequências drásticas.

Pensa em sair?

Eu vou ficar. Quer dizer, não posso dizer aconteça o que acontecer, porque consigo pensar em cenários extremos. Claro. Mas, quanto a mim, estou aqui para lutar para que este país seja melhor, faço parte dele e não vou a lado nenhum.

É um otimista.

Não sei se sou otimista, mas estou empenhado nisso. Durante a polémica antes da guerra, houve um pequeno grupo de israelitas que imigraram juntos para Itália. E perguntaram-lhes se estavam preocupado com a democracia em Israel, porque estavam a imigrar especificamente para Itália, onde um partido neofascista tinha subido recentemente ao poder? E eles disseram: "Bem, não é o nosso país, por isso estamos bem com isso."

Mas se isto é verdade, se mesmo lá fora ainda estão ligados a Israel lá fora, não por se estar  fisicamente noutro lugar que a preocupação acaba.

Por isso, se não estamos a ser atacados há sempre alguma coisa que se pode fazer. Sempre.

[A conversa aconteceu antes dos ataques no Líbano e dos bombardeamentos iranianos]