A derrota do Internacional contra o América MG fez com que o Palmeiras suba ao relvado esta madrugada contra o Fortaleza sendo já campeão, a três jornadas do fim.

A Liga, com 38 jornadas espalhadas ao longo do ano, premeia sempre a melhor equipa, ou melhor, a equipa que é mais constante por toda a época. Faltava este título para completar e coroar a passagem de Abel Ferreira pelo Palmeiras e, talvez, seja o que melhor demonstra o seu trabalho no Verdão.

Apesar de o Palmeiras já ser uma força dominante no futebol brasileiro, em 2020, quando Abel chegou, nem o mais otimista previa uma sequência de tantos sucessos. Potência financeira, a par do Flamengo, o Palmeiras disputava como favorito a maioria dos títulos, mas tinha alguma dificuldade em manter a regularidade esperada para o alto investimento feito. Nos bastidores, o clube organizava-se e estruturava a gestão mais profissional do país. Mas em campo, ainda se via ofuscado pelo Flamengo.

Foi talvez inspirado no próprio sucesso do rival com um treinador português que o Palmeiras apostou em Abel, até então desconhecido em terras tupiniquins. E, desde a sua entrevista de apresentação, quando Abel prometeu recuperar a identidade do clube, apoiada no sucesso do passado, o treinador demonstrou compreender e saber cativar o torcedor.

E foi justamente o que fez. Tão dominante quanto a antiga Academia ou bem-sucedido quanto o Palmeiras dos anos 90, recheados de dinheiro da Parmalat, esta equipa de 2020-2022 entrará para a história do clube. Durante toda a sua passagem, Abel conseguiu manter o nível de competitividade, concentração e gerir um plantel que teve sempre fome de vencer.

Já estava na história como um dos poucos a vencer duas Libertadores seguidas, mas agora ostenta medalhas dos primeiros lugares do Campeonato Paulista, da Taça Libertadores, da Copa do Brasil, da Recopa e do Brasileirão. Faltou o Mundial, mas por mais que esse seja um sonho do palmeirense, a distância para o futebol europeu, por enquanto, torna este título praticamente impossível. E olhem que ele e a sua equipa deram luta contra o Chelsea.

O que fez Abel ser tão bem sucedido? Foram os seus pontos fortes enquanto treinador. Estudioso, Abel preparou-se para trabalhar no Brasil. Encantou a imprensa brasileira quando citou ser fã de Telê Santanta, deu aulas táticas em conferências de imprensa pós-jogo, criou uma equipa com muito repertório tático para alternar, durante as partidas, a forma de jogar e, principalmente, foi um craque na gestão do grupo. 

O Palmeiras de Abel não tem um craque símbolo das vitórias. Mas tem uma alternância de destaques jogando, possivelmente, acima das suas capacidades normais. Gustavo Goméz, Weverton, Danilo, Dudu, Rony, Scarpa, Veiga… todos tiveram momentos de liderança técnica. Marcos Rocha, Mayke, Murilo, Zé Rafael… os atores secundários também decidiram muitos jogos. Abel Ferreira criou um plantel melhor do que um onze. Não havia espaço para estrelas, como ficou claro com os jovens que perderam espaço durante a época por se deslumbrar.

Abel dedicou-se ao Palmeiras e cativou os seus torcedores. Deu muito, mas recebeu muito em troca. É idolatrado pelos palmeirenses. Está no quadro de honra do clube e discute-se se é o seu maior treinador de sempre. Só a distância histórica permitirá medir o peso exato dessas conquistas, mas ele tem os argumentos para pleitear este lugar na história do clube. 

O que reserva o futuro? Difícil prever. A sua dedicação ao Palmeiras e a construção de um espírito de luta, como disse, “contra tudo e contra todos”, criou uma certa resistência com os torcedores rivais. A sua postura nas conferências de imprensa passou a ser vista como um pouco arrogante e professoral por parte dos media. As constantes expulsões do banco em jogos durante o ano também o colocaram nos holofotes. Abel briga pelo seu Palmeiras, mas cria inimigos imaginários para isso algumas vezes.

Isto dito, a vaga no cargo de treinador da Seleção Brasileira em 2023, com a já anunciada saída de Tite após o Mundial, seria o alvo para vôos mais altos pelo Brasil caso não queira continuar o trabalho no Palmeiras após ter ganho praticamente tudo o que podia. Mas teria alguma resistência e forte competição pelo cargo.

Por outro lado, manter uma equipa neste nível de excêlencia por mais uma ou duas épocas também é um desafio enorme e ele, com o grupo na mão, tem potencial para aumentar o cúrriculo da sua passagem pelo Palmeiras. Talhar a jóia que é Endrick, de 16 anos e futuro craque do Brasil, renovar o plantel e lutar por mais uma Libertadores também é um desafio aliciante para a próxima época; afinal de contas, tem contrato até 2024.

Mas, inevitavelmente, as portas para o retorno ao futebol europeu estão mais do que abertas para este português que conquistou o Brasil vestindo verde. Abel tem espaço para continuar a desenvolver-se como um grande treinador por aqui.

Quando chegou, Abel era um promissor treinador, mas uma aposta. Hoje, Abel é uma realidade. Um dos melhores treinadores da América do Sul, ao lado de Gallardo. O melhor do Brasil nos últimos tempos. Estará para sempre na história do seu Palmeiras. Aos 43 anos, aceitar o desafio de atravessar o Atlântico não poderia ter corrido melhor. Abel tem as portas abertas para o mundo, mas também tem as portas abertas para ficar no Brasil. E escolherá, como sempre diz, com a “cabeça fria e o coração quente”.