“Sou alentejano. A última vez que nevou em Évora foi em 2004. E foi pouco”. Um bem-disposto José Cabeça falava a rir de assuntos que lhe merecem a maior das seriedades. Aos 25 anos, estreia-se nos Jogos Olímpicos de Inverno.

Pequim, capital da China, é o local para onde parte amanhã junto da comitiva portuguesa composta por Vanina Guerrilot de Oliveira, atleta lusodescendente de 19 anos e Ricardo Brancal, 25 anos, também eles novatos nas competições dos oito anéis.

Apresentaram-se em conferência de imprensa, realizada hoje na sede do Comité Olímpico de Portugal (COP), em Lisboa. Viajam para Pequim no dia de abertura do Ano Novo Chinês. Quando aterrarem, verão, pela primeira vez a Aldeia Olímpica e os locais de competição.

Para José Cabeça, triatleta e praticante de esqui de fundo, tudo é uma novidade nos solos pintados de neve. “Até 2020 nunca tinha feito esqui e fui procurar informações”, anunciou aos jornalistas presentes no auditório do COP, numa conferência de imprensa de apresentação da Equipa Portugal, alinhada com as mais apertadas regras de segurança sanitária: atletas num púlpito, de máscara e sem se misturarem com a plateia.

“Sou tão novo que tenho quatro provas internacionais de neve”, revelou antes de partir para a XXIV edição dos Jogos Olímpicos de Inverno.

A treinar na Noruega nos últimos dois meses (orientado por Ragnar Bragvin Andresen) trilhou um caminho “até lá sozinho”, confidenciou. “Tenho menos de cinco meses de neve na minha vida”, assumiu. “Se pudesse ganhar, ganhava mas não é só querer”, disse. José Cabeça aponta “fazer o meio da tabela e para os próximos jogos será diferente” .

O atleta alentejano sonha com os Jogos Olímpicos “desde os seis anos” e viu a porta olímpica abrir-se nos desportos de inverno, enquanto reconhecendo ser difícil fazê-lo no triatlo, modalidade na qual se estreou aos 17 anos. “Não conseguia chegar a este nível”, assumiu. 

Yanqing, Zhagjiakou e Pequim

A competição decorre entre os dias 4 e 20 de fevereiro em Yanqing, Zhagjiakou e na capital da República Popular da China. 14 anos depois de Pequim sediar os Jogos Olímpicos de 2008, torna-se na primeira cidade a organizar uma edição de Verão e outra de Inverno.

Ricardo Brancal fará a sua estreia nas olimpíadas dos Desportos de Inverno. Soma um quarto de século, e, desde cedo, dedicou-se ao desporto. Foi jogador no ténis, mas é de esquis, botas calçadas e bastões nas mãos que tem vindo a destacar-se.

Treina desde há dois anos em Itália ao lado de um trio de treinadores: Massimo Longhi, Marco Frilli e Sérgio Figueiredo. “As grandes potências do esqui Alpino são a Áustria e a Noruega. Fazem esqui desde pequeninos”, compara. Apesar das diferenças, quer mostrar que “é possível singrar num desporto onde não há tradição”, aponta.

“Ficar no top-50 seria o objetivo ou superar o meu colega (Arthur Hanse, 38.º, em slalom), em 2018, mas será difícil, pois o nível que ele tinha em 2018 é superior ao que tenho neste momento”.

Vanina Oliveira, de 19 anos e lusodescendente — nascida em França, sendo filha de mãe portuguesa (também ela nascida em França) e pai francês (instrutor de esqui) —, a mais cotada da comitiva nacional, exprimiu-se em francês e assumiu ser um “orgulho representar Portugal”. É treinada por Yannick Guerillot.

Suar a camisola e honrar a bandeira sem promessas de medalhas

Os três atletas nacionais são estreantes na competição que reunirá cerca de 3000 atletas, em mais de 100 provas espalhadas por 15 disciplinas olímpicas.

Quando comparado com outras Missões Olímpicas, José Manuel Constantino, presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP), justifica o número reduzido de atletas, contabilidade essa alinhada com as anteriores oito participações portuguesas, a primeira das quais há 70 anos, Oslo 1952, durante os VI Jogos Olímpicos de Inverno.

“A presença reduzida deriva que a prática de modalidades de desportos de inverno é escassa. Superar nas modalidades de pavilhão (ao ar livre estão mais dependentes) que permitam superar o défice e ter uma participação mais robusta do que têm tido”, são os caminhos que o presidente do COP deixa para o futuro.

Para o presente, outras preocupações se levantam. “Vamos enfrentar uma realidade muito severa e mais severa do que foi em Tóquio. Teremos regras mais pesadas e limitativas do que em Tóquio, onde já foram complexas”, antecipou, referindo-se à luta contra a pandemia da Covid-19. “Que possam competir. É sinal que lá chegaram”, desejou José Manuel Constantino.

Pedro Farromba será o chefe de Missão Olímpica. Deixa uma promessa. “Suar a camisola e honrar a bandeira”, de Portugal e da Diáspora, garantiu o chefe de missão.

O objetivo não passa por medalhas, mas sim por consolidar o projeto de “melhorar edição após edição. “Não prometemos medalhas. Há milhares de atletas a praticar desportos de inverno em todo o mundo. O facto de três portugueses atingirem os mínimos (de qualificação para Pequim2022) é, já de si, uma vitória”, disse referindo-se às condições naturais que Portugal (não) tem.

Tal como os três atletas, Pedro Farromba pisará solo chinês, a Aldeia Olímpica e o local das provas pela primeira vez depois de um ano de acompanhamento online.

A novidade na Equipa Portugal será um Oficial de Ligação Covid, Pedro Flávio, responsável pela parte logística que a pandemia exige. Viajam também os treinadores Yannick Guerillot (Vanina), Sérgio Figueiredo (Brancal) e Ragnar Bragvin Andresen (Cabeça) e o fisioterapeuta, Tiago Rosa.

Vanina Oliveira é a primeira a entrar em ação. A 7 de fevereiro (slalom gigante) e dois depois, a 9 (slalom). Segue-se José Cabeça, a 11 (15 km clássicos), e Ricardo Brancal, a 13 (slalom gigante) e 16 (slalom).