De repente, e sem que nada o fizesse prever, os clubes favoritos a estar na frente, entraram em mini-crise. O Manchester City com uma vitória, um empate e uma derrota em três partidas e o Liverpool, já com uma derrota — e que derrota! —, parecem ter feito um favor a todos os que gostam de futebol e tornaram a vigésima nona edição da Premier League num parque de diversões para quem aprecia competitividade, espetáculo e golos.

Sendo este começo tão inesperado, qual a explicação para o mesmo? Existem várias e todas elas plausíveis, mas há uma, de entre as opiniões que tenho vindo a ler e ouvir, que me parece estar a ser analisada do ângulo menos correto. Analisemos primeiro as consensuais. 

As condições atípicas da liga têm sido uma das razões mais exploradas para tamanha turbulência de resultados. (Com razão, diga-se.) A inexistência de adeptos tem um impacto enorme no jogo. A competitividade, a recuperação de situações de desvantagem no jogo, a pressão de jogar contra equipas teoricamente mais fortes, são fatores reais e estão fora da equação futebolística desta época.

A juntar à lista, talvez não com consequências tão imediatas como as razões anteriores, temos o facto de quase não ter havido pré-época e, da mesma, ter sido antecedida por um período longo de "inatividade". O facto de esta ser também uma época mais curta — cinco semanas mais curta para ser mais preciso — terá, num futuro próximo, alguma influência. A aglomeração de jogos terá um impacto grande tanto no físico dos atletas como nas questões técnicas e táticas a treinar. Com menos tempo para treinar, menos atenção será dada a alguns aspetos importantes do jogo.

Todas estas razões são válidas e com as quais é difícil não concordar, pelo menos, parcialmente. Contudo, algo que tem sido alvo de consideração para o menor rendimento de City e Liverpool são as respetivas defesas e suas exibições. E é neste ponto que tenho que discordar do que tenho ouvido e lido.

Cada vez mais na Premier League, ou em qualquer outra liga do mundo, a estratégia é fundamental. A estratégia poderá passar por querer ter o controlo do jogo, jogar em contra-ataque, montar um bloco baixo, médio, alto, com ou sem pressão, e por aí em diante. Cabe ao treinador, de acordo com a sua filosofia, definir a forma como a equipa joga.

Com ligeiras diferenças na forma como o fazem, quer Liverpool quer City têm como objetivo principal ganhar a bola o mais adiantado possível no terreno. Com essa mesma pressão, ou ganham a bola e passam para a criação de oportunidades, ou forçam o adversário a jogar rápido, não tendo estes tempo para pensar, nem muito menos tempo para colocar elementos na frente. E é aqui reside o problema de que falamos hoje.

Têm as equipas de Guardiola e Klopp sido eficazes na forma como pressionam?

A verdade é que não. E daí as defesas de ambos estarem tão expostas ultimamente. Em ambos os casos a exposição das defesas nem tem sido tão notória no um para um ou na forma de lidar com os atacantes adversários ao nível técnico. O problema tem sido a exposição às bolas diretas dos adversários colocadas precisamente nas costas das defesas em causa.

Quer se defenda com um bloco baixo, médio ou alto, sempre que a bola esteja na posse de um adversário, um aspeto tem que ser levado em conta: há ou não pressão na bola? 

Golos sofridos pelo Liverpool na derrota por 7-2 frente ao Aston Villa

1-0 - Erro individual de Adrián;

2-0 - Fabinho chega tarde à pressão. Defesa não recua, bola nas costas da mesma, golo;

3-1 - Lance de contra-ataque após pressão pouco eficaz. Bola longa na frente, três para três dentro da área. O lance acaba em pontapé de canto. Do mesmo surge mais um golo para o Villa;

4-1 - Pressão ineficaz do Liverpool após perda de bola. Ross Barkley em velocidade no contra-ataque sem oposição, até ser parado em falta por Virgil van Dijk. Do livre surge um golo;

5-1 - Erro individual de Joe Gomes;

6-2 - Pressão eficaz do meio campo do Aston Villa;

7-2 - Bola perdida por parte do Liverpool. Pressão inexistente no jogador do Aston Villa em posse de bola, a defesa não recua no terreno, bola em profundidade, golo.

Se há, há que manter as linhas próximas e deixar que o adversário tente explorar o jogo pelo chão. Se não existir pressão, só há uma coisa a fazer pelos defesas: baixar a linha e permitir alguns metros de avanço sobre os atacantes caso a bola seja colocada entre si e o guarda-redes.

Se isso acontecer a equipa que ataca perceberá naturalmente que o espaço não está nas costas da defesa, mas sim na sua frente. Os avançados não se desmarcam nas costas e ao invés, colocam-se em posição de receber a bola no pé, entre a linha média e a linha defensiva, uma vez que a distância entre ambas acabou de aumentar. Este é também ele um problema, mas um problema ligeiramente menor. É tudo uma questão de prioridades e minimização de danos.

E tem sido precisamente aqui que as coisas não têm corrido bem aos dois maiores clubes ingleses da atualidade. Por um motivo ou por outro, a pressão das equipas tem sido menos eficaz. Jogadores chegam rotineiramente atrasados aos confrontos diretos, deixam ângulos de passe que anteriormente não deixariam e o castelo de cartas começa a desmoronar lentamente, acabando frequentemente com uma bola no espaço, deixando as defesas, que jogam naturalmente no limite da pressão e da armadilha do fora de jogo, expostas a situações em que já entram em desvantagem.

O denominador comum em ambos os jogos parece mesmo ser a pressão, ou, neste caso, a falta dela. Como vimos anteriormente, sem pressão dos elementos da frente e do meio campo, ou a bola é lançada nas costas da defesa ou o espaço oferecido acaba com lances de um para um ou de superioridade numérica — que eventualmente expõem outras deficiências defensivas que poderão existir. Aí, nessa caso, poder-se-á explorar as qualidades individuais dos defesas em questão — que existem —, mas sem corrigir os erros de pressão ou alterar a estratégia essa ideia é enganadora.

Golos sofridos pelo Manchester City na derrota por 5-1 frente ao Leicester City

1-1 - Fernandinho chega atrasado à pressão, deixando o Leicester sair a jogar. O lance acaba na área, com penálti;

1-2 - Três para três junto à linha lateral - posição na qual as equipas de Guardiola são conhecidas por serem letais a recuperar bolas. Pressão inexistente, lance acaba com passe no espaço, demarcação, cruzamento e golo;

1-3 - De Bruyne e Rodri a ver jogar, pressão inexistente e, com todo o tempo para pensar e executar o Leicester coloca uma bola na área. O lance acaba na área, mais uma vez com penálti;

1-4 - Circulação de bola do Leicester na ala esquerda, pressão tardia por parte de Kyle Walker e Rodri, deixando três jogadores das Raposas para um dos Citizens. Remate de Maddison que teve tempo para planear, executar e apreciar a obra de arte que tinha criado;

2-5 - Novamente falta de pressão no meio campo, e mais uma vez tempo e espaço para o Leicester colocar uma bola na área. O lance acaba, inevitavelmente, em penálti.

Principalmente o City, tem problemas na defesa, é verdade. Desde a saída de Vincent Kompany que não existe liderança. Rúben Dias parece ser a solução escolhida por Guardiola para, com Laporte, colocar ordem na defesa. O problema é que por muito que a liderança seja necessária, o problema atual, como acabámos de ver, não se resolverá com liderança na linha defensiva, mas sim com liderança na linha média e ofensiva. Poderá este ser um problema maior? Um problema de ciclo? Estaremos a começar a assistir a uma saturação dos jogadores aos métodos de Pep Guardiola? Quando se esperava que a motivação para reconquistar o título perdido na época passada estaria nos píncaros, o que se testemunha é uma equipa sem a mesma alegria em todos os processos do jogo. Ficam as questões.

Por último, um problema a juntar à pressão e à falta de liderança nos diversos setores. A filosofia de contrações, principalmente para as alas da defesa. Já com alguns anos de clube, Kyle Walker e Benjamin Mendy, por mais caros que tenham sido, são jogadores com muitas limitações técnicas e táticas. São ambos jogadores que beneficiam da posse de bola, do jogar na frente, das arrancadas em contra-ataque ou ataque rápido e das superioridades numéricas frequentemente utilizadas pela equipa, mas têm muitas dificuldades no processo defensivo. Testemunhamo-lo com não só frente ao Leicester, mas também frente ao Leeds, onde a equipa adversária propositadamente atacou os flancos para explorar essas mesmas fragilidades individuais. Parece que os 431 milhões de libras gastos, em defesas, por Pep Guardiola desde a sua chegada em 2016 poderão não ser suficientes.

Conclusão, existe muito mérito das equipas que têm conseguido resultados surpreendentes não haja dúvidas, principalmente depois de perceberem que é possível bater as equipas grandes, mas também é verdade que existe um decréscimo grande de rendimento das equipas grandes. Não tanto das exibições individuais, mas sim do conjunto. Da sua motivação e organização para defender a partir da frente, e esse papel não começa nos defesas. Quanto maior o número de lances com que os defesas têm que lidar, maiores as probabilidades de estes falharem ou serem ultrapassados física, técnica ou taticamente pelo adversário. Daí estarmos a assistir a um dos mais espetaculares começos de Premier League de sempre.