O streaming em Portugal é um fenómeno recente, com menos de uma década. Num mercado onde a televisão linear ainda tem um peso significativo — tal como no resto da Europa — as plataformas de séries e filmes foram crescendo aos poucos, sendo realmente adotadas pelo consumidor português apenas durante a pandemia. Foi nesse período que surgiu também o Peacock, o serviço de streaming da Comcast, proprietária de marcas como a NBCUniversal e a Sky, que atualmente já conta com mais de 30 milhões de utilizadores nos EUA. Isto levanta uma questão importante: como é que estes dois fenómenos estão interligados? A resposta encontra-se na equipa responsável pelo desenvolvimento da plataforma, que está sediada em Portugal e é responsável por toda a área de streaming da Sky.

A Sky Portugal foi fundada em 2012 e, mesmo antes da popularidade do streaming, já trabalhava no que designava como "a televisão do futuro". Quando a Sky lançou, para todos os seus mercados, a Sky Store — uma plataforma de vídeo on demand —, esta já contava com um ADN português. Quando estar disponível em smartphones e tablets se tornou essencial para a empresa, foi também em Portugal que se desenvolveu a Sky Go, que permitia a mais de 20 milhões de clientes ver televisão a qualquer hora e em qualquer lugar. Apesar de contar com escritórios em Lisboa, Aveiro e Funchal, a Sky Portugal desenvolveu estas inovações de forma discreta, enquanto atravessava transformações significativas no grupo a que pertencia. Em 2018, a Comcast adquiriu o grupo Sky por 36 mil milhões de dólares, e a Sky Portugal tornou-se o hub tecnológico com uma missão crucial — criar uma plataforma de streaming de excelência, preparada para os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, cujos direitos pertenciam à Comcast.

Marina Magro, Managing Director da Sky Portugal

Neste âmbito, diga-se que a Covid-19 atrasou a organização dos “Jogos”, mas não o desenvolvimento da plataforma. Em 2020, a Peacock foi lançada nos EUA e, dois anos mais tarde, mais precisamente em setembro de 2022, a base tecnológica da plataforma foi utilizada para lançar outro serviço mais conhecido dos portugueses: a SkyShowtime. “Foi a primeira vez que nós pudemos dizer às pessoas, aos nossos amigos, às nossas famílias, está aqui, este é um produto que nós fazemos, isto é made in Portugal”, conta Marina Magro, a Managing Director da Sky Portugal.

Um mercado em constante mudança

Os últimos anos do mercado de streaming tem sido marcado por uma volta de 180 graus em algumas das suas premissas iniciais. As plataformas que antes privilegiavam o lançamento de séries todas de uma vez, começaram a lançar episódios semanalmente ou a dividir cada temporada em duas ou mais partes. Os serviços que antes queriam apenas depender de subscrições, passaram agora a integrar publicidade em algumas das suas modalidades. Empresas que antes não tinham interesse em conteúdos ao vivo começaram agora a querer assegurar os direitos de eventos desportivos, do boxe ao futebol americano.

A Peacock tem a particularidade de ter sido idealizada pela equipa da Sky Portugal para integrar todas estas dinâmicas no principal mercado de entretenimento do mundo: os EUA. Desde a sua conceção, a Peacock não só combina conteúdo ao vivo com conteúdo on-demand, como também integrou, desde o início, um modelo mais económico para os utilizadores, baseado em anúncios e parcerias com marcas. “Na verdade, no início isto foi um teste. Acreditámos nesta estratégia porque assim conseguíamos chegar a mais pessoas, e a prova disso é que todos os outros acabaram por seguir o que fizémos. E agora a adaptar esta abordagem a novos mercados onde estamos a entrar. Fala-se muito de que as margens no streaming não são tão elevadas, mas nós encaramos o contexto global como detentores, operadores e produtores. Ou seja, a Comcast, com vários portfólios e marcas diferentes. Aproveitamos todas essas sinergias para alcançar o público, e isso tem funcionado muito bem”, explica Marina Magro.

Yellowstone
Yellowstone Kevin Costner em "Yellowstone", série disponível na SkyShowtime Portugal

A SkyShowtime é o serviço de streaming mais recente do mercado português e para a responsável da Sky Portugal há um natural “catch-up” que tem de fazer com a concorrência. Resulta de uma joint-venture entre a Paramount e a Comcast e hoje já opera em mais de 20 países europeus. Em Portugal, o modelo assente em anúncios já está implementado e a empresa tem procurado inovar através dos conteúdos que disponibiliza.

“Em Portugal, obviamente aquilo que entendemos é que existe, claramente, uma concorrência forte e nós temos que nos adaptar. Mas estamos muito no início dessa jornada e a forma que inovamos é, por exemplo, um filme sai no cinema e vem logo para a nossa plataforma, como foi o caso do Top Gun, por exemplo, ou vamos buscar os conteúdos mais premiados como é a série do Yellowstone, ou então garantimos que temos conteúdo para a família toda, como A Patrulha Pata”, refere.

Com cerca de 500 engenheiros, a Sky Portugal assegura uma operação de streaming em mais de 70 países, em 3 continentes - a Peacock nos EUA, a SkyShowtime na Europa e a Showmax no continente africano - cada um com as suas particularidades. Nos EUA, com inovação mais rápida e maior penetração do streaming; na Europa com uma preponderância ainda grande da televisão tradicional; em África, com desafios maiores em termos de acessibilidade tanto de rede como de Internet. Todas as plataformas têm uma base tecnológica comum em termos de experiência de utilizador, sofrendo depois ajustes consoante as condições de cada território.

No final, o objetivo é dar argumentos suficientes, seja pela experiência, seja pelos conteúdos, para as pessoas se manterem na plataforma e não optarem por fazer “churn”, que em bom português equivale ao desistir da subscrição.

Peacock
Peacock A Peacock transmitiu em direto as competições dos Jogos Olímpicos'24

Inovar com os Jogos Olímpicos

Já muito se escreveu sobre o sucesso em termos de audiência da mais recente edição dos Jogos de Paris. Nos EUA, a Comcast foi novamente a detentora dos direitos e planeou a distribuição do evento através das suas plataformas NBC (canal por cabo) e Peacock. No streaming, a empresa já tinha tido boas indicações no final de 2023 e no início de 2024, quando transmitiu um dos jogos da NFL, a liga de futebol americano, e cerca de 16 milhões de utilizadores ligaram-se em simultâneo na plataforma.

Por isso, para os Jogos Olímpicos, a equipa da Sky Portugal teve de pensar em várias funcionalidades para melhorar a experiência dos utilizadores, que provavelmente não teriam interesse em todos os desportos e que esperariam não só uma curadoria da plataforma, mas também algum tipo de customização de acordo os seus interesses. “Só para dar uma ideia, temos normalmente 60 eventos em simultâneo a acontecer. São quase 300 eventos por dia, 3.200 eventos nos Olímpicos todos, são 5 mil horas de visualização de eventos, é super difícil navegar isto”, complementa Marina Magro.

Entre as principais novidades destacavam-se três:

  • O Gold Zone, um programa com melhores momentos do dia, com um narrativa muito própria e que permitia que as pessoas conhecessem inclusive desportos e atletas que não estavam no seu leque de preferência.

  • O Multi View, uma funcionalidade que permitia ter uma experiência imersiva, com a visualização em simultâneo dos quatro eventos mais importantes com escolha editorial da equipa Sky.

  • Uma aplicação de IA generativa para o resumo do dia, no qual o utilizador escolhia os seus desportos favoritos e recebia um vídeo com narração IA do comentador americano Al Michaels, com base nas suas escolhas.

Ao longo dos Jogos, as audiências da Comcast cresceram 80% e estes revelaram-se como uma ótima oportunidade para a Peacock (e a Sky Portugal) fidelizar mais subscritores para a sua plataforma e reencaminhá-los para o seu catálogo de conteúdos.

1923
1923 Harrison Ford e Helen Mirren em "1923", a prequela de "Yellowstone"

A televisão do futuro

Num mercado em rápida evolução, é fácil olhar para as outras aplicações como a principal competição das plataformas da Sky Portugal. Mas Marina Magro sabe que a atenção é uma comodidade disputada por todos os serviços disponíveis nos nossos smartphones. “A tendência futura passa muito pelo mobile. As pessoas estão cada vez mais inclinadas a consumir conteúdos em formatos curtos — o TikTok e o Instagram são precisamente isso. Nós, enquanto plataforma, percebemos que o futuro vai nesse sentido: continuamos a oferecer séries, documentários, filmes e a nossa forma de entretenimento, mas temos também de pensar em como estar presentes na mão de um jovem que vai no comboio, de alguém que quer partilhar algo com um amigo, ou de quem quer fazer scroll rápido”, elabora.

Quando se é líder de uma equipa de inovação tecnológica, parte do trabalho passa por fazer experiências, por olhar para o comportamento dos consumidores e perceber como é que a forma como interagem entre eles ou com uma determinada plataforma pode mudar. É por isso que a Peacock é das poucas plataformas de streaming a estar integradas nos Apple Vision Pro. Mesmo sendo um produto que ainda não tem adoção massificada, permite à Sky Portugal extrair dados de como é que o streaming pode funcionar numa lógica de realidade aumentada e num contexto em que uns óculos inteligentes e não um smartphone são a nossa ponte para o resto do mundo.

Esse mundo parece já ter estado mais longe, mas ainda não é claro como é que operadoras, canais e o streaming vão conviver no mesmo. Para a executiva da Sky Portugal, o fundamental é as plataformas continuarem a reinventar-se e daí a importância do hub que lidera. “É um pouco isso que queremos fazer com a Peacock, a SkyShowtime e a Showmax. É passarmos para um patamar seguinte como plataforma de entretenimento e entretenimento tem de dar para todos. É chegar a casa ou estar em qualquer lado, aceder a estas plataformas e ter uma perspetiva completamente diferente. Eu não estou aqui a ver um filme, estou a ter um momento de entretenimento e esse momento podem ser minutos, segundos ou horas”, conclui. ___ Subscreve a nossa newsletter NEXT, onde todas as segundas-feiras podes ler as melhores histórias do mundo da inovação e das empresas em Portugal e lá fora.