Na verdade, poucos campeonatos no mundo têm tanto impacto como a Série A. Ao longo de décadas, o futebol italiano já teve altos e baixos, já teve momentos de grande brilhantismo através de grandes eras (como a do Milan nos anos 90) ou do domínio dos clubes italianos nas competições europeias — até, sensivelmente, 2010, umas vezes com títulos e outras não tão recompensadas.
Também já passou por períodos negros, com os constantes casos de corrupção com principal destaque para o Calciocaos, provavelmente o maior caso de corrupção conhecido, que, em 2006, e pouco depois do último momento de glória da seleção italiana (conquista do Mundial daquele ano), ditou a condenação de clubes como a Juventus e a Fiorentina à descida à Série B.
A descida de nível subsequente
Pode-se falar que, a partir daí, houve uma queda na qualidade e competitividade do campeonato italiano, sendo que os clubes de Milão aproveitaram, até 2010/2011, para deixar a sua marca a nível interno e aproveitar aquilo que a Juventus deixou por conquistar (fruta da descida à Serie B e consequente recuperação) para eles mesmo conquistarem. O domínio do Inter de Milão refletiu-se, principalmente, na conquista do último título europeu por parte de um clube italiano, em 2010, com José Mourinho ao leme. Desde esse ano que tal não acontece. E não é por acaso.
O futebol italiano desceu muito o seu nível nos anos seguintes a essa conquista. Muitos clubes entraram em profunda crise (com Inter e Milan à cabeça), outros acabaram por conseguir levantar-se (como o Nápoles), mas a decadência do campeonato era uma realidade. Realidade, essa, que foi aproveitada pela Juventus para reconquistar o seu domínio perante tão fraca oposição e falta de competitividade. A Vecchia Signora neste momento é já hexacampeã, e sem qualquer ponta de dificuldade, diga-se.
A mudança do paradigma e uma luta a cinco pelo topo
Mas e este ano? Este ano temos a real Série A de volta. Um campeonato emotivo, como todos o conhecemos, que parece que quer (voltar a) dar um ar da sua graça. Tal reflete-se numa luta pelo título entre vários conjuntos que parece poder seguir até ao fim. A nível europeu, os bons desempenhos dos clubes romanos e da Juventus parecem também dar algum alento aos fiéis adeptos do campeonato, que pretendem ver, de novo, uma formação transalpina a ganhar uma das grandes competições europeias de clubes.
Os primeiros cinco lugares do campeonato irão ser disputados taco a taco até ao fim do campeonato, isso é uma garantia. Nesta época, é tudo menos garantido que seja a Juventus a conquistar mais um campeonato. Temos dois fortíssimos candidatos a poder destronar a Vecchia Signora: Inter e Nápoles.
No Inter, o destaque vai todo para Mauro Icardi, que parece querer levar a sua equipa às costas rumo ao título e assumir-se como um dos melhores "números 9" do mundo. No Nápoles, os holofotes estão podes apontados para mago do banco Maurizio Sarri (impossível não o fazer) e para Dries Mertens, os dois grandes obreiros da renovada equipa do Sul de Itália, que cada vez mais se vai afirmando no panorama europeu, ainda que tenha agora sofrido um pequeno revés com a saída da Champions precoce e entrada na Liga Europa.
No grupo dos primeiros cinco classificados, os clubes romanos seguem muito perto dos três da frente, com Simone Inzaghi, que orienta uma Lazio com um Immobile imparável, e Eusebio di Francesco, técnico de uma Roma com uma defesa impenetrável, a serem uma séria ameaça para os três favoritos.
Outro dos destaques é a Sampdoria, que tem feito um campeonato bastante interessante, lutando pela qualificação para as provas europeias, mas que segue já um pouco atrás da luta pelo Top 5. Além disso, mesmo que o Milan esteja a ser uma desilusão, com uma horrível prestação campeonato, não só para os seus pergaminhos, mas também perante as contratações de renome que, esperava-se, rendessem mais, é inevitável acreditar que o clube consiga também crescer nos próximos anos, aproximando-se da luta pelo título.
Sem dúvida que será esta luta a mais acompanhada pelos adeptos, na medida em que é a mais interessante, a que oferece mais qualidade e paixão. Por aqui demonstra-se realmente o crescimento das grandes equipas italianas, que pode começar a demonstrar-se na renovação que a seleção italiana tem obrigatoriamente de fazer depois do falhanço da qualificação para o Mundial de 2018.
A luta pela metade superior da tabela
No entanto, a luta pelo título e pelos lugares cimeiros não será a única a animar a Série A. Vejamos que temos três grandes grupos nesta Série A: o grupo de candidatos ao título/competições europeias, o grupo que luta pela classificação na metade superior da tabela e o grupo que luta pela manutenção. Entre o sétimo e o décimo segundo classificado, parecem existir seis equipas a lutar entre si para conseguir aspirar à primeira metade da tabela, com o equilíbrio notório entre conjuntos como a Fiorentina, Atalanta, Torino e até o Milan.
São equipas de nível médio/alto, que cada vez mais terão tendência a conseguir incomodar os grandes clubes nas suas lutas e que pretendem, acima de tudo, já que não será fácil conseguirem lutar pelo sexto lugar (uma Sampdoria autoritária e segura em casa está já a alguma distância), manter alguma da sua honra e consolidarem projetos a longo prazo. Aqui, destaque para Fiorentina e Milan, que muito mudaram o seu plantel este ano, numa construção que visou, acima de tudo, o futuro.
O Milan, destas equipas, é aquela que não deveria estar nesta situação, mas sim a lutar pelos lugares cimeiros. Mas depois de um início de época prometedor, a temporada tem-se revelado de pesadelo, com Vincenzo Montella a estar já fora do barco rossoneri e o carismático (mas que ainda não convenceu) Gennaro Gattuso a assumir o comando técnico da equipa.
A meio da tabela, a tranquilidade. Abaixo, uma guerra.
Temos ainda equipas como o Chievo Verona, Cagliari e a Udinese que, não sendo da parte inferior da tabela, não têm capacidades para muito mais que uma classificação tranquila e longe dos lugares de despromoção. No caso do Chievo, o clube está bastante estável e a morder os calcanhares às equipas do grupo que luta pela classificação na metade superior da tabela. No caso da Udinese, talvwz a equipa mais forte deste grupo de três, é possível pensar que pudesse ter capacidade para fazer algo mais, mas, nos últimos anos, não tem conseguido desempenhos como aqueles há sensivelmente uma década atrás, a colocaram como candidata a lugares de qualificação para a Liga dos Campeões. Ainda assim, principalmente no seu renovado estádio, perfila-se sempre como uma complicada equipa de bater.
Por último, chegamos a um terceiro grupo de equipas: o que luta pela manutenção. E aí temos, de novo, alguns conjuntos que parecem ter equilíbrio entre si: Génova, Sassuolo, Crotone, SPAL e Hellas Verona. O Benevento parece já que não conseguirá entrar nesta luta, se bem que é preciso esperar e ver se agora, com o recente ganho de confiança (empate com o Milan com um golo do guarda-redes no último minuto!), consegue erguer-se e transcender-se.
Na verdade, Génova e Sassuolo têm capacidades para muito mais do que lutar pela manutenção, quanto mais não seja pelas individualidades de cada equipa. Contudo, os últimos anos têm indicado dados bastante preocupantes para o Génova (com uma grande descida da notoriedade da equipa) e, no caso do Sassuolo, o conjunto praticamente não se reforçou para esta temporada e perdeu elementos importantíssimos (Lorenzo Pellegrini, Gregoire Defrel, o treinador Eusebio di Francesco), mantendo apenas Domenico Berardi, que, sendo uma das principais esperanças italianas, parece ter estagnado e é insuficiente para o clube fazer melhor.
Depois temos o Crotone, a SPAL e o Hellas Verona. Os dois últimos já se esperava que se encontrassem nesta luta, devido a serem recém-promovidos e terem plantéis inferiores às restantes equipas da Série A, sendo a SPAL inclusivamente estreante. Já o Crotone, depois do milagre que aconteceu no passado ano, está a fazer uma melhor primeira volta que em 2016/2017, mas também deverá sempre a tendência a manter-se nesta luta, pois não terá equipa para muito mais. No entanto, as três equipas parecem ser competitivas e capazes de pontuar e causar dificuldades a muitos adversários.
Com todas estas lutas a acontecerem a um ritmo frenético e cada jogo a ser disputado até ao último segundo (que o diga o Milan, para felicidade do Benevento e de Alberto Brignoli), o campeonato italiano está de volta à ribalta e a um nível muito semelhante ao dos restantes campeonatos europeus, mas com um toque mais açucarado de emoção e incerteza. Será um deleite para os adeptos acompanharem a Série A até maio, e, para bem do futebol italiano, esperemos que esta renascença seja para ficar e para reconquistar a Europa.
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