“Levanto-me à mesma hora como antes, tudo igual, por volta das 06:30, 07:00” para chegar a uma escola quase vazia, sem colegas nem professores presencialmente, porque as aulas são à distância, mas a rede de internet não chega a casa de Leandro Gomes, em Coelheira, no concelho de São Pedro do Sul.
Aos 13 anos, a frequentar o oitavo ano, Leandro Gomes disse que “é mau, porque podia estar em casa”, nesta altura de confinamento, “sem riscos de apanhar a pandemia”, como estão os restantes colegas de turma.
Um sentimento que mantém, mesmo fora do confinamento, porque “há trabalhos que ficam por fazer” e há outros, “em que a nota não é boa”, porque não tem a componente de pesquisa da internet “para melhorar” os trabalhos escolares.
“Não faço o trabalho ou tenho de sair de casa para ir para uma parte que tenha rede, ou então vou para casa de outra pessoa. Há zonas onde se apanha mais do que outras, mas onde apanho mais é ao ar livre”, contou.
Uma procura que também é feita na hora de contactar “amigos e primos emigrados”, mas que acabam por o ditar para um “maior isolamento” quer junto da família, quer dos colegas de escola, com quem as conversas ficam mais limitadas, porque “o conhecimento de alguns ‘youtubers’ não é tanto como o deles”.
Um isolamento que faz parte das preocupações da vereadora da Educação e da Ação Social da Câmara Municipal de São Pedro do Sul, que teme “pela saúde mental” da população, tendo em conta o confinamento provocado pela pandemia e o isolamento a que “alguns jovens estão sujeitos”.
“Sabemos que temos alguns alunos que vivem nessas áreas, sem rede de internet, e mesmo que tenham computador ou rede móvel, não funciona, porque não há rede, e o que estamos a fazer é transportar esses miúdos para a escola sede”, contou Teresa Sobrinho.
Em seu entender, “é a melhor solução”, já que não têm rede onde vivem e, na escola, “existem todos os meios necessários para poderem acompanhar as aulas”, enquanto não há cobertura em todo o concelho.
“Já mandámos vários levantamentos, já fizemos pressão, só que as operadoras, infelizmente, é que decidem e isso tem sempre a ver com o custo-benefício, ou seja, com o lucro e nós não controlamos e elas é que decidem, mediante o número de utilizadores, onde é que colocam antenas para haver rede”, explicou.
Uma cobertura que chega à sede do Agrupamento de Escolas de Santa Cruz da Trapa, no concelho de São Pedro do Sul, que recebeu hoje 23 alunos, para terem as aulas à distância, seja por necessidade de acompanhamento no ensino especial, seja pela falta de equipamento ou de rede.
“Ainda não trouxemos os que não têm computador, porque distribuímos os computadores que tínhamos disponíveis na escola pelos alunos que têm internet, mas não tinham computador”, explicou o diretor do agrupamento de escolas de Santa Cruz da Trapa.
António Martins considerou que, no ensino à distância, “a agravante vai para os alunos que não têm mesmo rede nas suas aldeias” e, esses, o professor classificou-os de “casos graves, nos dias de hoje, incompreensíveis”, como a capacidade da internet na escola.
“Um dos receios que tínhamos era que a escola também não aguentasse, daí termos alguns alunos que hoje não têm acesso às aulas à distância, nem nas suas casas, nem na escola, porque tínhamos muito receio de transportar para aqui [os alunos] e depois não conseguirmos que a internet satisfizesse as salas todas”, reconheceu.
António Martins explicou que, neste caso, a prioridade de ensino recaiu sobre “os mais velhos, do nono ano para trás, progressivamente”, apesar de reconhecer que “no primeiro ano era determinante que tivessem, pelo menos, alguns momentos síncronos, era muito importante, mas não vão ter”.
“Do quinto ao nono ano temos muito poucos alunos em casa. No primeiro ciclo temos bastantes, principalmente do primeiro e segundo ano temos mais alunos em casa que vão ter de receber os cadernos pedagógicos, porque é a única forma que os professores têm de lhes chegar”, contou.
Este responsável reconheceu que ainda pensou em levar “todos os alunos” sem acesso ao ensino à distância para a escola, mas percebeu que “não podia ser”, porque “era como furar este confinamento” e, assim, “não tinha grande sentido estar a fechar em sala 10, 12 alunos”.
Na sala de Leandro Gomes está um outro aluno, não da mesma turma, mas do mesmo nível de ensino, que com ele assiste às aulas projetadas no quadro. Entre uma aula e outra, sem espaço para convívio, acabam por ser os “únicos momentos” em que acedem à internet através do telemóvel.
“É aqui e nos restaurantes, antes [do confinamento] que aproveito para falar com as pessoas e navegar” na internet, reconheceu Leandro Gomes que assumiu a “dificuldade” de estar isolado do mundo, em casa.
Em Coelheira, no cimo da serra da Fraguinha, no concelho de São Pedro do Sul, a 40 quilómetros da capital do distrito, Viseu, onde a família Gomes vive “com mais 20 e tal pessoas” e onde chegam a “estar meses sem rede fixa”, por causa das “trovoadas que estragam os telefones e derrubam as linhas”.
“Estamos numa aldeia aqui na serra onde não temos rede móvel e isso torna-nos alguma tristeza, seja até para chamar os bombeiros. Sentimo-nos desprezados pela rede e pelo Governo central. Dificulta-nos o trabalho no dia a dia”, apontou Victor Gomes, pai de Leandro.
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