Estes são dados de um estudo que será apresentado esta semana numa conferência internacional em Paris e que analisa números referentes a 2014.
O estudo exibe, pela primeira vez e de forma organizada, dados completos sobre a “cascata de tratamento” do VIH/Sida em Portugal, segundo o especialista e antigo diretor do Programa Nacional para a Infeção VIH/Sida, António Diniz.
Neste trabalho realizado por vários peritos portugueses é analisado o ponto de situação nacional relativamente aos três grandes objetivos traçados pelas Nações Unidos para 2020, a tríade conhecida por 90 – 90 – 90.
A primeira meta é ter 90% das pessoas que vivem com VIH/Sida diagnosticadas, um objetivo já conseguido por Portugal. Os outros dois objetivos definidos pela ONUSida são alcançar 90% dos diagnosticados em tratamento e 90% dos que estão em tratamento atingirem carga viral indetetável (o que torna muito baixa a possibilidade de transmitir a infeção).
A investigação que esta semana é apresentada internacionalmente foi feita com dados de 2014 e mostra que Portugal tinha apenas cerca de 65% das pessoas diagnosticadas em tratamento.
António Diniz e os outros investigadores subdividiram este campo para tentar compreender os passos intermédios entre o diagnóstico e o tratamento.
“Do diagnóstico ao tratamento é como um saco muito grande, porque há passos intermédios. Primeiro é preciso que as pessoas cheguem aos serviços de saúde e depois que se mantenham”, justificou o antigo coordenador do Programa para o VIH/sida, em entrevista à agência Lusa.
Do total de pessoas diagnosticadas são seguidas pouco mais de 80% e, das que são “verdadeiramente seguidas”, só 79% estavam em tratamento na altura.
A junção destes dois dados fez com que apenas 64,4% das pessoas diagnosticadas com VIH/Sida estivessem a receber, de facto, tratamento, quando a meta para 2020 é de 90%.
António Diniz ressalva que esta avaliação reporta a 2014, quando só em 2015 foi instituído o princípio de que todos os doentes que fossem diagnosticados com VIH deviam começar de imediato a receber tratamento. Até aí, havia indicação de que algumas pessoas não deviam iniciar tratamento.
Ainda assim, o especialista salienta que “se perdem” dos serviços de saúde quase 20% dos doentes diagnosticados, o que significa quase 8.000 doentes.
“Perdemos as pessoas porque não as conseguimos manter nos cuidados de saúde ou porque nem sequer lá chegam. Com estes dados conhecemos a realidade e pode haver várias interpretações para isto. Mas eu prefiro olhar para este número e alertar para a necessidade de melhorar as condições de ligação aos cuidados de saúde e de retenção dessas pessoas”, afirmou António Diniz.
Reconhece que nos oito mil diagnosticados não são seguidos nos serviços de saúde possam estar alguns óbitos e também um número residual de pessoas que entretanto emigraram. Mas mesmo que sejam contemplados 2.500 mortos no conjunto das oito mil pessoas, sempre serão 5.500 as pessoas que escapam a seguimento.
“O grosso destes quase 20% não seguidos são seguramente pessoas que não conseguimos atingir com as medidas que atualmente temos implementado. Até agora, podíamos dizer que não sabíamos, mas a partir de agora não temos desculpa”, sublinhou.
Vários fatores podem fazer com que estas pessoas se percam ou não sejam retidas nos serviços de saúde, com António Diniz a lembrar que muitas pertencem a populações mais frágeis e vulneráveis, como migrantes que genericamente já têm maior dificuldade de acesso à saúde.
O médico defende que cada hospital devia fazer um estudo idêntico, “uma cascata de tratamento” para a sua unidade de saúde, com o objetivo de avaliar o trabalho que está a ser feito e de perceber quem são os doentes que estão a escapar ao sistema.
António Diniz sugere também a criação de um gestor de caso nos hospitais que lidem mais diretamente com as situações de potencial abandono ou falta de retenção nos serviços de saúde.
Este papel tanto podia ser desempenhado por um profissional de saúde a quem é atribuída essa função concreta ou por uma organização de base comunitária que seria envolvida na equipa hospitalar.
Mesmo com os atuais dados de Portugal que são apresentados esta semana em Paris, António Diniz acredita que ainda será possível em 2020 atingir os três objetivos “90” definidos pela ONUsida.
No final do ano passado, especialistas portugueses tinham apresentado um estudo analisando a primeira dessas metas, concluindo que Portugal já tinha menos de 10% dos infetados com VIH/Sida por diagnosticar, o que ao todo representava menos de cinco mil pessoas com a infeção e sem o diagnóstico.
Ao todo, estima-se que em Portugal haja, pelo menos, 45 mil pessoas com a infeção.
“Pensava-se que o grande problema e a nossa fraqueza era no diagnóstico. Percebemos depois que não é o diagnóstico e, agora, que a fraqueza está entre o diagnóstico e o tratamento, na ligação das pessoas aos cuidados de saúde e na capacidade de as reter”, resumiu António Diniz.
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