Na primeira sessão de julgamento, que decorre no Tribunal Central Criminal de Lisboa, o procurador do Ministério Público (MP), José Nisa, requereu que os pedidos de indemnização civis (PIC) apresentados solidariamente pelas famílias das vítimas contra o Estado e os arguidos fossem remetidos e julgados nos tribunais administrativos.
Caso o tribunal assim não decida, o procurador pede então que o Estado seja notificado e citado para que se possa defender, justificando estar, neste caso, perante um conflito de interesses, pois não pode estar a sustentar uma acusação do MP contra os arguidos e, ao mesmo tempo, a defender-se neste processo.
Ricardo Sá Fernandes e Miguel Pereira, advogados das famílias dos recrutas que morreram - Hugo Abreu e Dylan da Silva -, opuseram-se à passagem dos PIC para julgamento nos tribunais administrativos, assim como outros advogados.
O coletivo de juízes, presidido por Helena Pinto, e que tem como um dos auxiliares um coronel do Exército, dado estar em causa o envolvimento de militares, deu 48 horas para que todos os intervenientes se pronunciem.
Caso decida enviar os PIC para os tribunais administrativos, o julgamento prossegue a 04 de outubro. Se o coletivo mantiver os pedidos de indemnização civis junto a estes autos, então o tribunal terá de notificar e citar o Estado para que se pronuncie, num prazo de 20 dias.
Se assim for, segundo o advogado Ricardo Sá Fernandes, que defende a família de Hugo Abreu, o julgamento deverá ficar suspenso “por trinta dias”.
Dylan da Silva e Hugo Abreu, à data dos factos ambos com 20 anos, morreram e outros instruendos sofreram lesões graves e tiveram de ser internados durante a denominada 'Prova Zero' (primeira prova do curso de Comandos) do 127.º curso de Comandos, que decorreu na região de Alcochete, distrito de Setúbal, a 04 de setembro de 2016.
Em causa estão três PIC apresentados pelas famílias: os pais de Dylan da Silva pedem 400.000 euros enquanto a família de Hugo Abreu exige 300.000 euros, havendo ainda um terceiro pedido efetuado por um dos militares que ficou ferido.
Na sala de audiências e no exterior do tribunal marcaram presença de dezenas de militares dos comandos, no ativo e na reserva, nomeadamente da associação dos Comandos, em solidariedade com os camaradas que estão a ser julgados neste caso.
A juíza de instrução criminal Isabel Sesifredo decidiu, em 09 de março, levar a julgamento todos os arguidos nos exatos termos da acusação do Ministério Público (MP), após a fase de instrução requerida por alguns dos arguidos.
Em junho do ano passado, o MP deduziu acusação contra os 19 militares, considerando que os mesmos atuaram com "manifesto desprezo pelas consequências gravosas que provocaram" nos ofendidos.
“Desde o início da denominada 'Prova Zero', os formandos foram confrontados com comportamentos profundamente violentos dos formadores e só o medo da prática de comportamentos ainda mais violentos que caracterizaram a atuação de todos os formadores, do diretor da prova, do comandante de Companhia e até da equipa sanitária – médico e enfermeiro -, justificou que os formandos tenham permanecido durante a noite do dia 04 de setembro de 2016 no Campo de Tiro de Alcochete”, frisa o MP.
A acusação acrescenta que, ao sujeitarem os ofendidos a essa "penosidade física e psicológica" durante a recruta, todos os arguidos sabiam que "excediam os limites" permitidos pela Constituição e pelo Estatuto dos Militares da Forças Armadas e "colocaram em risco a vida e a saúde dos ofendidos, o que aconteceu logo no primeiro dia de formação”.
Os arguidos são ainda acusados de cometerem várias agressões contra os recrutas, nomeadamente o facto de obrigarem os formandos a “rastejarem nas silvas”, ou de privarem/racionarem a água aos instruendos, apesar das condições extremas de temperaturas elevadas.
Os oito oficiais, oito sargentos e três praças, todos militares do Exército do Regimento de Comandos, a maioria instrutores, estão acusados de abuso de autoridade por ofensa à integridade física.
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