Tinha tudo pensado e queria percorrer Portugal de lés a lés e apresentar o 'cartaz de 1,78 metros'. A pandemia mudou-lhe os planos e a campanha tem sido feita sobretudo a partir de casa, nas redes sociais, porque "estamos todos fechados e em confinamento e não seria certo fazer como alguns políticos, que andam por aí em jantares" pondo todos em risco. "Não vale tudo".

Vendo as coisas pelo lado positivo, a campanha custou muito menos do que os 16 mil euros de há cinco anos. A entrevista decorreu por Skype e Vitorino Silva, o Tino de Rans, confessa que está apaixonado por esta eleição e aliviado porque não vai ficar a dever nada a ninguém. "Sou um homem feliz", afirma. "Foi uma campanha segura e sem stress, completamente zen".

Mas é quando fala de Catarina, a filha de 23 anos a quem jura que um dia ainda dará uma alegria - "é um feeling que eu tenho" - que os seus olhos brilham mais. "Tenho orgulho em dizer que a minha filha sabe mais do que eu, está mais preparada. No meu tempo os meus pais diziam: 'nós é que sabemos', os filhos não contavam para o Totobola". E acrescenta: "Se um dia me perguntarem como quero conhecido respondo que é como o pai da Catarina".

Diz que é o menos letrado dos sete candidatos à Presidência, mas gaba-se de ser o que tem mais obras publicadas, entre cinco livros - "que vendo pessoalmente, não os quero ter no mercado, levam 60% dos lucros, não têm respeito por quem escreve, por quem tem as histórias, um abuso" - e alguns filmes.

Vitorino Silva acredita que mudou desde as últimas eleições presidenciais. Continua a recorrer a analogias, metáforas e aforismos para explicar quase tudo o que diz, mas está mais confiante. Gostava de ser como Ramalho Eanes, "o melhor presidente desde que há democracia".  E compara a abstenção de então com a de agora.

Ouvi-o dizer que o seu principal adversário é a abstenção. Preocupa-o? O que faria para baixar os níveis de abstenção?

O sistema dá a entender que quanto menos emigrantes votarem, melhor. Não se justifica os emigrantes terem de andar nove horas para irem votar. Mas, ao contrário do que pensava há oito dias, penso que as pessoas vão sair à rua para votar, porque estão confinadas e vão agarrar qualquer pretexto para sair de casa. Além disso, as pessoas querem desabafar e vão aproveitar domingo para o fazer.

Não quero o voto do descontente ressabiado, porque o voto é dignidade, não é para ser maltratado

Quem será beneficiado e quem será prejudicado com o desabafo?

Os votos estão no ar e são de quem os apanhar. Penso que quem vota em mim vota confiante, sou o voto da confiança. O meu eleitor já me tirou a fotografia, não é o eleitor de protesto - embora também possa ter o voto do desconte moderado, e há muitos. Mas não quero o voto do descontente ressabiado, porque o voto é dignidade, não é para ser maltratado. Quando as pessoas votam ressabiadas e zangadas prestam um mau serviço à democracia.

Tem uma filha de 23 anos. É nessa faixa etária que a abstenção é mais elevada. Isso está a mudar?

Em eleições anteriores os jovens têm estado afastados, mas agora a juventude está com muita força, querem votar. Os jovens são cidadãos do mundo - lembro-me de ate há bem pouco tempo pensar que o mundo era Rans. Estes jovens saem muito mais do que a minha geração, estão muito mais preparados, têm mais mundo. Tenho orgulho em dizer que a minha filha sabe mais do que eu, está mais preparada. No meu tempo os meus pais diziam 'nós é que sabemos'. Os filhos não contavam para o Totobola, mas agora contam. Alguns políticos têm interesse em que os jovens não votem, porque os jovens votam diferente, não votam nos partidos de sempre, não estão hipotecados. Os políticos dizem que os jovens estão afastados da política, mas não é verdade, estão próximos e gostam de política, estão atentos e estão preocupados, o que não gostam é de nós, não gostam dos políticos. Mas quando há causas mobilizam-se e mobilizam-se à séria. Vi muitos jovens a chorar quando Trump ganhou as eleições há cinco anos na América ou quando aconteceu o Brexit. A minha filha chorou. Acredito que vão votar, porque perceberam que o seu voto conta. Vejo isso nas redes sociais - e vivo muito nas redes, porque, como toda a gente sabe, fui apartado, esqueceram-se (ou foi mesmo de propósito) de mim para os debates nas televisões. Dia 24 vou saber.

Há cinco anos teve cerca de 152 mil votos, ficou em sexto lugar, com 3,6% dos votos expressos. As sondagens de agora apontam para menos.

Mas na altura não tinha a força que tenho hoje, hoje estou mais forte, muito mais sereno, muito mais calmo. Penso que isso também foi uma conquista da minha filha, que é a minha conselheira. A minha filha era aluna do quadro de honra em todas as escolas. Sabe que as escolas têm olheiros, mesmo as escolas privadas, e para subirem nos rankings precisam dos melhores alunos e muitas vezes convidam-nos para lá sem ter de pagar. A minha filha disse sempre que quando fosse para o 10.º ano queria ir para a escola do pai, que era em Penafiel, mas eu pensava que ela se ia esquecer quando crescesse. Quando passou para o 10.º ano, tudo cincos, perguntei-lhe que prenda gostava de ter: um computador, um telemóvel, uma coisinha que quisesse escolher. E ela disse que queria uma caixa de pioneses e queria ir para a minha escola - os pioneses eram para ir colocando no mapa à medida que fosse conhecendo os países. E aos quinze anos, eu trabalhava no Porto e a minha mulher em Valongo, ela foi sozinha para a nossa casa em Rans para poder estudar em Penafiel, e dormia em casa da minha irmã, que é professora. Acabou o secundário com uma média de 19,1 valores. A Catarina tirou Economia no Porto, ficou no quadro de honra, estudou em Aston, acabou com alta distinção, e veio para Portugal, onde já está a trabalhar. Isto é para não se pensar que os calceteiros não podem ter filhos com tão boas notas como os filhos dos ministros.

Alguns políticos têm interesse em que os jovens não votem, porque os jovens votam diferente, não votam nos partidos de sempre

Acha que hoje ainda há esse preconceito?

Tenho a certeza que há muita gente complexada. Mas hoje a formação vem para todos ao mesmo tempo. E isto dos estudos é relativo, gosto muito das duas escolas e vivi nas duas: a escola da vida e a academia. Sinto-me mais preparado. Claro que não acabei o curso, abandonei a escola cedo porque quis ir conhecer mundo. A minha professora primária, que era D. Laurinda e que gostava muito de mim, queria bater-me, porque não queria que eu abandonasse os estudos. É que fui criado com ela, quando o meu pai morreu levou-me para sua casa porque não queriam que eu soubesse que o meu pai tinha morrido - só soube aí uns vinte dias depois. Ela vivia bem e foi quem me deu a roupa da comunhão, igual à do filho. Custou-me dizer-lhe que não voltava atrás, mas não estou arrependido de ter abandonado os estudos.

Com a idade da sua filha era presidente da Junta de Freguesia. Foi aí que começou a interessar-se pela política? 

Quando fui presidente de junta era muito novo, tinha 22 anos. Fui presidente de junta não foi pelos meus méritos, ganhei a junta porque era filho do Toneco Covilhão. Fiquei sem pai quando tinha nove anos, e as pessoas tinham muito apreço por ele, diziam que era um homem de bem. Rans era uma terra de conservadores, portanto as pessoas não deixavam largar. E Rans precisava de rasgar caminhos. Havia um grande proprietário na terra, que era o padre, que tinha quintas de família. Toda a gente dizia que ele não dava nada. Quando ganhei a junta fui ter com ele: "Senhor padre, vamos ter uma ambulância e eu gostaria de alargar a rua pela freguesia, senão os carros não passam. Mas toda a gente me diz que o senhor não dá a terra". E ele responde: "As pessoas andam a dizer que não dou, mas nunca ninguém me veio pedir". Pensei, vou pedir dez metros de largura (a pensar que ele me ia dar oito). E diz o padre António Pimentel: "Dez? Isso é muito pouco, vou dar vinte. Assim, nesta variante um dia vai poder ter um centro de apoio escolar, um centro de dia, o que quiseres". E hoje, passados 20 anos, temos a variante. Esse padre contou-me uma coisa que eu não sabia, é que andou à escola com o meu pai. E quando foram fazer o exame da 4.ª classe, foram os dois únicos alunos a passar com distinção. Como os pais dele eram ricos, convidaram o meu pai e os meus avós para irem jantar lá a casa e, no fim, deitaram foguetes pelos dois miúdos, o meu pai e o padre António Pimentel.

Disse que a educação chega igual para todos. O confinamento foi a prova de que não é assim. 

Sim, miúdos ficam sem a refeição diária, não têm computadores e muitas não têm aquecimento em casa. Ainda há terras neste país, porque o país não é todo igual, onde passam aviões lá em cima (a alta tecnologia), mas em baixo não há Internet. Isto deixa as pessoas ainda mais longe do resto do mundo.

Sempre afirmou com orgulho que é calceteiro. Mas no início da conversa disse "nós, os políticos". Já se vê de outra maneira?

Não, digo nós porque, apesar de não ser um político, estou a concorrer para um cargo político e tenho de ter a humildade de me colocar do outro lado. 

O que vez nos últimos cinco anos para tornar o país menos desigual?

Criei um partido político, que se chama RIR - Reagir, Incluir e Reciclar, para poder estar no terreno e fazer alguma coisa. É preciso reagir, porque a sociedade está distraída, é preciso incluir. E eu conheço bem as pedras, os caminhos. A minha mensagem tem passado, não fui eleito deputado por quatro décimas. Tenho a certeza de que se fosse hoje seria diferente, os portugueses já me conhecem melhor e ao nosso programa também. Nestes cinco anos estive a ouvir as pessoas, e ando há 49 anos no meio do povo. 

Não podemos matar a TAP, temos de a defender com unhas e dentes

E o que lhe dizem as pessoas, como sente o país?

O país está pior, mas não é só Portugal que está pior, é o mundo. Aqui há uns tempos cantávamos vitória, éramos milagreiros. Agora somos o pior no ranking de infectados e de mortos [por milhão de habitantes]. Pela boca morre o peixe, e isso que o país me diz. Antes da crise sanitária estávamos bem por causa do boom do turismo: somos um país que tem pedras lindíssimas, às vezes as pessoas encontram pedras no meio do monte, mas não sabem que essas pedras, se forem trabalhadas, servem para fazer o Mosteiro dos Jerónimos ou o Panteão Nacional - é preciso haver quem saiba trabalhar as pedras para haver que possa repousar ali, nem só as pessoas das palavras são importantes. Mas muitas pessoas vinham à procura do nosso sol. Não me esqueço de um dia em que encontrei um turista irlandês num restaurante da localidade e o convidei para fazer uma visita a Rans, que é um presépio. Levei-o a um altinho e disse-lhe para fechar os olhos. Quando lhe pedi para abrir os olhos ele viu uma paisagem fabulosa e um sol único: "Se eu tivesse este terreno na Irlanda e este sol, era o homem mais rico da Irlanda", disse ele. Temos o melhor sol e os melhores sabores. Mas isto mudou com a pandemia, acabou-se o turismo e a economia foi por aí abaixo. Mas o mundo nunca tinha estado em guerra todo ao mesmo tempo, e agora está, uma guerra contra um inimigo cobarde, que ataca pelas costas e ninguém sabe como. Pela primeira vez o mundo está unido contra a Covid, já ninguém fala no petróleo ou nas guerras.

Para muitos é muito fácil gerir os milhões que não são deles

Que projeto tem para Portugal?

Neste país, ao longo destes anos, muito se tem falado em projetos: projetos de TGV, projetos de aeroportos, perde-se muito tempo a rasgar projetos. A minha ideia para Portugal é que temos um grande país, temos um grande futuro à nossa espera. Acredito que o Covid vai passar e não podemos matar a TAP, temos de a defender com unhas e dentes. Porque nessa altura, o nosso sol, a nossa gastronomia, as nossas azeitonas, as nossas batatas, as nossas paisagens vão voltar a precisar de ter gente. É que já há uma vacina para a Covid, mas não há uma vacina para a economia. Temos de estar de braços abertos e remar todos para o mesmo lado, como num barco, senão o barco vira, e o que é preciso é que o barco chegue a bom porto. 

É a favor da injeção dos 3,7 mil milhões de euros na TAP?

Muito honestamente, há coisas com que não concordo, que são os exageros. É tanto dinheiro que uma pessoa não percebe para onde é que ele vai. Temos boas faculdades de Economia e de Gestão onde se ensina o que são os milhões, mas acho que temos de começar a ensinar o zero. Porque para muitos é muito fácil gerir os milhões que não são deles. Mas se esses gestores públicos soubessem, como sabem as famílias portuguesas que têm de apertar o cinto e fazer contas para conseguir chegar ao fim do mês ou comprar uma botija de gás, o que é o zero, iam gerir esses orçamentos com muito mais cuidado. Se os gestores gerirem bem, tenho a certeza que não é preciso os quatro mil milhões de euros. Tenho a certeza. Só acredito que se devia salvar a TAP, mas não tenho o dossier, e penso que todos os candidatos deviam ter os dossiers para poderem comentar mais a fundo estes assuntos. Só o professor Marcelo Rebelo de Sousa tem informação como presidente e como candidato, mais ninguém. A luta é desigual.

É preciso ter coragem para decidir. As vezes é sim, outras é não, o "nim" é que não serve a ninguém

Que informação que não tem gostaria de ter?

A verdade. Porque muitas vezes o que nos dão é o que dá jeito, não é a verdade. De certeza que há muita informação inquinada, como para os jornalistas. 

Quais foram para si os grandes erros de Marcelo Rebelo de Sousa, em que é que ele falhou o presidente no último mandato?

Penso que ele foi mal assessorado, mesmo em relação à Covid. E mesmo a história de querer ser o primeiro a ir para casa, mas depois não foi para casa e andou por aí... O país viu tudo, o foco esteve sempre em cima dele e ele não se resguardou. Mesmo aquela necessidade de estar sempre a fazer testes... E achei-o muito nervoso nesta altura dos debates, com os dados que devia ter e não tinha. 

Num país onde não há cultura não pode haver democracia

Já fez algum teste?

Nunca fiz nenhum teste, mas sempre me resguardei. Mas depois do debate, e por causa do teste do Marcelo que deu positivo, tive as televisões todas a ligar-me para saber se eu tinha Covid, ainda eu não sabia de nada. 

Tem uma causa a que queira dedicar especial atenção?

A cultura. Comigo ninguém cala a cultura. E a cultura defende-se defendendo a democracia, porque num país onde não há cultura não pode haver democracia. Claro que agora a prioridade tem de ser a pandemia, que não é só os doentes Covid, mas também os outros. E sei do que falo, porque já me adiaram três vezes uma consulta no hospital, mas sei que há pessoas muito pior do que eu. Não temos muitos médicos, não temos muitos enfermeiros, mas o pessoal da saúde não pode estar só voltado para os doentes Covid e depois temos as pessoas a morrer de outras coisas. Não se podem inventar médicos, mas pode-se fazer investimento e pode-se dar ânimo. É preciso haver empatia e pulso forte, as duas coisas são importantes. É preciso ter coragem para decidir. As vezes é sim, outras é não, o "nim" é que não serve a ninguém.

O que seria para si uma boa notícia no dia 24 de Janeiro, domingo?

Ter mais um voto do que tive há cinco anos. Tenho muito respeito por aquelas 152 374 [3,28% dos votos expressos] pessoas que votaram em mim. E tenho muito respeito por aqueles milhões de portugueses que não votaram, mas que agora estão arrependidos e têm aqui a segunda oportunidade de acreditar em mim. No ano passado, para ganhar as 7.500 assinaturas era preciso andar na praia a pedir quase por favor; eu chegava ao pé das pessoas a dizer que era o Tino e em dez assinavam duas, muitas mandavam-se seguir com a mão. Agora, mesmo com máscara, em 20 pessoas 19 assinam. E muitas pessoas reconheciam-me pela voz. Também aprendi muito a fazer as coisas: há cinco anos tinha assinatura de três mil freguesias, tive que andar por aqui e acolá. Desta vez concentrei-me em 30 ou 40 freguesias no Grande Porto, em Penafiel, Paredes. Porque as assinaturas não é o mais difícil, o mais difícil é ir buscar as certidões às juntas de freguesia. Nas grandes cidades as juntas estão sempre abertas. As dificuldades que o Mayan teve nestas eleições foram as que eu tive há cinco anos, porque ele não tinha esta informação. E até já lhe disse: da próxima vez concentra mais.

Já me adiaram três vezes uma consulta no hospital, mas sei que há pessoas muito pior do que eu

Concorda com o cordão sanitário ao Chega ou daria posse a um governo em que o partido estivesse integrado?

Respeito muito o Tribunal Constitucional, eles sabem o que estão a fazer. Agora, o Chega tem de cumprir as regras. Se pisar as linhas vermelhas... Eu tenho carta, mas não é por isso que posso conduzir mal. Tenho de cumprir o Código da Estrada, senão vou perdendo pontos até me tirarem a carta. E o partido cresceu porque lhe foram dando protagonismo na Assembleia da República, puseram-lhe o foco em cima. Eu evitava, não lhe dava palco. A minha mãe dizia-nos sempre: 'Nunca respondam a armadilhas'.