O Sporting entrou em 2020 encarando a realidade europeia sem o antigo capitão — Bruno Fernandes já brilha para os lados de Old Trafford —, mas não quer isso dizer que as aspirações leoninas fossem menores. Afastado das contas do título e eliminado precocemente da Taça de Portugal, era com naturalidade que o foco estivesse direcionado na realização de uma boa campanha na Liga Europa. Porém, fora de portas a nível internacional, a época não tem sido brilhante — e hoje não foi diferente.

O Sporting CP tem vindo a realizar exibições com selo vitorioso e com vários momentos de qualidade. Battaglia parece ter cimentado o seu lugar com o seu companheiro sul-americano no centro do terreno, o brasileiro Wendel, e Vietto parece cada vez mais entrosado com os colegas na posição 10; a par, os jovens Gonzalo Plata e Jovane Cabral demonstraram nos últimos dois jogos a disponibilidade física para criar desequilíbrios à boleia da sua velocidade nas alas. Tudo isto, claro, sem esquecer que o novo reforço esloveno do ataque parece estar a engrenar nestes primeiros tempos de leão ao peito.

Sporar, de resto, tem demonstrado pontaria afinada nesta Liga Europa — à entrada para esta partida dividia o topo da lista dos melhores marcados com Daichi Kamada (Eintracht Frankfurt), Alfredo Morelos (Rangers) e o português Diogo Jota (Wolves) — com seis tiros certeiros. Antes de ingressar nos leões no último mercado, ao serviço do Slovan Bratislava, na fase de grupos, já havia marcado cinco e até já tinha feito o gosto ao pé contra outra equipa turca, o Besiktas.

Todavia, Jorge Silas avisou durante conferência de imprensa de antevisão — no canal do clube — que iriam haver alterações no onze inicial relativamente à partida frente ao Boavista a contar para o campeonato — e assim foi. Para a equipa portuguesa seguir em frente e chegar pela quarta vez aos oitavos, após 2009/10, 2011/12 e 2017/18, bastava perder pela diferença mínima. No entanto, o técnico avisou que não fazia pretensões de jogar com as linhas recuadas. Isto é, avisou que ia entrar em campo para fazer golos.

"A nossa ideia é chegar lá e fazer golos. Não sofrer golos cedo e tentar marcar. Acho que vamos criar muitas ocasiões. É importante chegar e fazer um golo", frisou. Traduzindo a coisa por números, foram quatro. Ou seja, o Sporting alinhou com Max, Tiago Ilori, Coates (em detrimento de Luis Neto), Acuña (para o lugar de Borja), Ristovski (no lugar de Rosier), Battaglia, Wendel, Jovane Cabral, Bolasie (substitui Plata), Vietto e Sporar.

O Basaksehir entrou esta quinta-feira em campo tendo a difícil tarefa de virar o resultado desfavorável (3-1) da primeira mão. O Sporting CP dominou esse encontro, mas o pénalti de Edin Visca dava esperança aos homens da casa. O pénalti e, diga-se, o modo como a equipa de Istambul chegou a esta fase a eliminar: uma vitória alcançada no último minuto do último jogo da fase de grupos frente ao Borussia Mönchengladbach na Alemanha — que recambiou os líderes da Bundesliga na altura para fora da competição.

Estas duas memórias e a liderança do campeonato turco conquistada na última jornada (se bem que com mais um jogo do que o 2º classificado, o Trabzonspor) davam alento ao conjunto orientado Okan Buruk (alguém que até sabe o que é ganhar a competição, pois fazia parte do plantel do Galatasaray que ganhou a Taça UEFA em 1999/2000, tendo sido titular na frente final contra o Arsenal). Assim, de forma a inverter os acontecimentos, o Basaksehir alinhou da seguinte forma: Mert Günok na baliza, Clichy, A. Epureanu, Visca, Elia, İrfan Can Kahveci, Demba Ba, Skrtel, Azubuike, Júnior Caiçara e Aleksić.

Em última análise, o técnico leonino já tinha alertado: o sistema do adversário podia ser diferente e iam existir novidades. "Pensamos que eles vão apresentar-se num sistema diferente, com jogadores que não apresentaram aqui [na primeira mão], inclusive o Robinho. Vão estar diferentes daquilo que foi o primeiro jogo", disse. Ora, vistas bem as coisas, Silas acertou na alteração do sistema (de 4x4x2 passou para 4x3x3), mas Robinho (36 anos) começou no banco.

Sporting vs Basaksehir
créditos: UEFA

Em casa, a contar para a Liga Europa, o registo da equipa de Istambul não tem sido muito famoso: em 13 jogos caseiros ganharam apenas três (mais cinco derrotas e cinco empates) e têm uma média inferior a um golo marcado nesses encontros (10). Por isso, não foi surpresa quando o onze de Jorge Silas subiu para o relvado do Estádio Fatih Terim para se deparar com uma entrada forte por parte do Basaksehir, que queria apagar a imagem que deixou em Alvalade.

E foi o que aconteceu. A linha do meio-campo do Basaksehir mostrava agressividade (tentava recuperar rapidamente a bola ainda no terreno leonino). Logo aos 7', Danijel Aleksic falhou um lance à boca da baliza de Max e que deve ter feito com que os adeptos dos leões tivessem de suster a respiração durante uns segundos. Gael Clichy (que fazia o jogo 100 pelos turcos após ter feito o mesmo pelo Arsenal e Manchester City) roubou a bola a Bolasie e fez um cruzamento ao segundo poste com conta, peso e medida. Porém, Aleksic atirou de cabeça por cima da barra.

O Sporting CP, a competir na fase a eliminar da Liga Europa pela oitava vez — um recorde que partilha com os holandeses do Ajax —, não encontrou aquele ambiente turco que por norma associamos a estas deslocações. É que o estádio do Basaksehir, apesar de novo e moderno, tem uma capacidade inferior a 20.000 pessoas e está (muito) longe de ter aquela atmosfera frenética de outros terrenos. As bancadas estavam despidas e não se entoavam os cânticos habituais por estas andanças.

A bola começou a rolar às 17h55. E jogados os primeiros 15 minutos, parecia que a turma de Silas tinha equilibrado o jogo e resfriado o sufoco inicial. Mas esse equilíbrio parece ter tido um aparecimento esporádico. Isto porque a equipa turca circulava a bola (dominando em termos de posse) e encostou o Sporting CP à sua área durante grande parte da 1ª parte. Nem sempre terminava as jogadas da melhor da forma, mas a verdade é que nesta tarde chuvosa parecia não haver espaço para grandes momentos de futebol. E os poucos que existiram começaram quase todos eles saídos do pé esquerdo de Clichy. Só que, como diz o ditado, água mole em pedra dura tanto bate até que fura. E o Basaksehir chegou mesmo à vantagem na sequência de um canto.

O canto é batido do lado direito, Demba Bá ganha posição (a Sporar) no primeiro poste e desvia de cabeça para a defesa de Max; a bola, no entanto, ressalta para o molho de jogadores instalado na pequena-área. Um dos jogadores que lá estava para fazer a recarga era o experiente central Skrtel que, de cabeça, atira entre as pernas do guarda-redes leonino e inaugura o marcador. Porém, um mal nunca vem só. O Sporting CP tentou reagir, mas o máximo que conseguiu foram dois lances protagonizados por Acuña: um ao executar um livre direto à figura do guardião turco (25'), outro em que merecia mais (e onde até mandou um elegante cabrito no defesa) mas que acabou por ver o remate defendido (39').

Portanto, não se pode dizer que foi uma grande surpresa quando o Basaksehir faz o segundo e se colocou à frente da eliminatória quase à chegada do intervalo (45'+1). Até porque Demba Ba já tinha ameaçado (29') após erro de Acuña, em que a bola só não fez balançar as redes porque Max negou com os pés o tento. No entanto, diga-se, o golo chegou devido a um gesto técnico irrepreensível de Danijel Aleksic. É verdade que Max parece ter avaliado mal o lance, mas não se pode dizer que a conversão do livre fosse outra coisa que não bem executada. O jogador sérvio não cruzou para área, mas bateu direto para o poste mais distante e enganou Max. Ou seja, o Sporting CP ia para os balneários em desvantagem na eliminatória e tinha de entrar com outra atitude para seguir em frente na Liga Europa.

Na metade, o conjunto de Jorge Silas foi atrás do prejuízo — tal como os turcos tinham começam a partida.  Vietto ameaçou logo nos instante iniciais após responder da melhor maneira a um cruzamento de Ristovski aquilo que iria fazer aos 68': um golo. E logo quando a partida parecia adormecida, estagnada e que iria ser mais do mesmo. Se há alturas boas para marcar um golo, este de Vietto simbolizou na perfeição esse momento. Um novo golo dos turcos podia fazer com que o Sporting CP perdesse fulgor anímico para continuar, um golo no sentido contrário galvanizava os leões.

O chip parece ter mudado com a entrada de Plata por Bolasie aos 60'. Isto porque o jovem conseguiu fazer uma coisa que até então parecia missão impossível: uma boa combinação entre duas peças do ataque. A jogada deu-se na esquerda, Acuña e Plata trocaram e trataram a redondinha como deve de ser até o argentino a cruzar para o coração da grande área. Quem é que lá estava para colocar o Sporting CP de novo em vantagem na eliminatória? Vietto, de cabeça, não só fez um bom golo — ainda que estivesse sem qualquer marcação — como acordou a turma verde e branca. Foi o seu sétimo golo na temporada e o 2º na Liga Europa.

Tal aconteceu porque o Basaksehir não conseguiu ter a bola ou voltar a criar lances de perigo. Os jogadores estavam quase todos no ataque, mas completamente desinspirados. Okechukwu Azubuike fez um jogo tremendo, mas foi perdendo fulgor com o passar dos minutos e com o domínio do Sporting CP no meio-campo — pela primeira vez na partida. Kahveci, o seu parceiro na zona central, não estava a jogar nem bem nem mal; parecia estar simplesmente em campo a tentar fazer qualquer coisa. Eljero Elia, no flanco, também pouco ou nada acrescentava à linha mais avançada. Demba Ba não conseguia fazer golo.

Ou seja, após o golo de Vietto, o jogo foi quase todo ele disputado com o domínio da equipa portuguesa e os lances de perigo pertenceram todos à equipa de Silas. Por esta altura tinha mais remates enquadrados, bola e controlo de jogo. A quem assistia à partida, parecia que a eliminatória estava resolvida e que a equipa turca já não conseguia dar o último suspiro.

Até Idrissa Doumbia já tinha entrado em campo (aos 73' em troca com um apagado Jovane Cabral) para desviar a bola à barra (88') numa altura do jogo em que Basaksehir parecia que já tinha gastado a maioria da energia que dá força às suas pernas — enquanto os leões desperdiçavam oportunidades. A jogada foi de Plata — entrou bem — e o médio subiu à coração da área para encostar, mas teve falta de destreza nos pés para matar o jogo. Pouco depois, foi a vez de Battaglia decidir mal e tentar o remate enquanto estava em vantagem numérica num perigoso contra-ataque. A seguir, aos 90', foi Sporar que, sozinho e com tempo de sobra para olhar para o guarda-redes e perguntar para que lado é que ele queria que rematasse, enviar a bola para as nuvens.

Contudo, já se sabe como é que funciona o mundo do futebol: quem não marca, sofre. E a displicência custou caro aos jovens da frente. Já com Fredrik Gulbrandsen (entrou para o lugar de Eljero Elia) e Robinho em campo (rendeu Kahveci), o homem que marcou de pénalti em Alvalade viria a aproveitar a passividade da defesa leonina e levar o jogo para prolongamento. Sem qualquer necessidade. Plata estava longe e Ristovski deixou Visca na esquerda, sozinho e sem vigilância, flectir para o meio e, à vontade, rematou cruzado de fora de área para fazer mais um bom golo. Aos 91' do encontro.

Assim, com 4-4 no agregado das duas mãos, o jogo seguiu para a etapa complementar. E da última vez que o Sporting CP se viu nesta situação, em 2017/18, frente ao Plzen, seguiu em frente. Só que hoje o herói virou vilão. Se Vietto até estava a ser o melhor elemento da sua equipa e marcou o golo, foi também ele quem carregou Junior Caiçara dentro da área, aos 188', praticamente a terminar o prolongamento.  O argentino tentou cortar a bola, mas a sua abordagem ao lance foi imprudente. Visca, chamado a marcar, não desperdiçou e disparou um míssil sem cerimónias.

Utilizando uma expressão popular, o Sporting CP "morreu na praia". Levava uma vantagem de dois golos para a Turquia, marcou um golo e teve o jogo na mão durante um bom período da 2ª parte. Mas a realidade é que tudo isto não foi suficiente. No cômputo geral, a exibição da equipa verde e branca foi demasiado cinzenta. Quando o avançado adversário não marca num punhado de situações e se, em contrapartida, à frente da baliza do adversário, os leões mostram demasiada displicência quando surgem as oportunidades para matar o jogo, não pode dizer que a segunda eliminação consecutiva nos dezasseis avos da Liga Europa venha com grande choque. No entanto, não havia necessidade porque a equipa portuguesa tinha condições — e jogadores — para fazer mais e ultrapassar o conjunto turco.

Contudo, a verdade é que Sporting saiu goleado (4-1) do Estádio Fatih Terim e está eliminado da Liga Europa (5-4 no conjunto das duas mãos a favor dos homens da casa).

Bitaites e postas de pescada

O que é que é isso, ó meu?

Acuña não é um daqueles jogadores que se possa dizer que "anda a dormir" em campo. Antes pelo contrário. O argentino é conhecido por ser uma carraça e ter o sangue a ferver. É uma característica muito sua e que, mesmo quando as coisas estão más, faz dele um jogador válido porque não desiste. Qualquer treinador ou adepto não fica indiferente com uma personalidade assim. Porém, aos 29', Demba Ba só não abriu o marcador porque Max fez uma defesa in extremis, já que Acuña deixou-se, lá está, dormir, e não viu o avançado senegalês nas costas.

Max, a vantagem de ter duas pernas

Esta crónica fala muito em Max, mas é por bons motivos . É que o jovem leonino esteve nos lances mais relevantes do jogo. Tirando o lance do 2º golo dos turcos, não há muito que se possa apontar ao guarda-redes. Especialmente quando — mais uma vez — negou o golo a Demba Ba desta maneira. Primeiro com peito num remate rasteiro, depois com a perna na recarga do avançado da equipa turca. Foi aos 56'. Grande intervenção, grande defesa e que salvou o Sporting CP numa altura importante. Também na primeira parte do prolongamento, voltou a ser decisivo. Só faltou defender o penálti.

Fica na retina o cheiro de bom futebol

É sempre complicado ajuizar este tipo de lances. No entanto, entre amigos, não é difícil de prever as conversas que vão existir: uns dirão que Max podia ter feito mais, outros dirão que se tratou de um golo de levantar o estádio e que não havia muito a fazer. Fosse como fosse, não se pode dizer que não foi intencional ou que não fosse bem batido. Foi e deu azo a um golo de belo efeito. Cabe a curiosidade de ter sido o 1.º golo de Aleksic nas competições europeias europeias e também o 1.º golo de livre da equipa turca.

Nem com duas balizas a bola entrava

Demba Ba não teve um dia particularmente feliz. Se é verdade que o senegalês é conhecido por ter sido o jogador que marcou golo na sequência da escorregadela mais azarada da história da Premier League — sim, falo do lance de Steven Gerrard —, a verdade é que este final de tarde o avançado esteve com azar. Ou, melhor, esteve sempre inferior na "batalha" particular que disputou com Max. Há dias em que parece que um avançado está destinado a marcar e qualquer chouriço dá em golo. No entanto, hoje, não foi definitivamente esse dia. Foi exatamente o oposto. Aquilo que fica desta partida — e de Ba — é a impressão de que nem com duas balizas conseguia fazer o gosto ao pé — ou à cabeça.