Thiago Alcântara é o tipo de jogador que prima não só pela rapidez de execução, mas como pela elevada percentagem de sucesso em passes de risco. A qualidade do médio criativo é ímpar e a procura do passe vertical é a razão pela qual Klopp e o Liverpool o queriam tanto na equipa. Após construção de um plantel que é praticamente imbatível, o treinador alemão e os responsáveis técnicos pelo scouting do clube de Anfield resolveram acrescentar uma qualidade que, até então e com esta dimensão, não existia no meio campo do campeão inglês.
A diferença para Philippe Coutinho
Já tive a oportunidade de dizer várias vezes que foi a saída de Philippe Coutinho, no início de 2018, que permitiu ao Liverpool expandir os seus horizontes. Construiu um meio campo mais forte fisicamente, adicionou qualidade à defesa com o dinheiro da venda do brasileiro — com a contratação de Virgil van Dijk — e tornou-se em pouco tempo numa equipa extraordinariamente eficaz e difícil de vencer, ou mesmo controlar.
No entanto, a qualidade de que Coutinho dispõe nunca esteve nem estará em causa. Trata-se de uma questão de assentar, ou não, num modelo de jogo e numa posição que necessita de requisitos que o jogador, neste caso, não oferecia. Tivesse sido Coutinho uma opção para o trio da frente e o debate tomaria um novo rumo. Contudo, foram mais as vezes que Klopp utilizou o médio brasileiro como um número 10 clássico, como um terceiro homem no meio campo — e isso desequilibrava bastante a equipa aquando da perda de bola.
O poder de fogo do Liverpool, no contra-ataque, é suficiente com os três homens da frente, devido às suas reconhecidas qualidades. Já apenas dois médios para encurtar as linhas nesse mesmo contra-ataque não eram suficientes levando aos problemas de equilíbrio aquando da perda de bola. Era esse um dos principais fatores da inconsistência do Liverpool e foi um dos problemas que desapareceu com a saída de Coutinho.
Três dados estatísticos frente ao Chelsea que ajudam a perceber a importância de Thiago no Liverpool 2020-21:
- 75 passes completos. Mais do que qualquer outro jogador do Chelsea, sendo que Thiago apenas jogou 45 minutos e a maioria dos jogadores do Chelsea, jogaram 90. Matteo Kovacic, o Blue que mais passes efectuou, completou 58;
- Desde o início da recolha de dados estatísticos sobre ‘passe’ na Premier League (em 2003), os 75 passes completados em 45 minutos por Thiago são o máximo alguma vez atingido por um jogador em apenas uma parte de um jogo da Premier League;
- Os seus 10 passes longos completos (de 12 tentados) são igualmente record da liga esta temporada, por parte de um jogador de campo. Apenas ultrapassado por Illan Meslier, guardião do Leeds United que contabilizou 12.
Uma das premissas que se poderá assumir, com a entrada do jogador, é a de que o Liverpool perderá em potência e capacidade física. Isto é verdade e mentira, mas mais mentira do que verdade. O que Thiago poderá perder em velocidade para Keita ou capacidade aérea para Wijnaldum, ou garra para Henderson e Milner, ou leitura de jogo para Fabinho, compensa em muitos outros aspectos. Não só compensa como não perde assim tanto para os mencionados — é que a sua leitura de jogo, antecipação, garra e determinação e inclusivamente jogo aéreo, não ficam assim tão atrás dos seus companheiros de equipa.
“Temos que ser imprevisíveis e o Thiago dá-nos essa mesma imprevisibilidade” Pep Lijnders, Treinador Adjunto de Jürgen Klopp.
Como se poderá verificar neste vídeo, todos esses aspectos existem no jogo de Thiago. Se nos focarmos nos aspectos e capacidades ofensivas que o médio criativo trará aos Reds, então aí o híspano-brasileiro sai na frente de qualquer dos seus companheiros de equipa, como sublinhou o treinador adjunto de Klopp.
Contudo, principalmente em momentos de perda de bola e de contra-ataque das equipas adversárias, o Liverpool poderá definitivamente perder alguma capacidade de recuperação, caso essa recuperação tenha que ser feita em perseguição de jogador e não em interceção de passe. Uma vez que na segunda Thiago é exímio. Sempre que haja oportunidade de cercar o adversário após perda da bola, fá-lo-á na perfeição, como é exemplo disso o minuto 4:55 onde não dá nem tempo nem espaço a Kante. Por outro lado, sempre que o adversário tenha mais espaço e a perseguição tenha que ser feita, é aí que Thiago poderá perder para outros elementos do meio campo do Liverpool.
Dito isto, a ideia de Klopp é contornar esta lacuna com a redução de oportunidades para o adversário contra-atacar, um pouco à semelhança de outras equipas, em particular o City na Premier League. E, para isso, o treinador alemão quer um Liverpool de mais posse, que se permita negar a bola ao adversário e assim criar mais e desgastar-se menos ao longo da época.
Irá o Liverpool mudar para pior, com a introdução de Thiago Alcântara?
Fará sentido dizer que com a entrada de um jogador mais criativo para o trio de meio campo, à semelhança do Liverpool de Philippe Coutinho, de que os Reds poderão regredir? Definitivamente não! A principal razão para tal é a de que Thiago e Coutinho são jogadores completamente diferentes. Se em Coutinho víamos transições com a bola no pé, diagonais da esquerda para a direita a terminar com um remate de pé direito em arco a entrar no ângulo superior direito do guarda-redes e combinações rápidas à entrada da área, com Thiago não será assim. No contra-ataque, Thiago será o catalisador de oportunidades, com um passe inicial a encontrar os jogadores mais rápidos da equipa, em vez de ser o transportador de bola. As diagonais poderão existir mas a norma mais frequentemente acabará por ser um passe milimétrico para um colega de equipa em excelentes condições para finalizar.
Thiago terá o papel principal de desconstrutor de equipas de joguem com um bloco mais baixo. E tal aposta, mais do que nunca, servirá o Liverpool na perfeição. Quer na Premier League, onde as equipa cada vez mais começam a temer o conjunto de Klopp, como na Liga dos Campeões que será, com toda a certeza, novamente prioridade do clube este ano.
Onde fica James Rodríguez nesta história?
James entra precisamente na comparação de Thiago com Coutinho e do Everton com o Liverpool. James está para o Everton como Coutinho estava para o Liverpool. É um jogador muito mais parecido a Coutinho que Thiago. Daí, ao saber da notícia da contração de James pelo Everton, terem soado de imediato alarmes e dúvidas, na minha cabeça, quanto ao benefício desta contratação por parte dos Toffees.
Isto porque, e ligando com o que foi dito acima, pensei que o Everton pudesse não ter aprendido com a recente transformação do seu arqui-rival e cometesse o mesmo erro que o Liverpool cometera épocas atrás. Tal como esse Liverpool, ter um jogador como James/Coutinho como um quarto homem da frente, dá direito a perda imediata de capacidade defensiva e não acrescenta, por aí além, capacidade ofensiva em contra-ataque. Mas tais suspeitas não se confirmaram. Pelas mãos do genial Carlo Ancelotti, James compõe o trio da frente e não o meio campo. Com isso, já sendo visível em apenas três jogos competitivos, as diferenças são abismais. Os movimentos do colombiano, descendo no terreno, criando superioridade numérica, explorando espaços, e controlando o ritmo de jogo, permitem assim as subidas de médios e laterais que beneficiam assim não só da velocidade com que abordam as linhas defensivas adversárias como dos passes milimétricos do fenomenal médio esquerdino.
James dá ao Everton não só qualidade, como um estatuto. A contratação do astro colombiano poderá entrar na história do Everton como uma que mudou o rumo do clube. É essa a importância que James poderá vir a ter nos toffees.
Em jeito de conclusão, o Everton não está a cometer o mesmo erro que o Liverpool após a chegada de Klopp, demonstrando uma de duas coisas: ou que aprendeu com o seu rival de Merseyside ou que Carlo Ancelotti, com mais experiência de Premier League hoje que Klopp aquando da sua chegada, tem uma perceção maior das necessidades físicas da liga, não se permitindo esbanjar qualidade ofensiva nem mesmo equilíbrio defensivo.
Por fim, um dado estatístico do trio da frente do Everton que nos faz pensar na forma de jogar de James e de jogadores semelhantes e das posições que devem ocupar no terreno. No jogo do fim de. semana passado, frente ao West Brom, Richarlison efectuou 15 sprints durante os 90 minutos, Calvert-Lewin 13 e James Rodríguez... 0 sim, zero. O que demonstra que a sua posição no terreno é ideal, que joga ao seu ritmo e o ajuda a transformar o jogo da equipa quer com golos, quer com assistências.
Esta semana na Premier League
A segunda jornada da liga inglesa rendeu 44 (!) golos e bateu recordes. Esta foi a jornada que mais golos teve em toda a história dos vinte e oito anos da competição. Até aqui, o recorde era de 43 golos, apontados na 26ª jornada da temporada 2010/2011. Da terceira jornada poder-se-á continuar a esperar mais emoção. No sábado, dia 26, o destaque vai para o Crystal Palace vs Everton, onde o meio campo dos últimos será colocado à prova. Com uma enorme capacidade de contra-ataque por parte do Palace, a gestão de ataque continuado do Everton terá que ser feita com pinças e a sua reação à perda terá que estar no ponto, caso queiram dar sequência à excelente entrada na Premier League 2020-21.
O outro grande destaque da terceira jornada da competição vai obrigatoriamente para segunda-feira. Pelas 20h00, o Liverpool recebe um Arsenal em grande forma, naquele que tem todos os ingredientes para se tornar num clássico da vigésima nona edição da Premier League.
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