Os arguidos estão acusados pelo Ministério Público de Leiria dos crimes de homicídio qualificado e de profanação de cadáver, em coautoria.

Segundo o despacho de acusação a que a Lusa teve acesso, o casal responde também pelo crime de abuso e simulação de sinais de perigo, enquanto o pai da criança de nove anos está ainda acusado de um crime de violência doméstica.

No seu depoimento ao coletivo de juízes, o pai negou ter sido ele a colocar a menina na banheira e a mandar-lhe água a ferver.

“Estava a dormir e acordei com os gritos da Valentina. Fui à casa de banho e vi a menina inanimada e a desfalecer. Tirei-a e levei-a para a cozinha, colocando-a por baixo de uma claraboia para apanhar ar”, contou.

O pai referiu ainda que lhe bateu apenas por uma ocasião: quando a confrontou com os alegados contactos sexuais que lhe tinham contado. “Dei-lhe umas palmadas no rabo.”

No entanto, garantiu que não voltou a bater na filha e acusou a mulher de ter “dado murros” e “apertado o pescoço” à criança.

O arguido disse ainda que não pediu ajuda “por respeito” à mulher. “Ela começou a dizer coisas e a encher-me a cabeça”, acrescentou, não dando mais explicações.

Confirmou ainda que depois de se aperceber da morte da filha foi ele que escolheu o local para esconder o cadáver, mas a ideia de simular o desaparecimento de Valentina foi da arguida.

“Nunca pensei que ela morresse.”

O pai acabou por confessar à polícia onde tinha escondido o corpo, “por pressão” e por “não aguentar mais”.

Por seu lado, a madrasta, com um testemunho emocionado, onde as lágrimas caíram algumas vezes, acusou o pai de ter sido o autor de todas as agressões que levaram à morte da criança.

“Ele confrontou a menina [contactos sexuais] e ela confirmou. Bateu-lhe e eu disse para parar porque não era assim que se resolviam as coisas. A menina era pequena e tínhamos de lhe explicar. Mandou-me calar e disse que a filha era dele”, relatou.

Segundo o seu testemunho, o arguido “bateu muitas vezes e com muita força” na criança.

A mulher disse que foi o pai que levou a menina para a banheira e lhe apontou o chuveiro para os pés com água a ferver.

“Estava a dar o leite à minha bebé e tentei impedi-lo várias vezes, mas ele empurrava-me. Tentei sempre proteger a Valentina e ele insistia que ele é que era o pai e tinha de lhe dar educação”, acrescentou.

Quando viu a menina a “desfalecer” fechou a torneira e avisou que a tinham de retirar da banheira. “Estava com os olhos abertos, mas não respondia.”

Quando o seu filho mais velho se deparou com a situação, a arguida afirmou ter sido o companheiro a mandá-lo para o quarto “se quisesse continuar a ver as irmãs e a mãe”.

A mulher revelou ainda que não pediu ajuda “por medo”, porque ele a ameaçou e aos filhos.

A arguida disse que foi o filho que ligou para o arguido a alertar que Valentina estava a “espumar da boca”, quando o casal se tinha ausentado para ir à farmácia.

“Insisti sempre para pedir ajuda e dizer que tinha sido um acidente, mas ele só dizia que não queria ir preso e que não ia deixar de ver as filhas”, reforçou.

A mulher admitiu que conduziu o carro até ao pinhal para esconderem o corpo e combinaram no dia seguinte alertar as autoridades do desaparecimento da criança.

De acordo com a acusação, no dia 1 de maio, o progenitor, de 33 anos, natural de Caldas das Rainha, confrontou a filha, Valentina, com a “circunstância de ter chegado ao seu conhecimento que a mesma tinha mantido contactos de cariz sexual com colegas da escola”.

Na presença da companheira, de 39 anos e natural de Peniche, ameaçou Valentina com uma colher de pau, que depois terá usado para lhe bater.

Já inanimada, a criança permaneceu deitada no sofá, sem que os arguidos pedissem socorro, adianta o Ministério Público (MP), explicando que o filho mais velho da arguida apercebeu-se da situação, mas foi mandado para o quarto.

O casal escondeu o corpo da Valentina numa zona florestal, na serra d’El Rei (concelho de Peniche), e combinou, no dia seguinte, alertar as autoridades para o “falso desaparecimento” da criança.

Para o MP, pai e madrasta deixaram Valentina “a agonizar, na presença dos outros menores, indiferentes ao sofrimento intenso da mesma”, não havendo dúvidas de que a madrasta colaborou na atuação do pai sem promover o socorro à menor ou impedindo as agressões.

Mãe de criança garante que filha mostrava alegria com o pai

A mãe da criança morta em Peniche alegadamente pelo pai e pela madrasta disse hoje no Tribunal de Leiria que a filha mostrava alegria sempre que estava com o progenitor e nunca referiu qualquer agressão.

“Quando passou a ir todos os fins de semana a casa do pai vinha contente. Dizia que era o pai e que agora tinha duas mães. Dizia que a Márcia [madrasta] não fazia distinção entre ela e os irmãos. A Valentina nunca se queixou de qualquer comportamento da Márcia ou do pai”, relatou.

Durante o confinamento devido à pandemia da covid-19, em março, a Valentina passou a residir na casa do pai.

“A ideia foi minha. Eu estava a trabalhar e em contacto com pessoas também não era saudável para a minha filha andar com ela para trás e para a frente”, disse.

Questionada se falava com a filha diretamente, respondeu que não, porque “Valentina não gostava de falar ao telefone”.

“Mandava mensagens à Márcia todas as semanas, às vezes, duas a três vezes por semana”, relatou, sublinhando que no Dia da Mãe, a arguida lhe ligou para falar com a Valentina e foi a última vez que ouviu a voz da filha. “Estava muito alegre e feliz. As últimas palavras foram: ‘está bem mãe, és uma chata, gosto muito de ti.”

A mãe garantiu também que nunca ninguém lhe referiu suspeitas de abuso sexual ou de contactos sexuais.

Filho da madrasta acusada de matar Valentina confirma versão da mãe

O filho da madrasta acusada de matar a enteada em Peniche, em maio de 2020, confirmou a versão da mãe, num testemunho gravado para memória futura e que foi hoje ouvido na sala de audiências.

O menor relatou que acordou com o "barulho de estalos", com o pai de Valentina a bater na menina. “Foram uns dez estalos. Dizia-lhe que ela só sabia fazer maldades e pensar em porcarias.”

Do seu quarto averiguou que o arguido estava a bater na criança e que a mãe, também arguida, pedia para que parasse, tal como a vítima. “Ele dizia: a filha é minha, faço o que quiser. A minha mãe quis chamar ajuda e ele não deixou. Disse que ela ficaria sem os filhos”, contou.

A criança revelou ainda que o padrasto levou Valentina para a casa de banho, onde lhe mandou com água a ferver. “A Valentina só pedia para parar e ele dizia que não queria saber. Ela dizia que a água estava muito quente e ele batia-lhe", referiu ainda.

Valentina caiu e pouco depois, a testemunha ouviu a mãe a perguntar à criança se estava bem e ninguém respondeu. “A minha mãe perguntou se ele não queria que ela chamasse o INEM, mas o Sandro [pai de Valentina] não deixou. Depois da pancada, a Valentina não disse mais nada. O Sandro levou a criança para a cozinha para apanhar ar”.

Segundo contou, o casal colocou a criança no sofá e tapou-a com um cobertor. “A minha mãe disse-me para não contar a ninguém, caso contrário ficaria sem ela e sem as minhas irmãs”, reforçou.

O menino confirmou que os arguidos se ausentaram de casa para ir comprar leite para a irmã mais pequena e foi quando ele viu a Valentina a “espumar-se da boca”.

Telefonou ao padrasto a avisar e “chegaram em cinco minutos”.

“O Sandro estava muito inquieto, não sabia o que fazer. A minha mãe olhava para mim chorava e dava-me abraços. Depois o Sandro disse que tinham de esconder o corpo.”

O rapaz disse ainda que viu nódoas negras nas pernas da criança e uma vermelhidão, “que parecia queimado”.

O testemunho da criança não terminou hoje, tendo em conta a sua extensão. As suas declarações vão continuar a ser ouvidas na próxima sessão.

No final do julgamento de hoje, Roberto Rosendo, advogado do pai da criança, confirmou que o depoimento da criança vai contra as declarações do seu constituinte, referindo que “altera os factos no sentido da execução do crime”.

Confrontado com o facto de o arguido ter contado hoje em tribunal uma versão diferente da apresentada em sede de inquérito, onde assumiu ter agredido a filha, Roberto Rosendo disse não saber “por que se contradisse”.

“Ele fez isso no inquérito e não deu certo. Agora fez de novo, inclusive, adverti-o que se tivesse de o fazer teria de fazê-lo com cabeça tronco e membros”, referiu.

O julgamento prossegue no dia 24 de março, no auditório municipal da Batalha, que terá mais condições para receber a presença de um maior um número de jornalistas.

Devido às restrições impostas pela pandemia da covid-19, o tamanho da sala de audiências onde hoje decorreu o julgamento teve a presença dos jornalistas limitada, deixando alguns profissionais da comunicação social sem poder assistir à sessão.

O Tribunal de Leiria começou hoje a julgar o pai e a madrasta acusados de matar Valentina, nove anos, em maio de 2020, em Peniche, e apresentaram versões contraditórias dos factos que constam na acusação.

Os arguidos estão acusados pelo Ministério Público de Leiria dos crimes de homicídio qualificado e de profanação de cadáver, em coautoria.

Segundo o despacho de acusação a que a Lusa teve acesso, o casal responde também pelo crime de abuso e simulação de sinais de perigo, enquanto o pai da criança de nove anos está ainda acusado de um crime de violência doméstica.

De acordo com a acusação, no dia 01 de maio, o progenitor, de 33 anos, natural de Caldas das Rainha, confrontou a filha, Valentina, com a “circunstância de ter chegado ao seu conhecimento que a mesma tinha mantido contactos de cariz sexual com colegas da escola”.

Na presença da companheira, de 39 anos e natural de Peniche, ameaçou Valentina com uma colher de pau, que depois terá usado para lhe bater.

Já inanimada, a criança permaneceu deitada no sofá, sem que os arguidos pedissem socorro, adianta o Ministério Público (MP), explicando que o filho mais velho da arguida apercebeu-se da situação, mas foi mandado para o quarto.

O casal escondeu o corpo da Valentina numa zona florestal, na serra d’El Rei (concelho de Peniche), e combinou, no dia seguinte, alertar as autoridades para o “falso desaparecimento” da criança.

Para o MP, pai e madrasta deixaram Valentina “a agonizar, na presença dos outros menores, indiferentes ao sofrimento intenso da mesma”, não havendo dúvidas de que a madrasta colaborou na atuação do pai sem promover o socorro à menor ou impedindo as agressões.

 (Notícia atualizada às 19:43)