Arshad tem 35 anos e está em Portugal desde 2015, para onde veio à procura de uma vida melhor, de um emprego que lhe permitisse garantir uma vida estável à mulher e filha que ficaram no Paquistão. Pelo caminho passou pela Áustria, para onde foi para um programa de mestrado, que teve de abandonar para sustentar a família.
Foi lá que ouviu dizer que Portugal era um país “muito bom”. Começou por trabalhos na agricultura, em vários pontos de país, e em “muito más condições”.
Hoje trabalha como estafeta para uma empresa de serviços de entrega ao domicílio, gere o seu tempo e trabalha como e quando quer, mas pelo caminho perdeu a família, que não resistiu ao fim de três anos afastados.
“Vim por causa da família e agora que tenho papeis não tenho família”, lamentou, apesar de, entretanto, ter conseguido trazer os pais para Portugal.
Arshad é uma das muitas pessoas que aguardam vez para ser atendidos na Solidariedade Imigrante (Solim), em Lisboa, uma associação de defesa dos direitos dos imigrantes em Portugal, criada em 2001.
À porta, na rua, e na pequena sala de espera são muitas as pessoas que esperam para ver resolvidos os seus problemas, seja na procura de um emprego ou na resolução de uma questão legal, por exemplo.
Criado em janeiro de 2021, já em plena pandemia de covid-19, o gabinete de apoio ao emprego atende cerca de 15 pessoas por dia, um número agora um pouco abaixo com a ausência temporária da pessoa que trabalha a tempo inteiro.
Por enquanto é Sarka Pereira quem procura dar resposta a todas as dúvidas, ouve as queixas de quem foi despedido injustamente, por exemplo, ou ajuda na elaboração de um currículo para responder a uma candidatura de emprego.
À Lusa explica que a criação do gabinete surge da manifesta falta de apoio para estas pessoas que muitas vezes nem falam a língua portuguesa e que querem legalizar-se mas nem sabem como.
“As pessoas estão a aprender [a conhecer os seus direitos] com o tempo e a associação também está a tentar consciencializar as pessoas e a tentar empoderá-las porque não queremos funcionar na base de assistencialismo”, explicou Sarka, sublinhando que o objetivo é que as pessoas aprendam e consigam fazer por si.
Na avaliação que faz das pessoas que procuram a Solim, Sarka consegue agrupá-las por características ou dificuldades comuns, desde logo aqueles que não falam português e não têm apoio familiar ou de amigos que os possam ajudar a encontra trabalho.
“A maioria dos imigrantes funciona por essas redes, ou seja, se algum amigo, primo, sobrinho tem ou sabe de oferta de trabalho, liga a avisar”, apontou.
Foi o que aconteceu com C., oriundo do Senegal, em Portugal desde 2011 e que só ao fim de três anos conseguiu um trabalho na construção civil através de um primo.
Portugal foi a escolha para o destino porque tinha cá quase toda a família, em grande parte com raízes na Guiné-Bissau, deixando para trás uma vida “muito complicada” no Senegal, onde era muito difícil encontrar trabalho.
“Quero uma vida normal, como toda a gente, quero uma casa, quero uma vida melhor, porque lá é muito complicado”, relatou.
Não falar português e não ter qualquer rede de apoio dificulta o processo de procura de emprego, mas tal como explicou Sarka, a associação tem contactos e procura superar a dificuldade da língua.
Outro grupo de pessoas que procura a Solim são os que vêm de países de língua oficial portuguesa, mas falam sobretudo crioulo.
“Depois temos um grande grupo em que falam português, mas não têm rede de apoio familiar e estão na situação de pedir legalização”, adiantou.
Acrescentou que há ainda um outro grupo de pessoas que não sabe que podem fazer manifestação de interesse e que com esse processo no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) podem procurar trabalho.
Neste grupo, há casos de quem tenha feito o processo de manifestação de interesses, mas o tenha visto recusado pela entidade patronal.
Nestes casos, tal como explicou, a associação procura “quebrar essa fronteira e explicar que a lei portuguesa permite que qualquer pessoa pode trabalhar com uma manifestação de interesse”.
Sarka adiantou também que a pandemia trouxe alterações ao nível do mercado de trabalho e deu como exemplo o caso das empregadas de limpeza, que antes da pandemia tinham facilmente emprego e que agora “é o emprego mais difícil de encontrar”.
“Praticamente todos os escritórios continuam fechados e quando abriram foi só a metade do tempo, por isso a limpeza não é precisa e é um número de pessoas muito grande sem trabalho”, apontou.
Sublinhou que a pandemia teve também um grande impacto entre os imigrantes com trabalhos precários ou temporários e que muitas deles optaram por abandonar o país.
Atualmente onde há mais oferta, adiantou, é, por exemplo, como empregadas de andares nos hotéis, um “trabalho super difícil porque ao fim de dois meses as pessoas ficam aflitas das costas por andarem a fazer camas” e onde há muita rotação.
Apesar de difícil foi a opção possível para Dulce Helena, 45 anos, cabo-verdiana há cinco em Portugal, que sempre trabalhou nas limpezas, mesmo durante os períodos de confinamento no início da pandemia, mas que mais recentemente deixou “o patrão porque não pagava certo”.
Deixou o certo pelo incerto, mas mantém o sonho de conseguir trazer para junto si todos os cinco filhos, tendo para já apenas duas das filhas consigo.
Também há facilidade em encontrar trabalho como ajudantes de cozinha ou como ajudantes de lar, por exemplo, sendo trabalhos que têm algumas coisas em comum: “São mal pagos e a pessoa não sabe se no dia seguinte não está sem trabalho”.
“Este fenómeno aumentou muito. 'Contrato-te hoje e amanhã já não preciso'. Já acontecia antes da pandemia, mas depois aumentou muito”, sublinhou Sarka.
Referiu que onde há agora muita procura é na construção civil, havendo até empreiteiros que recorrem à Solim à procura de trabalhadores, e que não encontram.
Apesar de muita procura e pouca oferta, Sarka acha que isso não teve como consequência um aumento dos salários, apontando que quem trabalha neste setor continuará a receber o salário mínimo, com exceção para alguns trabalhos mais específicos, como pedreiro, por exemplo.
No final, e apesar do impacto que a pandemia possa ter tido no mercado de trabalho, Sarka garante que a “maioria” dos imigrantes que procuram a Solim acaba por encontrar emprego, através de um apoio direto ou pela ajuda na elaboração de um currículo.
* Susana Venceslau, da agência Lusa
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