O SAJ António Paulo, o terceiro arguido a prestar declarações no julgamento do processo conhecido como Operação Zeus, com 68 arguidos, 30 dos quais militares e 38 civis, entre empresas e pessoas individuais, disse ao coletivo de juízes que passou a trabalhar na messe da Base Aérea n. º5 (BA5), em Monte Real, distrito de Leiria, em junho de 2013.
O arguido explicou que o dinheiro sobrefaturado era entregue pelos fornecedores em envelopes, guardado num cofre na base e, posteriormente, dividido, em partes iguais, por si, pelo sargento-ajudante António Gouveia e pelo major Rogério Martinho, os outros dois arguidos no processo que também trabalhavam, à data, na messe da BA5.
A Polícia Judiciária (PJ) apreendeu, ao todo, 125 mil euros ao SAJ António Paulo, a maioria escondido num anexo de uma casa de férias em Vieira de Leiria, propriedade de um terceiro (que desconhecia os factos), mas este arguido indicou que 25 mil euros pertenciam ao SAJ António Gouveia.
Cerca de 21 mil euros foram apreendidos no quarto na base e perto de 17 mil euros na bagageira do carro, numa caixa de sapatilhas.
O arguido relatou que o major Rogério Martinho fazia a divisão do dinheiro em três maços, na presença de ambos os sargentos, acrescentando que, nesse momento, eram colocados de lado 500 euros para entregar, mensalmente, à Direção de Abastecimento de Transportes (DAT), à data dos factos chefiada pelo major-general (agora na reserva) Raul Milhais Carvalho, arguido e considerado pelo Ministério Público como o “cabecilha” deste esquema fraudulento.
Os 500 euros eram levantados pelo capitão Luís Oliveira, arguido que se se deslocava a Monte Real para recolher o envelope com o dinheiro para a DAT, na qual trabalhava, um procedimento “instituído e que já vinha de trás, de outras gerências” da messe da BA5.
Esta versão já havia sido contada em tribunal na primeira sessão de julgamento pelo major Rogério Martinho – que assumiu ter recebido 60.000 euros entre 2013 e 2015 -, o qual confirmou o esquema de corrupção e assumiu que o dinheiro sobrefaturado entregue pelos fornecedores era depois distribuído pelos militares envolvidos, incluindo altas patentes da Força Aérea Portuguesa.
Após a saída do major Rogério Martinho da chefia da messe da BA5, outro oficial ocupou o lugar, com o posto de tenente, o qual reuniu com os dois sargentos para lhes transmitir que os procedimentos e o esquema fraudulento "eram para manter".
O sargento-ajudante António Paulo revelou ainda que a primeira vez que recebeu dinheiro proveniente do esquema de sobrefaturação foi em “setembro ou outubro de 2013”, cerca de “500 ou 600 euros”.
Questionado pela presidente do coletivo de juízes, o arguido explicou porque é que nunca denunciou o esquema de corrupção.
“As coisas foram acontecendo, o serviço foi continuando. Vivemos momentos terríveis de sofrimento. Fui um cobarde porque não tive coragem [para denunciar] e tive medo, pois não sabia a envolvência das coisas. Vivia em pânico, continuo a viver. É um stresse constante”, declarou o sargento ao coletivo de juízes, presidido por Susana Marques Madeira.
O julgamento, com 30 militares arguidos - 16 oficiais e 14 sargentos – mais 38 civis, prossegue na quarta-feira com a continuação da audição do SAJ António Paulo
Pela sobrefaturação na aquisição de bens alimentares e matérias-primas para a confeção de refeições nas messes da Força Aérea e do Hospital das Forças Armadas, os militares recebiam dinheiro e presentes dos fornecedores, em função da intervenção de cada um.
À data dos factos (desde pelo menos 2011), estes militares arguidos estavam colocados na DAT e nas messes onde houve registo de crimes: Base Aérea n.º 1 (BA1 - Sintra), BA4 (Lajes, Açores), BA5 (Monte Real, Leiria), BA6 (Montijo), BA11 (Beja), Centro de Formação Militar e Técnica da Força Aérea (Ota - Alenquer), Comando Aéreo (Monsanto – Lisboa), Campo de Tiro (Alcochete), EMFA, Alfragide, Aeródromo de Trânsito n. º1 (Figo Maduro) e Depósito Geral de Material da Força Aérea (Alverca).
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