O relatório dos auditores independentes da KPMG às contas de 2017 refere que os documentos “não apresentam de forma verdadeira e apropriada a posição financeira” do regulador moçambicano.
A posição dos auditores faz parte do relatório anual das contas do banco central, datado de junho, disponível no portal da instituição na Internet e que começou a circular nas redes sociais, em Moçambique, na última semana.
Em causa, está o facto de o BM não ter consolidado “as demonstrações financeiras da Kuhanha”, a sociedade de fundo de pensões que controla, “e sua subsidiária adquirida durante o ano de 2017″, ou seja, o Moza Banco – participado pelo português Novo Banco, cuja quota passou de 49% para 7,5%.
“Esse investimento foi contabilizado pelo custo histórico. De acordo com a Norma Internacional de Relato Financeiro, a subsidiária deveria ter sido consolidada, considerando que é controlada pelo Banco”, notam os auditores.
O Moza Banco já tinha sido salvo em 2016 pelo banco central, que lhe injetou cerca de oito mil milhões de meticais (105 milhões de euros) justificando que estava a evitar o colapso da instituição, com consequências para o sistema financeiros do país (por ser o quarto maior banco moçambicano).
No início deste ano, os acionistas decidiram proceder à recapitalização, para sanar aquele montante, e de entre vários concorrentes dispostos a entrar com a participação o BM anunciou, em maio, que só o seu próprio fundo de pensões tinha respondido aos requisitos para o fazer – decisão entretanto considerada ilegal pela Comissão Central de Ética Pública (CCEP) moçambicana.
“Se a Kuhanha tivesse sido consolidada, muitos elementos nas demonstrações financeiras [do banco central] teriam sido materialmente afetados”, nota a KPMG – sem conseguir especificar esse impacto no resultado positivo de 5,5 mil milhões de meticais (cerca de 78 milhões de euros euros) das contas de 2017.
Acresce que, segundo o relatório anual, o BM adiantou 11,7 mil milhões de meticais à Kuhanha no último ano, referente a “um adiantamento sem juros” cujo reembolso “será efetuado com base nos dividendos ou venda das ações das suas participações financeiras”.
O economista moçambicano António Francisco defendeu hoje, em declarações à Lusa, que a classificação negativa dada às contas do Banco de Moçambique é como “um soco no estômago”, considerando que a notícia mancha a imagem que o país está a tentar recuperar.
“Esta notícia surge como um soco no estômago, se pensarmos que Moçambique está a tentar recuperar a sua imagem depois do escândalo das dívidas ocultas”, disse António Francisco – numa altura em que continua por esclarecer pela justiça o destino de dois mil milhões de dólares de dívidas não declaradas do Estado, descobertas na totalidade em 2016.
É a primeira vez nos últimos oito anos que uma consultora emite uma opinião negativa sobre as contas anuais do BM, nota o economista.
António Francisco considera que, agora, é necessário que se saiba se as irregularidades são resultado de um erro ou algo pior, considerando que, neste ponto, o auditor “embrulhou-se e não esclareceu”.
“É preocupante que um banco central de um país numa situação de crise e que se encontra, a nível internacional, numa situação de falência seletiva, esteja nesta posição”, concluiu o economista moçambicano.
Outro economista moçambicano, Thomas Selemane, vai mais longe e, em declarações à edição de hoje do semanário Savana, defende que, se o governador do BM, Rogério Zandamela, não colocar o lugar à disposição, cabe ao Presidente da República demiti-lo para salvaguardar a confiança no sistema financeiro nacional.
“Não se pode ficar como se o relatório da KPMG fosse para os jornalistas verem e para comentadores falarem dele e se debater nas redes sociais”, acrescentou.
Apesar de diversas tentativas, a Lusa não conseguiu obter esclarecimentos do Banco de Moçambique.
No relatório anual de contas da instituição, a administração do Banco de Moçambique refere que tomou a decisão “de considerar para efeitos de consolidação apenas as aquisições ou investimentos relacionados diretamente com as suas funções como banco central”.
“Todas as outras aquisições ou investimentos efetuados por suas subsidiárias ficam de fora do âmbito da consolidação. Contudo o BM consolidou outra das suas subsidiárias, a Sociedade Interbancária de Moçambique”, concluiu.
Comentários