K., nome fictício, começou a trabalhar na Valentim de Carvalho, na área da televisão. Nos primeiros anos nos estúdios, em Paço de Arcos, tudo correu bem. Mas em 2022 a regularidade dos pagamentos "começou a descambar": nunca recebeu na data acordada, conta ao SAPO24. O atraso variava de mês para mês, entre dois a três dias, mas depois os atrasos aumentaram, até chegar a semanas de diferença. Agora, continua a aguardar o pagamento de dezembro.

Também Y., nome fictício, se viu na mesma situação. Contudo, com algumas diferenças: depois de vários anos na empresa, na área musical, não recebeu o ordenado durante alguns meses, uma altura chegou a quatro. "Por vezes as coisas corriam bem e pagavam certinho, mas a maioria dos vencimentos eram incertos", confessou, preferindo o anonimato. A fonte, cansada da situação, acabaria por deixar a empresa no ano passado.

As justificações tardavam em chegar — e os dois apontam colegas que estão ou estiveram na mesma situação. Mas as dificuldades na Valentim de Carvalho não são de agora.

Em 2015, a Sábado dava conta de que a Valentim de Carvalho tinha dívidas de 16 milhões de euros, tendo iniciado um processo especial de revitalização (PER). Quatro anos depois, em 2019, o Expresso noticiava que esse apoio voltava a ser necessário, estando a ser negociada a recuperação com os credores. Assim, a empresa — com atividade das áreas de produção televisiva e musical — voltava a admitir que estava numa situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, mas a recuperação era possível, já que existia viabilidade económica. Nessa altura, Manuel Duque considerou, em declarações ao semanário, que o PER "é um instrumento de gestão para se conseguir conciliar um conjunto de credores o que, de outra forma, demoraria muito tempo".

Levanta-se a questão: a atual falta de pagamento a alguns trabalhadores está ainda relacionada com este plano de revitalização? Questionado sobre os casos recentes de que o SAPO24 tomou conhecimento, Manuel Duque, administrador da Valentim de Carvalho, frisa em resposta escrita que "o PER nada tem a ver com as empresas e atividades agora em causa".

Todavia, admite que "no verão passado" a produtora teve "um período de inatividade no setor audiovisual que provocou sérios problemas de tesouraria".

No entanto, segundo K. e Y., alguns colegas já terão começado a receber os valores em falta e o administrador admite algum otimismo quanto ao futuro. "Felizmente no último trimestre de 2022 sentimos o mercado a recuperar e no presente trimestre estamos a laborar dentro da nossa capacidade máxima", referiu Manuel Duque. Ainda segundo o administrador, "esta recuperação está a permitir resolver os problemas abertos no verão passado, cujos efeitos estarão plenamente ultrapassados nas próximas semanas".

Questionado sobre o número de trabalhadores com salários em atraso e ainda sobre garantias para o futuro, aponta apenas que se a empresa mantiver "o volume de atividade atual tudo ficará normalizado em breve". "Como qualquer empresa ou ramos de atividade devidamente dimensionada, a melhor garantia é a existência de trabalho/atividade", rematou.