“Não há uma varinha mágica para acabar com a dívida, não me parece que seja possível acabar de repente com a dívida dos países”, disse Ajay Banga na conferência de imprensa de lançamento oficial dos Encontros Anuais do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, que decorrem esta semana em Marraquexe.
Questionado sobre as hipóteses em cima da mesa para um novo mecanismo de resolução da dívida excessiva que muitos países enfrentam num contexto de recuperação dos efeitos da pandemia, altas taxas de juro, inflação elevada e crescimento económico mais baixo, Ajay Banga salientou que “é preciso ter muito cuidado sobre os contornos de um novo mecanismo”, que substitua o atual Enquadramento Comum organizado pelo FMI, Banco Mundial e o chamado Clube de Paris, uma organização informal de países doadores que detém uma boa parte da dívida dos países mais endividados.
“Não há dúvida de que a dívida prejudica o crescimento, seja medido em termos de desenvolvimento local, seja em termos de obtenção dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável”, vincou o presidente do Banco Mundial na sua primeira participação nos Encontros Anuais, depois da sua eleição em meados deste ano.
Os países em desenvolvimento, em particular os africanos, têm enfrentado um aumento da dívida externa não só pela desvalorização das suas moedas, mas também pela subida das taxas de juro decididas pelos principais bancos centrais, nomeadamente a Reserva Federal dos Estados Unidos, o que colocou as finanças públicas sob maior pressão relativamente à capacidade de financiar os investimentos necessários para desenvolver as economias.
A Zâmbia, o primeiro país africano a entrar em Incumprimento Financeiro no seguimento da pandemia, logo em 2021, aderiu ao Enquadramento Comum para reestruturar a sua dívida, devendo assinar em breve o acordo final com os credores, mais de dois anos depois do início do processo que implicou a descida do rating e o afastamento dos mercados financeiros internacionais.
“A Zâmbia está a sair da situação de endividamento excessivo, o Gana está a fazer progressos, mas o que é preciso perceber é que o mercado financeiro está completamente diferente do que era, com o Clube de Paris a deixar de ser o maior dos credores, há outros membros e há muita dívida comercial que está protegida por cláusulas de confidencialidade que tornam o processo mais complicado”, disse o líder do Banco Mundial, vincando que “sem conhecer os números, nenhum novo enquadramento vai conseguir resolver a situação”.
Os quatro países africanos que aderiram ou mostraram interesse em usar o Enquadramento Comum para reestruturar as suas dívidas – Zâmbia, Chade, Etiópia e Gana – receberam mais de 12 mil milhões de dólares nos últimos três anos, dividido a meio entre doações e financiamento concessional, ou seja, com taxas de juro próximas de zero, acrescentou Ajay Banga, quando questionado sobre o tipo de apoio que o Banco Mundial pode dar a estes países.
Na conferência de imprensa, o responsável lembrou ainda que o FMI e o Banco Mundial estão a liderar as reuniões da Mesa Redonda sobre a Dívida Soberana, uma iniciativa que visa juntar os credores bilaterais e institucionais, além dos credores comerciais, que têm mostrado resistência à reestruturação da dívida dos países, já que implicam perdas para os investidores.
A dívida externa da Zâmbia, um país que tem um Produto Interno Bruto (PIB) de 22 mil milhões de dólares (20,1 mil milhões de euros), está estimada em 17,3 mil milhões de dólares (15,8 mil milhões de euros).
A Zâmbia, um dos principais produtores de cobre do mundo, entrou em incumprimento da sua dívida externa no início da pandemia de covid-19, sendo o primeiro país africano a falhar pagamentos de dívida e assim entrar em ‘default’, o que lhe valeu uma revisão em baixa por parte das agências de notação financeira, acarretando maior dificuldade em conseguir financiamento.
O país recorreu ao mecanismo do Enquadramento Comum criado pelo G20 para reestruturar a dívida dos países mais pobres do mundo, na esperança de um acordo entre os seus credores, mas até agora sem acordo final.
O Enquadramento Comum para o tratamento da dívida foi o mecanismo acordado no seguimento da Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI), um acordo lançado pelos principais credores oficiais para diferir os pagamentos do serviço da dívida e assim dar espaço de manobra para os países mais fragilizados conseguirem lidar com o aumento de despesas originado pela pandemia de covid-19.
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