A chegada da pandemia à Europa em março, cerca de três meses depois de a «Comissão Von der Leyen» ter tomado posse, é a razão mais óbvia para explicar o desempenho pouco profícuo do novo executivo comunitário até à data. Mas, paradoxalmente, esta crise sem precedentes que a Europa enfrenta pode também proporcionar a primeira grande vitória à ‘nova’ Comissão, se os líderes dos 27 chegarem a acordo em torno do seu pacote de propostas para a recuperação socioeconómica da Europa.
Até ao momento, o desempenho de Von der Leyen tem sido turbulento, marcado também por várias ‘gaffes’ da dirigente alemã, que ainda não domina a arte da comunicação em Bruxelas, apesar de ter contratado uma empresa privada de relações públicas, um de diversos episódios por si protagonizados a gerar polémica no meio comunitário.
Em boa verdade, a polémica em torno da presidente da Comissão Europeia teve início desde logo com a sua escolha, tendo Von der Leyen sido eleita há um ano, 16 de julho de 2019, pelo Parlamento Europeu, com a mais curta margem de votos que alguma vez um presidente do executivo comunitário recebeu.
Na sequência das eleições europeias de maio de 2019, supostamente celebradas sob o modelo de ‘Spitzenkandidat’ [candidatos principais] – cada família política europeia apresentou um candidato para a presidência da Comissão, tal como em 2014 -, foram necessárias ‘maratonas’ negociais para a escolha dos nomes para os lugares institucionais de topo, dada a falta de entendimento entre os 27.
O Partido Popular Europeu (PPE), uma vez mais a família política mais votada, rejeitou a designação do socialista Frans Timmermans para suceder a Jean-Claude Juncker – embora esta fosse uma solução apoiada pela chanceler Angela Merkel -, enquanto os socialistas europeus rejeitavam liminarmente aceitar o nome de Manfred Weber, o ‘spitzenkadidat’ dos conservadores.
A solução encontrada foi uma ‘outsider’, a então ministra da Defesa alemã, Ursula von der Leyen (também do PPE), numa escolha muito criticada por diversos quadrantes, com o Conselho Europeu a ser acusado de voltar a tomar as decisões nos bastidores, em desrespeito pelos princípios democráticos e pelo princípio dos «candidatos principais», uma crítica corroborada pelo ex-presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker.
Em 16 de julho, Von der Leyen acabaria por receber o ‘aval’ do Parlamento Europeu, com o voto favorável de 383 eurodeputados, somente nove acima da maioria que necessitava (374), a margem mais curta alguma vez obtida por um presidente da Comissão.
Eleita a primeira mulher a liderar o executivo comunitário, Von der Leyen viu também a sua entrada em funções ser adiada, face ao ‘veto’ do Parlamento Europeu a três dos comissários designados para o seu colégio, os candidatos de França, Hungria e Roménia.
Assim, o colégio, que integra a comissária Elisa Ferreira, responsável pela pasta da Coesão e Reformas, que deveria ter iniciado o seu mandato em 01 de novembro, acabaria por só receber a aprovação da assembleia em 27 de novembro, iniciando funções em 01 de dezembro.
A grande prioridade assumida desde início por Von der Leyen foi o clima, e a sua ‘bandeira’ o chamado ‘pacto ecológico europeu’, encontrando-se também no topo das suas prioridades preparar a Europa para a era digital e trabalhar com vista a uma economia ao serviço das pessoas.
A sua ideia era apresentar e pôr em marcha várias iniciativas nos primeiros meses de mandato, mas a crise sem precedentes gerada pela covid-19 e o «Grande Confinamento» paralisaram inevitavelmente os trabalhos, com todas, ou quase todas, as energias a serem dirigidas para o combate à crise sanitária, numa primeira fase, e às devastadoras consequências socioeconómicas da pandemia.
Sendo esta crise absolutamente externa e inopinada, a Comissão foi contudo também criticada pela gestão da mesma, sobretudo no início, designadamente pela falta de solidariedade dentro da UE para com Itália, o primeiro país europeu a ser fortemente atingido pela covid-19, tal como reconheceu posteriormente o próprio executivo comunitário.
Outro ‘passo em falso’ deu-se quando a Comissão só emitiu orientações comuns sobre o encerramento das fronteiras no espaço Schengen quando os Estados-membros já as estavam a fechar.
E os problemas repetiram-se, quando Bruxelas anunciou que iria publicar diretrizes para o ‘desconfinamento’ e foi forçada a recuar face à reação dos 27, que consideraram a divulgação do plano prematura e um sinal errado às populações.
Também na fase de resposta económica à crise da covid-19, Von der Leyen teve alguns momentos menos felizes, como quando se referiu aos ‘coronabonds’ como um “mero slogan” - provocando designadamente a indignação em Itália, o país que mais defendia a emissão de dívida europeia para financiar a resposta –, ou quando uma fuga de informação revelou uma proposta de retoma que estava a ser trabalhada na Comissão sem que os Estados-membros tivessem sido consultados, o que mereceu até um reparo da sua compatriota (e amiga) Angela Merkel.
No atual contexto de crise, Ursula von der Leyen, que vive na sede da Comissão Europeia – outra decisão alvo de críticas e ironia, quando foi anunciado que a dirigente alemã tinha optado por ‘construir’ um modesto apartamento no 13º andar do ‘quartel-general’ do executivo comunitário – continua sem ter margem para pôr em marcha o seu programa, encabeçado pela luta contra as alterações climáticas, mas que previa uma série de iniciativas noutras áreas no primeiro semestre deste ano, como a apresentação de um novo Pacto Migratório.
Todavia, pode ser precisamente a crise a proporcionar a Von der Leyen o seu primeiro grande feito à frente da Comissão, caso haja um compromisso em torno da sua ambiciosa proposta de um Fundo de Recuperação de 750 mil milhões de euros, associado a um orçamento plurianual para 2021-2027.
Têm a palavra os chefes de Estado e de Governo da UE, que se reúnem em Bruxelas a partir de sexta-feira.
Comentários