"O Tribunal Constitucional decidiu não tomar conhecimento do requerimento da Senhora Procuradora-Geral da República que invocava a nulidade do Acórdão n.º 268/2022, uma vez que carece de legitimidade processual e constitucional para a suscitar", lê-se num comunicado divulgado hoje pelos juízes do Palácio Ratton.

No texto, o TC alega igualmente que eram "manifestamente improcedentes os argumentos invocados pela requerente".

"Por um lado, a permissão de armazenamento dos dados em território subtraído à jurisdição de uma autoridade administrativa independente, viola a obrigação de conservação num Estado-Membro da União Europeia, implicando a inconstitucionalidade da norma quanto a todos os dados elencados no artigo 4.º (ponto 16. da fundamentação)", refere.

Por outro lado - continua o tribunal -, "os efeitos da declaração de inconstitucionalidade são determinados pela Constituição e não pelo Tribunal Constitucional e reportam-se à data de entrada em vigor das normas inconstitucionais".

"Uma eventual limitação dos efeitos da inconstitucionalidade não só não foi pedida por nenhum dos intervenientes, como colocaria o Estado Português em situação de incumprimento do direito da União Europeia (Acórdão TJUE de 5 de abril de 2022, Commissioner of An Garda Síochána, proc. C-140/20, n.º 128)", lembram os juízes do Palácio Ratton.

O tribunal refere ainda que "as normas que determinam uma obrigação indiferenciada de conservação de metadados, nos termos do n.º 4 do artigo 8.º da Constituição, não podiam já ser aplicadas por qualquer autoridade nacional (incluindo judiciária) desde 2014, quando o Tribunal de Justiça da UE concluiu pela sua incompatibilidade com a Carta dos Direitos Fundamentais da UE — como, de resto, decidiu a CNPD na Deliberação n.º 1008/2017, de 18 de julho de 2017".

A procuradora-geral da República, Lucília Gago, defendeu na segunda-feira que a decisão do Tribunal Constitucional (TC) sobre a lei dos metadados é nula, por entender haver "contradição entre a fundamentação e o juízo de inconstitucionalidade".

“A procuradora-geral da República arguiu a nulidade da decisão em referência por considerar existir contradição entre a fundamentação e o juízo de inconstitucionalidade que recaiu sobre o art.º 4º da Lei n.º 32/2008 de 17 de julho, em particular no que concerne à conservação dos dados de base e IP”, lê-se numa resposta da PGR enviada à agência Lusa.

A notícia fora avançada pelo jornal Público, que refere que Lucília Gago, representante máxima do Ministério Público, numa decisão rara, assinou uma peça processual, remetida hoje ao TC, na qual defende a nulidade da decisão deste tribunal relativa à lei dos metadados, que impõe a proibição com efeitos retroativos de recolha deste tipo de informação para investigação criminal.

O TC anunciou em 27 de abril ter declarado inconstitucionais as normas da chamada "lei dos metadados" que determinam a conservação dos dados de tráfego e localização das comunicações pelo período de um ano, visando a sua eventual utilização na investigação criminal.

Num acórdão proferido no dia 19, o TC entendeu que guardar os dados de tráfego e localização de todas as pessoas, de forma generalizada, “restringe de modo desproporcionado os direitos à reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa”.

O possível impacto desta decisão nos processos com recurso a metadados na investigação criminal desde 2008 está já a ser questionado por diferentes agentes do setor judiciário.