Entre os dias 12 e 14 de outubro, Portugal já se preparava para a Web Summit. Em Aveiro fez-se mais uma edição do maior fórum nacional de empreendedorismo e inovação: os Techdays. A comparação com a cimeira que em novembro vai colocar, pela segunda vez, Lisboa no centro do mundo no que toca ao ecossistema de startups, inovação e tecnologia, é inevitável. Muda a dimensão, claro, mas o ambiente é o mesmo: pitchs, ideias novas, investimentos, conferências... Tudo a acontecer ao mesmo tempo, em cada canto. E tudo a um ritmo acelerado.

Ainda em Aveiro, o SAPO24 sentou-se à mesa com Graça Didier, Secretária Geral da Câmara de Comércio Americana, após um colóquio em que a mesma era convidada a falar do comércio entre Portugal e os Estados Unidos da América.

Para Didier, falar de startups, falar de um boom neste mundo, é falar da Web Summit, " uma grande conquista" que põe Portugal no mapa e que mostra que o país "está a ser reconhecido como um país onde a inovação está a ganhar terreno".

Tudo isto terá sido também resultado de uma maneira que os portugueses tiveram de enfrentar a crise: arriscando. "Isto começou como uma necessidade: Portugal com a crise teve necessidade de ir lá para fora, as empresas tiveram de ir lá para fora, o que acabou também por se tornar uma oportunidade", observa.

Obviamente, sublinha, que por esta altura a comparação entre o ecossistema de empreendedorismo português e, por exemplo, o caso de Silicon Valley tem de ser feita com algum afastamento. "Os Estados Unidos e uma Silicon Valley com anos e anos de sinergias, com muitas história, e toda a gente está lá. Nós estamos neste momento a tentar criar um ecossistema, nos EUA esse ecossistema já existe há muitos anos", sublinha. Mas o pontencial está lá, e sobretudo em Aveiro, confessa a secretária geral da Câmara de Comércio que diz acreditar que Aveiro tem a potencialidade para ser o Silicon Valley europeu.

Ao SAPO24, Graça Didier lança ainda um olhar sobre o atual momento económico dos Estados Unidos e para a influência que a administração de Donald Trump tem na confiança dos investidores e empreendedores. "Há uma coisa que está associada à insegurança que é a incerteza. Sempre que há incerteza há insegurança e a administração [Trump] trouxe incerteza", explica.

Antes de terminar a entrevista deixou ainda três conselhos para qualquer jovem empreendedor que um dia ambicione levar a sua empresa até Silicon Valley, a capital onde nasceu todo este movimento.

créditos: Pedro Marques | MadreMedia

Esteve nos Techdays, em Aveiro, para falar do comércio entre Portugal e os Estados Unidos. Portugal vive um momento de recuperação económica que está inclusive a ser reconhecido lá fora. No campo da inovação também estamos a conseguir conquistar a Europa e o mundo?

São conquistas passo a passo. Houve aqui uma grande conquista e que é sinónimo de muita coisa, que foi termos conseguido trazer o Web Summit para Portugal que, como se sabe, é uma grande iniciativa ao nível da inovação. É sinal de que o país está no mapa do que se passa ao nível de startups, inovação de toda esta série de empresas e organizações que se movimentam neste ecossistema. Depois, como já aconteceu no ano passado, esta edição irá, com certeza, trazer a Portugal muita gente deste ecossistema a nível mundial.

Está a referir-se ao conjunto de oradores ou ao público em geral?

Oradores e não só. Dos Estados Unidos, no ano passado, vieram 5 mil pessoas assistir ao Web Summit. E este ano espera-se mais. Toda esta gente vai conhecer Portugal, a realidade portuguesa, vão reconhecer o que é aqui feito e depois é uma bola que vai crescer.

Por outro lado temos algumas empresas portuguesas, startups portuguesas, que têm tido um enorme sucesso quer nos Estados Unidos, quer na recolha de capital de investimento, quer depois na comercialização dos seus produtos - algumas já foram vendidas - e portanto sim, Portugal está a ser reconhecido como um país onde a inovação está a ganhar terreno.

Falava nos Estados Unidos. Portugal e os EUA estão a aproximar-se cada vez mais neste ecossistema?

Sim, e nisso é fundamental o Web Summit, porque este ano estas pessoas que vêm a Portugal são desse ecossistema. E portanto isso vai aproximar Portugal e o ecossistema americano de Silicon Valley.

Depois existem as tais empresas que, algumas delas são startups, outras delas já deram o pulo, muito concentradas na zona da Califórnia, na costa oeste, e que têm ganho muita notoriedade nos EUA. E nestas coisas cria-se imagem, é um bolo, é novelo e uma rede que se vai fortificando e não tenho dúvidas sobre isso.

Portugal com a crise teve necessidade de ir lá para fora, as empresas tiveram de ir lá para fora, o que acabou também por se tornar uma oportunidade

 

Os americanos estão atentos ao que se faz em Portugal?

Os americanos estão atentos ao que se faz em todo o mundo. E em Portugal vai ver-se isso.

Especialmente nesta altura em que se vive a época das startups. Podemos dizer isso?

Portugal descobriu as startups e as startups descobriram Portugal. Há já muitos movimentos de startups estrangeiras que vêm abrir a sua empresa a Portugal.

Vivemos numa época em que as pessoas têm menos medo de arriscar?

Claramente, porque isto começou como uma necessidade: Portugal com a crise teve necessidade de ir lá para fora, as empresas tiveram de ir lá para fora, o que acabou também por se tornar uma oportunidade. As empresas por necessidade tiveram de fazer esse percurso, de correr estes riscos, e perceberam que esse é o caminho. Às vezes isto acontece, às vezes é necessário alguma coisa correr mal para se dar a volta e no final foi positivo nesse sentido. Ao dar a volta, ganham-se oportunidades e ganham-se novos destinos. E depois também tem a ver com a entrada no mundo de trabalho de uma nova geração com outra dinâmica, com outra preparação que é extremamente relevante para esta alteração do tecido empresarial português.

créditos: Pedro Marques | MadreMedia

Portugal é um país atrativo para abrir uma startup?

É muito atrativo, porque é necessário que exista algum ecossistema, que é aquilo que já começa a existir. Este ecossistema, e a Web Summit veio permitir que fosse conhecido, é fundamental. Para além disso é um país barato, em comparação com outros países, tem ótimas infraestruturas e uma qualidade de vida com bom tempo, boa comida. Os portugueses são muito abertos, são pessoas que recebem muito bem e que gostam de partilhar, de viver e todo este movimento é importante.

Qual é a sua expectativa para o Web Summit deste ano?

Que sejam descobertas mais startups e mais projetos portugueses e que tenham a possibilidade de mais relações, de mais contactos, porque tudo isto se faz em parceria, nada se faz sozinho. A possibilidade dos empreendedores poderem estabelecer contactos e relações e a partir daí poderem desenvolver os seus projetos em colaboração com o mundo e com americanos. E depois também ouvir os oradores americanos que vêm a Portugal partilhar esta experiência porque nós aprendemos sempre com a experiência dos outros. Termos tantos oradores americanos que vêm falar sobre o que melhor se faz no mundo e sobre as questões sobre as quais se está a refletir do outro lado do Atlântico, permite-nos ouvir, refletir com eles e dar o nosso contributo a essa discussão.

Antes do Web Summit tivemos aqui os Techdays. Foram um warm up?

Acho que sim. Obviamente que a Web Summit tem uma dimensão imensa, mas todos estes eventos que se vão espalhando um bocadinho por todo o país mostram que isto está a efervescer. Não é só o Web Summit, isto é um movimento imenso. E se nós olharmos para todas as incubadoras que estão a nascer, todos os movimentos associativos de startups, todas as InvestBraga,a StartUp Lisboa, tantos movimentos que estão a acontecer e que estão a aparecer... é um movimento que apareceu e que só vai crescer.

E este fórum acaba por ser particularmente diferente porque acontece fora de Lisboa.

Obviamente, é muito bom que estas iniciativas  se vão espalhando pelo país, e particularmente em Aveiro. Aqui há uma massa jovem com um espírito empreendedor muito elevado, com uma vontade muito grande de fazer as coisas acontecerem e já com uma preparação uma abertura para todas as questões tecnológicas, de inovação. É dar os parabéns pela iniciativa e que ela seja também um motor para que este movimento continue a crescer.

Aveiro tem a potencialidade para ser o Silicon Valley europeu.

 

Como é que a cidade se compara com outros hubs de tecnologia e inovação do país?

Ter aqui um pólo como o da Universidade de Aveiro é uma mais valia muito grande nesse sentido, e isso tem sido aproveitado por algumas empresas multinacionais que têm investido através, normalmente, de centros de competência junto às universidades. Porque sabem que aqui têm pessoas com formação técnica e profissional que lhes permite, muitas vezes em concorrência interna, dentro da empresa captar estes centros de desenvolvimento tecnológico precisamente porque há uma universidade. Aveiro tem esta competência e isso é fundamental.

Estar na zona centro também é um fator chave.

Nós somos um país muito pequeno e Aveiro está a duas horas e meia de Lisboa e está perto do Porto, por isso está muito perto de ligações internacionais. E depois tem aquela qualidade de vida que é importante para todas estas empresas que quando pensam em investir no mundo olham primeiro que tudo para as competências e depois para as infraestruturas, a segurança e a qualidade de vida. A qualidade de vida em Aveiro é excelente.

A segurança é determinante?

Portugal é um país seguro e os Estados Unidos também. Os investidores americanos, os empresários americanos e os americanos, em termos gerais, são muito focados na questão da segurança e portanto o facto de Portugal ser um país seguro é um fator chave e vai-lhes trazer uma vantagem em relação a muitas geografias.

Em comparação, como é que a realidade de Aveiro se aproxima com o que se está a passar nos os EUA? Aveiro aproxima-se de que exemplo?

Acho que é uma referência e que se está a aproximar, obviamente com esse afastamento em relação ao que são os Estados Unidos e uma Silicon Valley com anos e anos de sinergias, com muitas história, onde toda a gente está. Estamos neste momento a tentar criar um ecossistema, nos EUA esse ecossistema já existe há muitos anos. E como isso é histórico todos os outros países vão a Silicon Valley. Qualquer pessoa que trabalhe na área das startups e inovação tem de ir a Silicon Valley. Nós ainda não estamos neste estado, mas acho que Aveiro tem a potencialidade para ser o Silicon Valley europeu.

créditos: Pedro Marques/Paulo Rascão/MadreMedia

A fronteira entre Portugal e os Estados Unidos faz-se então a nível social?

É mais uma ponte, diria. É uma das novas pontes, porque nós não nos podemos esquecer da economia mais tradicional e da economia tradicional que se sabe reinventar, não é? E estamos a falar de casos de sucesso nos têxteis, nos sapatos... É uma economia tradicional que incorporando tecnologia, inovação, marketing e design se consegue reinventar e ser atrativa para o mercado americano. Não nos podemos esquecer desta economia e é bom que Portugal cresça nestas duas vertentes, e que se criem várias pontes com os Estados Unidos. Não há aqui fronteiras e é muito bom que esta nova economia se cruze com a economia tradicional e construa coisas fantásticas.

Sempre que há incerteza há insegurança e a administração [Trump] trouxe incerteza

 

Como olha para o atual momento dos EUA a nível económico?

A nível económico os Estados Unidos estão bem, com um crescimento de 2,5%/3%, acima da média europeia. Foi nos Estados Unidos que aconteceu a crise em 2008, mas foi o primeiro a sair da crise. Está com um crescimento elevado, em comparação com a Europa, com a China não, mas a China também está com um crescimento muito mais reduzido do que já teve. Portanto, ao nível do mundo, os EUA estão com um crescimento considerado bom. Estão com uma taxa de desemprego na ordem do 4,5% que é um não-desemprego e portanto em termos económicos estão num bom momento. Agora vamos ver como é que as coisas evoluem.

Mantendo-nos nos EUA, a administração Trump trouxe mais ou menos segurança aos investidores?

Há uma coisa que está associada à insegurança que é a incerteza. Sempre que há incerteza há insegurança e a administração [Trump] trouxe incerteza porque não se soube, e em muitos aspetos ainda não se sabe, o que é que vai acontecer na prática. Nesse sentido,  falou-se, sobretudo na altura da campanha, mas também depois, em muitas questões que criam alguma insegurança e alguma incerteza por exemplo, nomeadamente, a maior dificuldade de atração de cérebros. Para estas empresas que nós estamos a falar é necessário ir buscar os cérebros onde quer que eles estejam, seja na China ou na Índia. Estas empresas precisam de trabalhar com os melhores cérebros do mundo e portanto, se há alguma "ameaça" de que isso não vai ser permitido cria insegurança. O que acontece é que na prática isso ainda não está a acontecer. Há incerteza, não a prática, vamos ver como é que isto tudo vai evoluindo.

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