A China Three Gorges (CTG), fundada em 1993, para construir e administrar o maior projeto hidroelétrico do mundo, no centro da China, é tutelada diretamente pelo Governo chinês, à semelhança da maioria das principais empresas do país.

No seu portal oficial, a CTG apresenta-se como a "maior construtora de centrais hidroelétricas do mundo e o grupo líder chinês em energias limpas".

Na China, a empresa construiu e administra a barragem das Três Gargantas, um dos maiores projetos de engenharia de sempre no país, com um orçamento de 180 mil milhões de renminbi (23,7 mil milhões de euros), e que levou à deslocação de pelo menos 1,2 milhões de pessoas, segundo dados oficiais.

Idealizada ainda pelo fundador da República Popular da China, Mao Zedong, durante a década de 1950, para acabar com o défice energético de Xangai e do delta do rio Yangtze, a barragem das Três Gargantas demorou 17 anos a ser construída. As 32 turbinas em funcionamento daquela estrutura, que corta o rio Yangtze a meio, têm uma capacidade instalada de 22.500 megawatts.

O processo de internacionalização da CTG iniciou-se em 2011, quando a empresa pagou ao Estado português 2.700 milhões de euros por 21,35% do capital da EDP.

Em 2015, arrematou em leilão os direitos de concessão por 30 anos das centrais hidroelétricas brasileiras da Ilha Solteira e da Jupia, num negócio que envolveu o pagamento de 13,8 mil milhões de reais (3,4 mil milhões de euros) ao Estado brasileiro.

Em 2016, comprou 80% da Meerwind, operadora de um dos maiores parques eólicos em alto mar da Alemanha, ao fundo norte-americano Blackstone Group.

Em entrevista à agência Lusa, no mesmo ano, o vice-presidente executivo da CTG International Wu Shengliang enalteceu o contributo da EDP para a internacionalização da estatal chinesa.

"Hoje, a CTG é a segunda maior geradora de energia com capital privado no Brasil, (...) temos projetos conjuntos com a EDP em Inglaterra e França, e presença em Itália, Polónia e Portugal", afirmou.

Na sexta-feira, a China Three Gorges lançou uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) voluntária sobre o capital da EDP, oferecendo uma contrapartida de 3,26 euros por cada ação, o que representa um prémio de 4,82% face ao valor de mercado e avalia a empresa em cerca de 11,9 mil milhões de euros.

À semelhança da maioria das 115 empresas chinesas que constam na lista das "500 mais" da Fortune, a CTG pertence ao Estado e é diretamente tutelada pelo governo central chinês, através de um organismo conhecido como SASAC (State-owned Assets Supervision and Administration Commission), ilustrando um sistema que a China designa como economia de mercado socialista.

"Os grupos estatais são cada vez menos, mas continuam a dominar os setores chave da economia chinesa", explica à Lusa Wang Hao, professor da Escola Nacional de Desenvolvimento da Universidade de Pequim. "É uma forma de a elite do Partido Comunista Chinês (PCC) assegurar o controlo da economia" diz.

No último congresso do PCC, em outubro passado, o Presidente da China, Xi Jinping, apelou ao desenvolvimento das empresas estatais, para que se tornem "maiores" e "mais fortes", provando que a tendência será reforçar o papel do Estado na segunda maior economia mundial.

Serão precisamente os grandes grupos do Estado chinês que materializarão a "Nova Rota da Seda", o gigante plano de infraestruturas lançado por Xi Jinping, e que visa colocar a China no centro da futura ordem mundial.

Uma malha ferroviária até à Europa, gasodutos desde o Turquemenistão e Birmânia ou novos portos em Moçambique e Geórgia são alguns dos projetos daquela iniciativa, que vai abranger 65 países – 70% da população mundial –, três quartos dos recursos energéticos do planeta e 28% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial.

"As empresas estatais têm hoje uma base comercial", afirma Wang Hao. "Mas também obedecem a diretrizes políticas", acrescenta.

OPA surge num período de crescente escrutínio sobre investimento chinês no ocidente

A OPA da China Three Gorges (CTG) à EDP surge numa altura de crescente escrutínio na Europa e Estados Unidos sobre o investimento chinês, com vários negócios a serem bloqueados por motivos de segurança nacional.

Em Portugal, o primeiro-ministro, António Costa, afirmou já que não se opõe ao negócio, mas a operação terá também de ser aprovada por outros países onde a EDP detém ativos, nomeadamente pelos EUA, que têm bloqueado vários investimentos chineses desde a ascensão ao poder de Donald Trump.

A elétrica portuguesa entrou nos EUA, em 2007, com a compra da Horizon Wind Energy ao banco de investimento norte-americano Goldman Sachs. No final do ano passado, tinha cerca de 20% da sua capacidade instalada no país.

O negócio dependerá assim da aprovação do Comité para o Investimento Externo dos EUA, organismo do Governo norte-americano responsável por rever aquisições por entidades estrangeiras suscetíveis de ameaçar a segurança nacional, numa altura de renovada tensão entre Washington e Pequim em torno do comércio e investimento.

Trump exige à China uma redução do crónico défice comercial dos EUA com o país em "pelo menos" 200.000 milhões de dólares, até 2020, e maior acesso ao mercado chinês para as empresas norte-americanas.

Caso estas exigências não sejam satisfeitas, Donald Trump ameaça subir as taxas alfandegárias sobre uma extensa lista de produtos chineses. O investimento chinês no país poderá também enfrentar maiores entraves.

Já no início deste ano, uma subsidiária do grupo chinês Alibaba retirou uma oferta de 1,2 mil milhões de dólares (995 milhões de euros) pela empresa de transferências monetárias MoneyGram, depois de o comité do Governo norte-americano ter travado o negócio.

Também a compra de um fabricante de semicondutores do estado de Oregon (noroeste dos EUA) por uma empresa financiada pelo Governo chinês foi bloqueada por Trump, em setembro passado, por motivos de segurança.

Também na Europa, os avanços estratégicos chineses estão a suscitar maior escrutínio.

Em setembro passado, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, anunciou planos para criar um mecanismo que avalia os investimentos estrangeiros, uma medida vista como sendo destinada à China.

"Se uma empresa estrangeira estatal quer comprar um porto europeu, parte da nossa infraestrutura energética ou uma empresa de tecnologia de defesa, isso só deverá acontecer com transparência, escrutínio e debate", afirmou Juncker.

As autoridades europeias queixam-se ainda das dificuldades no acesso ao mercado chinês, enquanto as empresas chinesas têm tido acesso sem restrições aos mercados externos.

"A atual falta de reciprocidade no acesso ao mercado não é politicamente sustentável", afirmou em setembro passado aos jornalistas o presidente da Câmara de Comércio da União Europeia na China, Mats Harborn.

O país asiático ocupa o 59.º lugar, entre 62 países, do 'ranking' da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que avalia a abertura ao investimento direto estrangeiro.

A energia é precisamente uma das áreas em que a participação estrangeira está vedada na China.

A proposta chinesa para a EDP (e para o país)

A China Three Gorges oferece uma contrapartida de 3,26 euros por cada ação da EDP, o que representa um prémio de 4,82% face ao valor de mercado e avalia a empresa em cerca de 11,9 mil milhões de euros.

O grupo chinês, que já detém 23,27% do capital social da empresa liderada por António Mexia, pretende que a elétrica se mantenha com identidade portuguesa, com sede e cotada em Portugal.

Caso a OPA sobre a EDP tenha sucesso, a China Three Gorges avançará com “uma oferta pública obrigatória sobre 100% do capital social da EDP Renováveis (EDPR), a 7,33 euros por ação”, um preço abaixo do valor da última cotação (7,85 euros).

Há cerca de seis anos, em 20 de fevereiro de 2012, os acionistas da EDP oficializaram a entrada da China Three Gorges no Conselho Geral e de Supervisão, em assembleia-geral extraordinária, após a privatização da elétrica portuguesa, na qual a empresa chinesa pagou cerca de 2,7 mil milhões de euros por 21,35%, tornando-se a maior acionista.

A entrada da CTG foi o 'pontapé' de saída para um fluxo de investimento chinês em Portugal, à 'boleia' de privatizações, já que o país serve de porta de entrada para a Europa e para os países de língua oficial portuguesa, isto sem falar na corrida às concessões de vistos 'gold'.

A EDP foi a primeira privatização a arrancar, durante o governo de Pedro Passos Coelho, em dezembro de 2011.

Em fevereiro de 2012, foi a vez da REN, com os chineses da State Grid a ficarem com 25% do capital, pagando 387 milhões de euros pela posição na empresa gestora das redes energéticas nacionais.

Posteriormente, a chinesa Fosun comprou a seguradora Fidelidade e a Espírito Santo Saúde, tendo no final de 2016 adquirido 16,7% do capital do Banco Comercial Português (BCP), por cerca de 174,6 milhões de euros para ser o seu maior acionista. Em fevereiro, o grupo chinês reforçou a sua posição na instituição financeira para 23,92%, no âmbito de uma operação de aumento de capital.

Ainda no setor financeiro, em 2015, o Haitong Bank concluiu a compra do banco de investimento português BESI.

Antes, no início de 2012, o Banco Internacional e Comercial da China (ICBC) abriu o seu primeiro escritório em Portugal, em Lisboa, e, um ano depois, foi a vez do Bank of China escolher a capital portuguesa para abrir um escritório e um balcão de atendimento.

Mas não é só a banca que atrai os investidores chineses. Em outubro de 2016, o grupo de Macau KNJ Investment Limited, fundado em 2012, assinou um memorando de entendimento com a Global Media Group (GMG), e em 06 de novembro de 2017 concretizou a entrada na dona do Diário de Notícias (DN), TSF, entre outros, com uma injeção de 15 milhões de euros, passando a deter 30%.

Entre outros investimentos chineses em Portugal, destaca-se a inauguração, em fevereiro de 2012, do centro tecnológico da empresa de telecomunicações Huawei em Lisboa, que representou um investimento de 10 milhões de euros, que se juntou aos 40 milhões de euros que a multinacional chinesa tinha investido no mercado português.

Também o setor imobiliário tem vindo a ser uma aposta de investidores chineses, liderando, por nacionalidades, a obtenção de vistos 'gold' em Portugal.

Desde que o programa de Autorização de Residência para a atividade de Investimento (ARI) arrancou, em 08 de outubro de 2012, até final de janeiro deste ano, foram atribuídos 3.805 vistos 'gold' a investidores de nacionalidade chinesa, de acordo com os dados estatísticos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

O investimento chinês acumulado até dezembro passado através dos vistos 'gold' atingiu 2.060 milhões de euros, o que representa 60% do montante captado desde que o programa está em vigor.