As pessoas estão sem mercado há quase quatro anos. A remodelação do Mercado Municipal de Santarém era empreitada para um ano, mas já estão no espaço que foi cedido provisoriamente pela autarquia, junto à Casa do Campino, há demasiado tempo para ainda restar esperança. Não sabem quando vai abrir, não sabem quanto vão pagar.
Entre os vendedores, há um sentimento generalizado de desânimo. Ora porque as pessoas preferem os hipermercados onde há um pouco de tudo, ora pela falta de estacionamento e duvidam que algo vá mudar.
"Eu duvido um bocadinho... Pergunto-me mesmo como, porque o estacionamento lá não melhorou nada, e as pessoas queixavam-se era do estacionamento. Nós ali à volta não temos nada, sem ser o subterrâneo, e as pessoas têm de andar muito", diz Maria José Portugal, de 77 anos, 37 dos quais no mercado, ao SAPO24.
Uma vendedora de 46 anos concorda. "O nosso grande problema era esse, não era a remodelação. Não era isso que fazia com que as pessoas não fossem lá, era o estacionamento. As pessoas depois terem de andar com os sacos... O problema foi sempre o mesmo, e continua a ser".
António Silvestre, de 60 anos, diz que, mesmo com estacionamento, tem muitas dúvidas. "Ainda agora fui lá acima a Resende, ao Norte, e está lá um mercado que eles também fizeram obras. Tudo impecável. Tudo novo. E só lá está uma banca. E já lá estiveram mais pessoas, mas aquilo não ia lá ninguém. Tinha estacionamento por cima da praça - fizeram um parque por cima do mercado - e à frente, e não ia lá ninguém", contou ao SAPO24.
Para o vendedor, os hipermercados vieram "rebentar com o comércio tradicional". E já são tantos, que "hão de se comer uns aos outros. Isto quando eles são muitos, tiram a freguesia uns aos outros".
A única forma que têm de tentar competir com os hipermercados, é produzindo e vendendo os seus próprios produtos a preços mais baratos. António Silvestre mostra um grande molho de coentros, que plantou e agora consegue vender a 50 cêntimos.
"Eu como também tenho muita coisinha minha, isso ajuda-me", conta Maria José. "Planta o meu marido, que está reformado em casa. Tenho uma horta. Já os meus avós, os meus tios, tudo tinha hortas".
Para quem tem de comprar para vender, é mais difícil. "Se eu tiver, consigo vender um bocadinho mais barato. Se não, tenho de comprar. Os outros também têm de comprar. E aí já encarece", explica António Silvestre.
Um mercado sem pessoas, é a grande preocupação dos vendedores. Acreditam que a remodelação chame algumas ao princípio, por curiosidade, mas mais do que isso duvidam.
"Olhando lá para cima, onde eu vi o outro tão abandonado, sem ninguém... Estou a ver este aqui a acontecer-lhe o mesmo, se calhar. No princípio pode ser que vá lá muita gente, para as lojas e não sei o quê. Mas depois... vamos ver. Mas eu acho que eles estão a dar um tiro no pé", confessa o vendedor, referindo-se ao investimento que a Câmara está a fazer com a remodelação. "As pessoas querem é ir aos hipermercados. Estacionam, têm tudo".
"Pode haver curiosidade ao princípio... para as pessoas irem lá ver como é que ficou, mas depois a coisa é a mesma", acredita Maria José. "Expectativas não tenho muitas, porque é como digo... pode estar muito bonito, muito bem arranjado, mas falta-lhe o melhor: as pessoas".
Paulo Henriques Durão foi o arquiteto responsável pelo projeto de requalificação do Mercado, e garante que criar vida no seu interior foi um dos primeiros objetivos. "O primeiro enfoque foi exatamente tentar colocar pessoas a viver, a habitar, a ter os espetáculos musicais, ou a exposição de fotografia, os legumes, o peixe, a carne, os produtos regionais. Isto dentro do próprio espaço do edifício". Um dos desafios do projeto foi precisamente construir algo atrativo para as pessoas, explica ao SAPO24.
Nuno Russo, vereador com o pelouro dos Mercados e Feiras da Câmara de Santarém, adiantou ao SAPO24 que o Mercado deixará "de ser unicamente um espaço de exposição e venda de produtos alimentares, com uma função estrita de abastecimento", para ser um "espaço moderno e funcional, com espaços diferenciados, e com oferta lúdico e recreativa, destinado a ser vivido diariamente pela população, e por todos os que visitam Santarém".
Quanto aos valores das rendas, os vendedores temem que subam. "Quando eles se sentarem e disserem [o valor das rendas] tenho de decidir o que fazer. Porque trabalhar para aquecer...", diz António Silvestre, para quem o trabalho no mercado é só mais uma ajuda. "Eu daqui não consigo tirar nenhum ordenado".
O vereador da Câmara disse ao SAPO24 que o valor das rendas ainda está a ser estudado pelo Município, mas garantiu o "regresso dos antigos comerciantes ao novo Mercado Municipal". "Todos eles merecem o nosso respeito, consideração e apoio, pois são o coração e a alma do Mercado".
Não foi adiantada nenhuma data de previsão de abertura, apenas esclarecido que "será efetuada após o término das obras em curso, e depois da conclusão do concurso público internacional, para a concessão da exploração e gestão do Mercado Municipal".
O prazo previsto inicialmente era Agosto de 2020 e desde então "tem-se arrastado", admite o arquiteto. Quando a empresa de construção responsável pela requalificação entrou em processo de insolvência, foi preciso repetir todo o processo. "Eu também gostava muito de ter demorado um terço do tempo, era menos dispêndio de energia", diz o arquiteto. No entanto, "são contingências, não podemos fazer nada".
Entretanto, os vendedores continuam no espaço onde se sentem esquecidos e "desprezados". Os poucos clientes que têm vão de propósito, porque já não estão num local de passagem, e embora tenham estacionamento, "as pessoas já estão entranhadas nos hipermercados, é difícil recuar", conta Maria José Portugal. "Já estou velha. É triste, mas é verdade. Era bom que não estivesse. Quem me dera a mim ter a idade de quando vim para aqui. Agora já se sabe... tudo tem um fim".
*Pesquisa e texto pela jornalista estagiária Raquel Almeida. Edição pela jornalista Ana Maria Pimentel.
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