O Senado brasileiro aprovou, esta quarta-feira, uma lei que faz com que deixe de ser obrigatório a autorização do cônjuge para se recorrer à laqueação de trompas (para mulheres) ou à vasectomia (para os homens).
A lei, atualmente em vigor desde 1996, obriga as mulheres e homens casados a pedirem autorização aos parceiros para procederem com este método contraceptivo definitivo. De acordo com o G1 (rede Globo), a proposta de alteração à lei foi apresentada pela bancada feminina e aprovada na mesma sessão que marca os 16 anos da Lei Maria da Penha (para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher em conformidade com a Constituição Federal).
A nova lei também altera a idade mínima para a realização dos dois procedimentos, que estava nos 25 anos e passará para os 21. “O texto mantém o outro critério já previsto em lei: homens e mulheres podem fazer a esterilização em qualquer idade se tiverem, pelo menos, dois filhos vivos”, reporta o G1.
Em Portugal, o tema foi discutido em 2013, por causa da decisão de um tribunal de retirar os filhos a uma mãe, por incumprimento de um acordo que previa, nomeadamente, a laqueação de trompas. De acordo com ponto 3, do Artigo 66.º do Código Deontológico dos Médicos, “é expressamente vedada aos médicos a prática de métodos de esterilização irreversíveis por solicitação do Estado ou outras partes terceiras, ou de qualquer outra forma sem consentimento plenamente livre e informado do doente, prestado nos termos do n.º 1 deste artigo.
Nesse contexto, o presidente da Associação Portuguesa de Bioética (APB) disse à Lusa que não se podia impor a laqueação de trompas a uma mulher com capacidade de fazer escolhas livres, alertando para o grave precedente que a medida poderia criar.
“Do ponto de vista de análise ética, ou uma mulher tem capacidade para se autodeterminar e fazer escolhas livres ou não tem, mas se tem, não se pode fazer essa imposição”, afirmou o responsável da APB, na altura.
Segundo o mesmo Artigo 66.º, “os métodos de esterilização irreversível, laqueação tubária e vasectomia só são passíveis de ser permitidos a pedido do próprio e com o seu expresso e explícito consentimento pleno após esclarecimentos detalhados sobre os riscos e sobre a irreversibilidade destes métodos”.
Quer com isto dizer que, uma vez que se trata de um processo definitivo ( ou difícil de anular), as pessoas devem estar em plena consciência sobre a decisão a tomar. Existe inclusive um período de reflexão recomendado pelos médicos antes de se avançar. O mesmo também acontece na lei brasileira.
O que não acontece em Portugal, é o dever de consentimento do, ou da, cônjuge. Cláusula que vai cair no Brasil com a aprovação da nova proposta de lei.
Ainda à Agência Lusa, o médico, também membro do Conselho Nacional de Ética da Ordem dos Médicos, considerava que a laqueação não devia sequer ser aconselhada a uma mulher, por esta não ter condições para criar os filhos (o caso remonta a uma mãe que não dispunha de condições para criar os seus 10 filhos).
“Pode-se aconselhá-la no sentido de haver uma atitude responsável no planeamento familiar. Hoje há contracetivos e pílulas que obtêm o mesmo objetivo. Para uma pessoa que pode fazer escolhas livres, este seria o caminho adequado”, dizia o médico, na altura.
Esta posição do médico prende-se em parte com o facto de uma “laqueação ser sempre uma violência no corpo da mulher”. Por essa razão, defendeu na altura que o aconselhável é que “por todos os meios a sociedade e o sistema de saúde se organizem não para a violência no organismo da mulher, mas para que o planeamento se concretize por um meio não tão agressivo”, nomeadamente quando não haja condições para prestar cuidados aos filhos. “Hoje há ferramentas contracetivas tão eficazes como a laqueação, que são reversíveis e sem os riscos que implica sempre uma cirurgia”, declarou o dirigente da APB, em 2013.
Discussão semelhante ocorreu, nesta quarta-feira, no senado brasileiro, quando uma das proponentes rebateu um dos senadores que defendia que a nova proposta colocaria em causa a "harmonia da família". A proponente respondeu que "o artigo é todo baseado para que a mulher tenha o direito de decidir o que ela quer, a sua vida. Que ela avise ao seu companheiro, ao seu marido, ao seu amigo, ou enfim, mas ela tem o direito de decidir se ela quer usar o método contraceptivo ou não", disse. "Ela pode avisar, pode combinar com o marido, mas ela tem a última decisão", concluiu.
Atualmente, a legislação que vigora em Portugal para a laqueação ou vasectomia (esterilização voluntária) enquadra-se na Lei n.º 3/84 - Educação sexual e Planeamento familiar, a qual refere no seu artigo 10.º que “a esterilização voluntária só pode ser praticada por maiores de 25 anos, mediante declaração escrita devidamente assinada e contendo inequívoca manifestação de vontade de que desejam submeter-se à necessária intervenção e a menção de que foram informados sobre as consequências da mesma, bem como a identidade e a assinatura do médico solicitado a intervir".
A semelhança que existe entre a legislação portuguesa e a brasileira é a idade mínima para a intervenção cirúrgica. Em relação à autorização do parceiro, a legislação portuguesa não refere "esse" consentimento por parte do, ou da, cônjuge.
A nova proposta, que deixa cair o consentimento e reduz a idade mínima para 21 anos, já foi aprovada na Câmara brasileira e segue para aprovação do presidente Jair Bolsonaro.
O que é a laqueação das trompas?
De acordo com o portal de Saúde (ACES), a laqueação das trompas "consiste em cortar ou tamponar, através de uma cirurgia, o conduto da trompa que leva o óvulo desde o ovário até ao útero, impedindo a fecundação". Trata-se de um "método de contraceção definitiva que consiste em esterilizar a pessoa que se submeta a ela. São intervenções anticoncetivas definitivas, pelo que a pessoa deve ter claro que não deseja ter mais filhos no futuro. "Se quiser voltar a ter um filho, necessitará de outra cirurgia para recuperar a fertilidade, embora nem sempre se consiga".
O que é vasectomia?
É o método anticoncetivo definitivo que esteriliza o homem através de uma cirurgia simples. "Consiste em cortar o conduto que leva os espermatozóides ao sémen, de maneira que o sémen que é expulso seja estéril", diz o mesmo portal.
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