A LaLiga e a corrida ao espaço

Se a edição da liga espanhola que já começou tivesse algum equivalente histórico, seria a corrida ao espaço que decorreu entre os EUA e a União Soviética durante a Guerra Fria. Tanto num caso como no outro, tratam-se de superpotências a investir somas astronómicas para garantir a supremacia, no espaço ou no relvado. Diz muito sobre a magnitude do mercado de transferências dos tubarões espanhóis quando apenas o pódio das suas contratações mais caras iguala os top 5 das restantes ligas ou ultrapassa-os largamente.

Se este tipo de rivalidade costuma assentar num binómio — EUA vs União Soviética, Real Madrid vs Barcelona —, no segundo caso apareceu um novo concorrente nestas lides das compras astronómicas. Aquisição especialmente sentida deste lado da fronteira (por razões óbvias), João Félix é a maior compra de sempre do Atlético Madrid (e deste mercado, até à data), materializada com a passagem de 126 milhões de euros (ME) para o Benfica.

Contudo, os outros dois colossos também tiveram uma palavra a dizer neste defeso. Aliás, nestas maquinações transferenciais, diz-se que o Atlético dificilmente teria comprado Félix se não tivesse vendido Antoine Griezmann ao Barcelona por 120ME, negócio de parto difícil e acusações de cada lado. Curioso é que, em matérias de bem gastar, o Real Madrid tenha sido algo eclipsado, isto quando sacou das notas gordas para desembolsar 100ME pela sua antiga paixão, Eden Hazard, ao Chelsea.

As duas restantes transferências supermilionárias da LaLiga deste ano, de resto, são da responsabilidade dos suspeitos do costume. Depois de encantar o mundo do futebol no Ajax, Frenkie de Jong seguiu os passos de vários dos seus compatriotas holandeses e foi para o Barcelona por 75ME. Já pelos lados de Madrid, o Real garantiu Luka Jovic, que passou de rejeitado no Benfica a máquina de demolição no Eintracht Frankfurt, por 60ME.

Premier League as afinações milionárias

Arredados durante vários anos das últimas rondas das ligas europeias, os clubes ingleses provaram no ano passado que estão de volta e (alguns deles) possivelmente mais fortes do que nunca. Com esquadrões de uma profundidade quase absurda, é, por isso, interessante constatar que, apesar do seu poderio financeiro, o chamado top seis inglês não fez compras por aí além — o Liverpool, vencedor da Liga dos Campeões, aliás, praticamente nem se mexeu.

Esse tipo de mercado, para afinar mais do que renovar, foi o que fez o Manchester City, que com um dos plantéis mais temíveis do mundo, “limitou-se” a fazer duas contratações cirúrgicas. A utilização de aspas prende-se com o facto de Rodri, vindo do Atlético de Madrid, ter custado 70ME, mais os 65ME que a compra de João Cancelo justificou, ou seja, não se está a falar propriamente de trocos para os lados do Etihad Stadium.

Em igual sentido esteve um dos finalistas da Liga dos Campeões do ano passado, o Tottenham. Apesar de ter estado praticamente dois anos sem contratar — já se conhece o caráter "poupadinho" do seu presidente, Daniel Levy —, o clube londrino não se deixou levar pelas montras apetitosas e fez também apenas compras chave, sendo a mais dispendiosa a de Tanguy Ndombélé por 60ME, vindo do Lyon.

Contudo, noutros clubes houve situações de urgência que era necessário resolver. Talvez a mais crítica tenha sido aquela que se prendia com a defesa de pés de barro do Manchester United, fonte de dores de cabeça nos últimos anos em Old Trafford. Provavelmente por isso é que a compra mais cara deste defeso (nos Red Devils e em toda a Premier League) tenha sido Harry Maguire, por 87ME, ao Leicester (e ainda houve Aaron Wan-Bissaka, cujo valor, de 55ME, não chegou para entrar neste top). O outro caso ocorreu com os seus rivais do Arsenal. Os gunners garantiram vários jogadores, mas a grande sensação foi mesmo terem obtido Nicolás Pepe por 80ME, recorde absoluto para o clube, estabelecendo agora uma frente de ataque aterrorizante (onde se encontram também nomes como Lacazette ou Aubameyang).

A mui nobre, leal e sempre constante Bundesliga

A liga alemã é frequentemente dada como exemplo de uma liga altamente competitiva e profissional, com um futebol praticado de alto gabarito. Todavia, estamos também a falar de uma liga que tem sido sistematicamente “varrida” pelo Bayern de Munique, o único clube verdadeiramente milionário num panorama de emblemas bem-geridos mas sem a mesma capacidade financeira . Porque se a frase é “onze contra onze e no fim ganha a Alemanha”, nesse mesmo país, os sempiternos candidatos à vitória são os bávaros.

Porém, essa situação esteve quase para não acontecer no ano passado, tendo o clube de Munique garantido o título já na recta final do campeonato. Para se certificar que tal não volta a acontecer, o Bayern abriu os cordões à bolsa para investir na defesa, pagando 80ME ao Atlético de Madrid por Lucas Hernández, e 35ME ao Estugarda por Benjamin Pavard. Já o ataque também foi alvo de investimento, mas noutros moldes, como veremos mais à frente.

Os seus concorrentes diretos — os tais que estiveram para estragar a festa no último campeonato — do Borussia Dortmund é que investiram fortemente para quebrar a hegemonia dos bávaros de uma vez por todas e regressar aos tempos gloriosos de 2011/12. Ora veja-se: 30,5ME por Mats Hummels, recuperando assim o central ao Bayern, 25,5ME por Nico Schulz, comprado ao Hoffenheim, e outros 25,5ME por Thorgan Hazard, cedido pelo outro Borussia, o Mönchengladbach (e não esquecer o ligeiramente mais barato Julian Brandt).

Entre as disputas negociações tidas pelos dois maiores clubes da Alemanha, apenas um outro se veio a intrometer na contagem dos milhões. Parte fundamental do Hoffenheim, Kerem Demirbay foi comprado pelo Bayer Leverkusen por 32ME, movimento que quiçá levará o clube a regressar finalmente aos grandes palcos europeus.

Itália: Ataque à Rainha

Oito. Conte-se bem, já são oito os títulos consecutivos ganhos pela Juventus. Desde que voltou a sentir o doce sabor da vitória em 2011/12, a Vecchia Senhora nunca mais quis voltar a abandonar o trono, deixando os outros clubes a discutir trivialidades como lugares europeus e duelos de honra. Todos os anos se fala em qual será o candidato a finalmente pôr fim a este reinado, sendo que, nas últimas temporadas, o único concorrente digno de nome tem sido o Nápoles, mas até os Gli Azzurri têm acabado a larga distância da Juventus.

Se tudo depender dos lombardinos, assim vai continuar. Depois de comprar uma lança para o ataque no ano passado em Cristiano Ronaldo, o clube de Turim adquiriu para este ano um esteio para a defesa, de seu nome , por 85,5ME, ao Ajax. Para além disso, cedeu João Cancelo para obter Danilo, numa compra avaliada em 37ME, refazendo a dupla de centrais que, com Alex Sandro, fez as maravilhas dos adeptos do FC Porto há alguns anos.

Mas o Nápoles segue em perseguição e quererá por tudo que este seja o ano da sua consagração. Para tal, manteve o núcleo duro da sua equipa e reforçou-se com qualidade. Nome que estava em alta desde o seu Campeonato do Mundo fulgurante em 2018, o mexicano Hirving Lozano deixou finalmente o PSV, por 38ME, para se juntar aos napolitanos. Igual sentido teve o rumo do grego Kostas Manolas, que deixou a Roma por 36ME.

Há, contudo, um outro clube que pretende também ter uma palavra a dizer na Série A desta vez. Em paulatina recuperação desde o tombo dos anos pós-Mourinho, o Inter de Milão tem se reerguido e os 65ME dados por Romelu Lukaku, que assim abandonou o Manchester United, são uma declaração de intenções. Este foi só um dos vários investimentos do clube milanês, agora comandado por Antonio Conte, mas já lá vamos.

Modéstia à francesa

Não é segredo para ninguém que a liga francesa é a mais modesta das cinco maiores ligas europeias, algo patente tanto no seu parco mediatismo, como nos valores de transferência significativamente mais baixos que noutros pastos. Chamada maldosamente de “farmers league” (“liga dos agricultores”) pela sua aparente falta de competitividade, a verdade é que os últimos anos têm sido verdadeiros passeios para o Paris Saint-Germain. A exceção foi mesmo aquela fatídica época 2016–17, em que o Mónaco de Bernardo Silva, João Moutinho e Leonardo Jardim se intrometeu num reinado que se julgava absoluto.

Talvez seja com vontade de repetir esse feito improvável — e para afastar o fantasma da despromoção — que o clube do principado, de novo com Jardim ao comando, partiu o porquinho mealheiro nas suas compras em Espanha. Wissam Ben Yedder chegou do Sevilha ao Mónaco por 40ME, seguido pelo português Gelson Martins, vendido pelo Atlético de Madrid por 30ME.

Contudo, se por um lado é arriscado fazer prognósticos, por outro este ano volta a não prometer grandes alterações na dinâmica de poder. A prova que defeso do Paris Saint-Germain foi dos seus mais calmos — excetuando a novela Neymar — dos últimos tempos e mesmo assim o clube parisiense fez duas das contratações mais caras da Ligue 1: Abdou Diallo, comprado ao Borussia Dortmund por 32ME, e Idrissa Gueye, que o Everton cedeu por 30ME.

De resto, o top cinco de contratações é fechado por uma compra do Lyon. Depois de perder algumas peças vitais da sua equipa — do já acima mencionado Ndombélé a Fekir, uma contratação-surpresa do Bétis de Sevilha —, o clube do norte de França juntou a soma apreciável dessas vendas para reconstruir o plantel. De todos os jogadores, Jeff Reine-Adélaïde, vindo do Angers, foi a contratação mais cara, por 25ME.

Os outros “big spenders”

Se fossem mais precisas provas do poderio financeiro dos clubes ingleses acima de quaisquer rivais a nível mundial, sete das 10 contratações mais caras até agora neste mercado foram feitas por clubes da Premier League que nem sequer se assumem como candidatos imediatos ao título — o Newcastle, que tem lutado para não descer, fez uma contratação mais cara que qualquer clube da Ligue 1 francesa, por exemplo.

No topo está a compra de Youri Tielemans pelo Leicester ao Mónaco por 45ME, aquisição recorde para o clube, que despendeu outros 33,4ME para que Ayoze Pérez saísse do Newcastle. Falando no emblema do norte de Inglaterra, também fez a sua maior compra de sempre, pagando 44ME ao Hoffenheim por Joelinton. 

Esta tendência para fazer contratações de valores inéditos foi seguida pelo West Ham — que pagou 40ME por Sébastien Haller ao Eintracht Frankfurt —, pelo Wolves — que acionou a cláusula de compra de 38ME por Raúl Jiménez, emprestado pelo Benfica — e pelo Watford — que desembolsou 30ME para garantir Ismaïla Sarr, vindo do Rennes. De resto, e para fechar a Premier League, Alex Iwobi trocou o Arsenal pelo Everton, fazendo-se a transferência por 30,4ME.

Saindo do raio de ação da velha Albion, os outros três clubes responsáveis por valentes compras durante este mercado de transferências estão geograficamente dispersos. Do longínquo leste, o Zenit garantiu Malcom por 40ME ao Barcelona (contratação que deu que falar dadas as falanges racistas do clube). Já no extremo oposto da Europa, houve outro jogador dos blaugrana a mudar também de casa, sendo que Jasper Cillessen foi para os vizinhos do Valência por 33,4ME. Por fim, a meio caminho (com um ligeiro desvio) entre estas duas pontas do velho continente, Leonardo Spinazzola abandonou a Juventus para se juntar à Roma por 29,5ME.

Caros, mas com “V” de volta (ou não)

Bem de sabe que a transferência a título definitivo não é a única opção a ter em conta durante o mercado de transferências. Às vezes, um empréstimo certeiro faz maravilhas para colmatar falhas no plantel ou para dar aquele fator extra de profundidade que faz de uma equipa campeã.

É certo que nem sempre é a melhor decisão financeira — mesmo que se ganhe títulos, em muitos casos o clube está, no fundo, a valorizar um ativo alheio —, mas pode ser a desportiva. Há empréstimos que se fazem simplesmente firmando um acordo de cedência, ficando o clube interessado responsável por pagar o salário do jogador durante a nova estadia. Contudo, outros chegam a ser bem mais dispendiosos, sendo na verdade acordos de venda semi-encapotados para contornar regras de Fair Play financeiro.

Até à data, o campeão dos empréstimos pagos a ouro é Giovani Lo Celso, cedido pelo Bétis de Sevilha ao Tottenham Hotspur por 16ME. O clube londrino, a precisar de reforçar o meio-campo depois do acordo com um certo jogador português não se dar, optou pelo argentino no último dia de transferências do campeonato inglês, fixando-se uma opção de compra de 41ME que quase de certeza será acionada. No fundo, o jogador será comprado por 57ME, o que até figuraria no nosso top de compras da Premier League, não fossem estes formalismos.

Igual postura teve o Inter de Milão, ao assinar um acordo com o Cagliari pela promessa Nicolò Barella por 12ME, estabelecendo uma cláusula de compra obrigatória de mais 45ME. De resto, empréstimos são coisa comum na Série A e este foi apenas um dos que o emblema realizou para se apetrechar para esta época. Para além de Barella, o Inter assegurou também Stefano Sensi por 5ME ao Sassuolo, com uma cláusula de compra (não obrigatória) fixada nos 23ME, e ainda houve tempo para convencer Alexis Sanchéz a abandonar Manchester por um ano (algo que consta como um avultado investimento, dado o seu salário chorudo).

Por fim não poderia ficar de fora o defeso do Bayern neste capítulo. Os bávaros contam nas suas hostes para 2019/20 com a experiência de Ivan Perisic — vindo, surpresa das surpresas, do Inter por 5ME — e com o talento por recuperar de Philippe Coutinho, cedido pelo Barcelona por 8,5ME. Ambos estão na Bundesliga com opções de compra não obrigatórias, apesar do jogador brasileiro já ter deixado bem claro que não quer regressar a Espanha.

Ter olho para a coisa: as melhores transferências livres

Não é só de opulência ou puro poderio que se fazem as grandes transferências. É possível obter grandes jogadores sem pagar valores brutais, sendo para tal necessário um misto de paciência e oportunidade, para abordá-los quando os seus contratos se estão a acabar. Assim se fazem as transferências livres — que ainda assim, ressalve-se, não são assim tão baratas, pois há salários, comissões e prémios de assinatura para pagar.

Neste capítulo, o clube que tem sistematicamente demonstrado olho de falcão, época após época, tem sido a Juventus. Desde o início do seu octacampeonato, o clube conseguiu trazer nomes como Paul Pogba, Emre Can, Andrea Pirlo, Dani Alves, Sami Khedira, Neto e Kingsley Coman, sempre a custo zero. Este ano não foi diferente, chegando a Turim duas peças importantes para o meio-campo: Aaron Ramsey, que saiu de forma razoavelmente amigável do Arsenal, e Adrien Rabiot, em que se passou o exacto oposto com o PSG, sendo colocado a treinar à parte nos últimos meses.

Mas a Juventus não foi o único clube italiano a tomar o gosto por contratações livres de grandes jogadores. Mais uma prova de que o Inter lidou com este mercado com um critério a anos-luz de edições passadas, o clube conseguiu obter Diego Godin, patrão da defesa do Atlético de Madrid nos últimos nove anos.

E já que se falou acima nos parisienses, o clube da capital francesa combateu fogo com fogo, substituindo Rabiot com um jogador de perfil semelhante numa transferência livre. Incapaz de segurá-lo com um novo contrato, Ander Herrera saiu então para o PSG, assinando por cinco anos. Já em Espanha, outro jogador de apelido igual também assinou um contrato depois de sair do clube, e é um velho conhecido dos portugueses. Ao fim de seis anos a atuar pelo FC Porto, Héctor Herrera saiu para o Atlético de Madrid.