Os polícias chegam a um dos mercados da rede de abastecimento do governo, o Abastos Bicentenario, onde aproximadamente 900 pessoas fazem fila desde a madrugada, embora só estejam disponíveis para a venda pães, papel higiénico e sabonete. "Quando já não há nada, a polícia começa a chegar. É sinal de que está tudo a acabar", conta Rosaura Guainet, uma dona de casa de 35 anos do bairro vizinho de Petarse. Rosaura veio acompanhar, há sete horas, uma sobrinha que ia fazer as compras com o seu bilhete de identidade.

Há uma semana, quando uma multidão enchia este lugar, onde são expostos produtos subsidiados, rebentou um grande tumulto. "Iam queimar este espaço, lançaram garrafas com gasolina. Havia muita gente nervosa, peguei na minha mota e fui embora. Uns sobrevivem à escassez através da delinquência,e podem matar-te por causa de dois sacos de farinha", relata Deivid Navas, um paquete de 28 anos, enquanto espera pela mulher, na fila já há algumas horas.

Aumento da tensão

Entre 1 de janeiro e 12 de fevereiro, a ONG Observatório Venezuelano de Conflitos Sociais contabilizou 757 protestos e 32 saques ou tentativas de saque. Insatisfação dos trabalhadores, cortes de água e luz e escassez de alimentos foram os motivos, segundo a ONG, que levaram este país a mergulhar numa grave crise, com inflação de 180% em 2015 e quebras no abastecimento de dois terços dos produtos básicos.

"Nas últimas semanas, houve um aumento dos protestos, sendo de destacar, pela sua gravidade, as tentativas de saque. Progressivamente, a tensão social agrava-se", afirma Marco Ponce, coordenador do Observatório. Um saque a um depósito de alimentos do governo no dia 18 de fevereiro, na localidade de Angostura (leste), terminou com a prisão de uma vereadora da oposição, acusada de instigar o crime. As manifestações, assegura Ponce, estenderam-se a "localidades onde, meses atrás, não aconteciam"; uma tendência observada desde 2015, quando a ONG documentou 5.851 pequenos protestos.

Enquanto a insatisfação, em 2014, se devia principalmente a razões políticas - para exigir a renúncia do presidente socialista Nicolás Maduro -, desde 2015 a motivação económica cresce. "A crise tem vindo a concentrar-se de maneira considerável no aumento do conflito porque as pessoas não obtêm respostas", afirma Ponce.

"Tem de se comer o que houver"

Uma sondagem recente realizada pela empresa Venebarómetro revelou que oito em cada 10 venezuelanos não têm dinheiro suficiente para a compra de comida e medicamentos.  68% reportaram que as filas aumentaram, e somente 29% contam com o serviço de água de forma permanente. "Se antes comíamos meio frango, agora é um quarto", afirma Rosaura ao lado do filho de quatro anos. "Tem de se comer o que houver", acrescenta Deivid Navas.

Segundo o Banco Central, o preço dos alimentos subiu 315% em 2015. De acordo com estimativas privadas, uma família média precisa de 11,1 salários mínimos para adquirir um cabaz básico. A quebra no abastecimento foi agravada por uma queda de 70% no valor do petróleo, responsável por 96% da receita deste país dependente das importações, onde o governo monopoliza os dólares e exerce um controlo ferrenho sobre os preços. Ao mesmo tempo, viu-se crescer um mercado negro baseado em produtos subsidiados para serem revendidos com valores até 25% mais altos, agravando a escassez e a inflação.

"O Abastos Bicentenario apodreceu", admitiu Maduro, que empreendeu uma ofensiva contra funcionários considerados corruptos desses supermercados. O presidente, que atribui a crise a uma "guerra económica" dos opositores para derrubá-lo, também pôs em prática um plano de estímulo para a produção, proclamando o fim da dependência petrolífera.

Gonzalo Himiob, da ONG Foro Penal, assegura que os protestos aumentaram, apesar de a força pública estar autorizada a usar armas para contê-los e das penas previstas para ações como o bloqueio de ruas. O governo optou pela "repressão muito violenta" para perpetuar o medo, adverte.

Enquanto espera a sobrinha, sentindo um misto de raiva e desconsolo, Rosaura afirma que "as pessoas não aguentam mais humilhações".