Nos primeiros cinco meses de 2022, a inflação na Argentina somou 29,3%, levando os economistas a calcularem uma dinâmica própria de aumento galopante, independente da guerra na Ucrânia.
Para o Governo argentino, os 5,1% de maio significam uma desaceleração, depois do recorde alcançado com os 6% de abril e com os 6,7% de março, como consequência do aumento de preços internacionais disparados pela guerra na Ucrânia. Essa leitura, no entanto, é desvalorizada pelos economistas.
“O Governo tenta apresentar uma inflação mensal de 5% como uma desaceleração, mas a realidade é que, anualmente, a inflação na Argentina tende a baixar entre março e junho. Se já temos uma inflação alta em maio, o que vem pela frente é preocupante”, sinaliza o economista Aldo Abraham, diretor da Fundação Libertad y Progreso.
Sem acesso ao mercado de crédito e sem reservas no Banco Central, o Governo emite dinheiro sem respaldo para cobrir o défice fiscal, alimentando a inflação.
“A inflação não vai diminuir enquanto o Banco Central não reduzir o ritmo de emissão monetária”, afirma Abraham.
Outro fator para a inflação é o descongelamento de tarifas congeladas desde dezembro de 2019, quando o Presidente Alberto Fernández assumiu o Governo.
“Não vejo nenhuma tendência de queda da inflação nos próximos meses. Os preços que estavam congelados pelo Governo começaram a aumentar e o gasto público aumentou nos últimos dois meses, dificultando uma redução do défice fiscal. Todos os fatores da economia indicam que os atuais 5% de maio serão o ponto de partida para a taxa de inflação mensal”, explica Damián di Pace, analista económico e diretor da consultora Focus Market.
Em junho, por exemplo, as tarifas de gás e de eletricidades foram reajustadas numa média de 20% para as famílias e 73% para as indústrias.
“A inflação vai impactar com força na indústria e no comércio que tiveram aumentos de 73% em média em eletricidade e gás. Isso terá impacto quando o produto chegar com reajustes aos supermercados. Não vejo uma inflação abaixo de 5% nos próximos meses”, prevê Damián di Pace.
Nos primeiros 29 meses do atual Governo, a inflação acumulada ficou em 158,2%, mesmo com o congelamento de tarifas, com 19 programas destinados a controlar os preços, com restrições ao movimento de capitais e com o acesso à moeda estrangeira praticamente proibido, inclusive para as indústrias locais que precisam de determinados componentes estrangeiros para produzir.
“Se a inflação se mantiver em 5% de junho a dezembro, o ano terminará em 82%. Não vejo que a inflação diminua. No horizonte, aparecem os aumentos salariais, a aceleração da desvalorização do peso argentino e uma dinâmica própria que a inflação adquiriu: os comércios remarcam os preços, prevendo que o mês seguinte será pior porque o Governo não tem nem um plano de estabilização nem credibilidade”, indica o economista Andrés Borenstein.
O acordo financeiro entre a Argentina e o Fundo Monetário Internacional fechado em março estabelece que, para controlar a inflação, a Argentina precisa de condições básicas: reduzir o défice fiscal, conter a emissão monetária e acumular reservas no Banco Central. Nenhuma das três condições foi até agora atendida.
Na mais recente avaliação mensal de expectativas do mercado, divulgada pelo Banco Central, 41 entidades financeiras (consultoras, centros de investigação e bancos) projetaram uma inflação de 72,6% em 2022.
“Essa projeção tem duas semanas, antes da divulgação da taxa de inflação de maio. O próximo relatório deve indicar uma projeção de 80%”, avalia Andrés Borenstein.
O ex-ministro da Produção e do Trabalho (2018-2019) e sócio fundador da consultora Abeceb, Dante Sica, antecipou o que vários economistas hesitam cada vez menos em prever: uma inflação anual acima de 100%.
“A Argentina está a um passo de atingir uma inflação de três dígitos”, adverte Sica.
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