Dois meses que mudaram a forma como compramos e vendemos. Muitas coisas mudaram – algumas, possivelmente, para sempre. Mais empresas precisaram de vender online, mais pessoas precisaram de comprar online e para que as duas coisas fossem possível os meios de pagamento tiveram de dar resposta.

  1. O que aconteceu durante a pandemia

“Houve um salto brutal. Temos uma tendência crescente de comércio digital, era um fenómeno que já estava a acontecer e com esta crise houve dois disparos brutais. Era expectável mas não estava, evidentemente, nem nos nossos planos nem nos planos de ninguém”. É assim que Tiago Oom começa por fazer o retrato da mudança que teve lugar após a declaração do Estado de Emergência, a 18 de março.

Quais foram esses saltos?

a) O comércio eletrónico

b) Procura por técnicas de pagamento, seja online, seja os cartões contactless, nas lojas físicas

Nas lojas físicas, a REDUNIQ (a rede de pagamentos da Unicre) conta com 75.000 comerciantes e é líder de mercado com cerca de 80% de quota.

Os cartões contactless - pagamento com cartão mas sem contacto - cresceu só em março (o Estado de Emergência foi declarado a 18 de março) – 37%. Nos primeiros quinze dias de abril este número deu um novo salto com um crescimento de 67% nas operações contactless.

Com esta evolução, outro tema que se tornou relevante foi aumentar o que era permitido fazer nestes cartões sem contacto. “Ao só aproximá-lo dos terminais, o máximo era 20 euros e passámos para 50. Também havia um máximo que se podia fazer sem contacto, que era de 60 euros e já se pode fazer de 150 euros. E na verdade, a forma é segura porque ao fim de três ou quatro vezes ou de 150 euros é pedido o pin, por isso é continuamente seguro”.

  1. Quem pode aceitar os cartões contactless?

“A grande maioria dos terminais que existe hoje nas lojas, quer sejam REDUNIQ, quer não, são terminais que já aceitam contactless. Por vezes não está ativo, mas basta um telefonema para nós ou para a SIBS - que é quem faz o processamento de todas as transações - para ativar essa funcionalidade”.

Os terminais antigos não devem passar de 15% do total, segundo os dados da Unicre. Nesses, é necessário fazer uma substituição do terminal para que se possa usar o sistema contactless.

Unicre: 46 anos em confinamento, mas com bolo de aniversário

A Unicre fez 46 anos, no passado dia 17 de abril, o que significa que foi provavelmente das últimas, senão mesmo a última grande empresa, a ser criada em Portugal antes da revolução de 25 de Abril de 1974.

Tudo indicaria, com a nacionalização dos bancos, que a empresa não iria vingar, mas esta empresa tem essa característica, vai vingando e vai passando sempre uma série de obstáculos que vão aparecendo”, conta Tiago Oom.

A celebração este ano deveria ter sido conjunta, mas apanhou  a equipa, como muitas outras empresas no país, em pleno período de confinamento. “É o primeiro ano que não estamos todos juntos. Costumamos sempre fazer um evento, uma celebração do nosso aniversário e foi o primeiro ano que não o fizemos. Na direção da Unicre, resolvemos enviar um bolo para casa de cada um dos nossos colaboradores, o que foi deveras engraçado porque foi uma surpresa. Mas fizemos de uma forma diferente, juntamo-nos todos às 5 da tarde, por Zoom e cada um – num total de 230 - celebrou com o seu bolo”. 

A história da Unicre é a de uma ideia que surge com o aparecimento dos cartões de crédito. A nível internacional existia então a Visa e a Mastercard - na altura se chamava Master Charge – e a tendência de aparecimento de cartões de crédito tornava-se cada vez mais global. Em Portugal, sentia-se essa necessidade. “Na altura um consórcio de seis bancos, hoje já nenhum deles existe – Banco Fonsecas e Burnay, Banco Borges & Irmão, Banco Totta & Açores, Banco Espírito Santo, etc - resolveram formar uma empresa que designaram de Unicre. A ideia desta empresa era fazer a emissão de um cartão de crédito em que não tivesse de ser cada um dos seus bancos a lançar todo um sistema novo".

Nasceu assim um cartão para todos os bancos que se designou por Unibanco. “Esse cartão hoje ainda existe, o nosso cartão da Unicre. Continuamos a ter o mesmo cartão, os nossos acionistas continuam a ser os bancos sendo que, curiosamente, somos também concorrentes dos bancos, eles têm os seus cartões de crédito próprios e nós temos os nossos”.

O cartão de crédito é assim lançado em Portugal em 1974, mas era apenas usado para fazer compras no estrangeiro. Até que alguém disse: “Mas porque não havemos de ter cartões de crédito nossos, em Portugal? “. E o  mesmo grupo de seis bancos fundadores decidiu lançar uma rede de aceitação desses cartões - aparece a Rede Unicre. Hoje a Unicre, divide-se em duas áreas: uma área de emissão de cartões e outra de aceitação de  que se designa por acquiring.

  1. Comércio eletrónico: depois de março de 2020, nada volta a ser como antes

“Houve uma solicitação brutal dos nossos comerciantes. Estamos a falar de um crescimento de e-commerce na ordem dos 330%”.

Um disparo forte que contrastou  com uma quebra de faturação global da Unicre na ordem dos 42%. Basta recordar que um dos setores de utilização mais intensiva do cartão de crédito é o do turismo, mas todo o comércio de bens não essenciais refletiu essa alteração nas nossas vidas a partir do momento que ficámos em casa.

“Temos, e sempre tivemos uma ligação muito forte à hotelaria, nomeadamente com as chamadas soluções verticais. Uma vez que é feita uma reserva num hotel, basta dar o número de cartão uma vez e não tem de voltar mostrá-lo, nem na saída. Com os hotéis fechados, usámos muito estas soluções verticais da hotelaria no e-commerce. A parte da reserva passa por uma coisa a que que chamamos Payments e que é fazer pagamentos através de links das reservas. É um setor em que apostamos muito e temos esta solução altamente sofisticada que guarda a informação do cartão e vai fazendo despesas e pedindo autorizações ao longo do tempo em que está a ser utilizado”.

  1. Quais os produtos que foram mais procurados no e-commerce?

“Há aqui subidas muito espetaculares. Por exemplo, as lojas tecnológicas, que vendem informática, ecrãs, computadores, tiveram um crescimento de 500%. Houve lojas, supermercados com um disparo de 850%. Mais alguns setores, como por exemplo as livrarias. As nossas livrarias tiveram disparos de 300% de crescimento. As pessoas procuraram formas de se entreter, de se ocupar. E pensavam que já ninguém lia!”.

  1. Duas ou três curiosidades sobre os nossos hábitos

Uma foi nas perfumarias. “Os perfumes e cosméticos registaram um disparo de 1400%. Antes, as pessoas compravam na loja. Agora começaram a comprar por e-commerce. Não deixaram de se cuidar, o que é um ótimo sinal em termos de sociedade e de como as pessoas psicologicamente estão a resolver isto. Foi um setor em que fiquei completamente surpreendido”.

Outro setor que surpreendeu foi o do desporto, que subiu 1500%. “Estas lojas fecharam com o decretar do Estado de Emergência e logo que isso aconteceu o disparo foi brutal”.  As passadeiras, por exemplo,  esgotaram, os pesos para fazer exercícios também. Venderam-se muitas calças de fato de treino, muitos sapatos confortáveis.

E depois há a resiliência do retalho, nomeadamente dos pequenos negócios que dispararam 250%. “E as lojas estavam fechadas, portanto são só vendas online, 100% de vendas e-commerce e 100% a reinventar o seu negócio. Houve uma série de atividades que se reinventaram e estão a reagir de uma forma remota e a conseguir vender os seus bens desta forma”.

Outra área engraçada em que se poderia pensar que haveria contenção e não aconteceu foi a dos telemóveis. “Lojas especializadas na área dispararam as vendas em 400%. As pessoas quiseram renovar e começar a fazer coisas um bocadinho diferentes”.

  1. Geograficamente, onde se comprou mais?

No comércio digital, o Porto foi a zona que mais subiu em temos de número de compras, não em termos de valor. “As compras de e-commerce na região norte dispararam 171%. Lisboa está logo a seguir e há distritos surpreendentes, como por exemplo São Miguel, nos Açores que está em 5º lugar nas compras de e-commerce nacionais”.

Top 5 de compras online em Portugal durante a pandemia (dados Unicre): Porto, Lisboa, Coimbra, Aveiro e São Miguel.

  1. Como é que a REDUNIQ faz parte da construção de uma loja de e-commerce

O primeiro passo para um comerciante que queira ter uma loja online e procure os serviços de pagamentos da Unicre é um contacto telefónico ou por email. "Contactamos de imediato com esta entidade, há sempre uma avaliação do negócio. Aceitamos 98% ou 99% dos pedidos”.

Segue-se o desenvolvimento de backoffice com o cliente que pode ou não ser personalizado (elementos como a cor, o grafismo, são passíveis de definir caso a caso).

“Em quatro dias úteis, no máximo, está a funcionar. Para ter um negócio online precisa de um backoffice e para trabalhar com ele precisa de um computador, sendo que também pode fazer com um telefone (mas é mais fácil com computador). É aí que gera os links para os seus clientes pagarem. É das coisas mais rápidas, aceita todas as marcas, Visa, Mastercard, American Express e por aí fora”.

Diners, o primeiro cartão de crédito nasceu num grupo de amigos que não tinha como pagar a conta de um jantar

O cartão de crédito nasceu de uma forma não programada com um grupo de amigos que se juntava frequentemente para jantar, nos Estados Unidos. No final do jantar, cada um pagava a conta e houve um dia em que, sendo a vez de um deles pagar, não tinha levado dinheiro. Pediu então ao dono do restaurante se podia deixar lá um papel a dizer que lhe devia a quantia em causa. Correu bem e o grupo decidiu ir a outros restaurantes perguntar se podiam deixar um cartão com o dinheiro que teriam de pagar, para não terem de transportar dinheiro e no dia seguinte lá passariam. “Forma-se a ideia de fazer um cartão que fosse de crédito e chamam-lhe Diners, que ainda hoje existe. É o cartão Diners exatamente por causa dos jantares que havia e conta a história do nascimento dos cartões de crédito”.

Um detalhe sobre o cartão de crédito: “É considerada a segunda melhor invenção no meio monetário e financeiro, sendo que a primeira e melhor de todas é o dinheiro, sem dinheiro não haveria meios de pagamento”.

  1. Como se começa a vender online?

“A primeira coisa é ter produtos para vender!”

A primeira coisa a fazer é ter uma loja, ou seja, um site onde se possam vender produtos ou serviços e para isso existem modelos de lojas já feitas. “É fazer uma pesquisa online e há variadíssimas soluções. São lojas já prontas, o circuito está pensado de A a Z e o que temos de fazer é colocar lá dentro os nossos produtos”.

Há tarefas a fazer do lado do comerciante como, por exemplo, fotografar o artigo, definir o preço, pensar na estratégia de comunicação.

Conselho de Tiago Oom: “Não vale a pena estar a fazer o desenvolvimento de uma loja de base. Comprar uma loja já pronta é muito mais rápido, muito mais prático e está completamente testado”.

Depois é preciso ter o meio de pagamento, que é onde entram entidades como a Unicre. “Felizmente, temos integrações com a maior parte das lojas que já estão feitas ou pré-feitas. Somos uma solução com 80% de implementação no mercado, temos transversalmente todo o género de pagamento”.

Outro ponto fundamental é a expedição ou entrega. “Tem de se arranjar um acordo fiável. Há empresas que se reinventaram como, por exemplo, a Uber que era de transportes de pessoas e passou a ser também de transporte de mercadorias e até se pode pedir a alguém para andar a fazer as compras e a distribuir o que tiver e ser distribuído".

Os três pontos a reter: é preciso ter um site ou plataforma, que é a loja, é preciso ter quem assegura o pagamento e tem de ser uma entidade credível (porque por aí vai passar todo o dinheiro) e é preciso definir quem faz a distribuição dos produtos.

  1. É possível vender online sem ter uma loja digital?

A resposta é sim.

É tão simples como isto: imagine que não tenho uma loja de e-commerce mas quero que me paguem como e-commerce. A Unicre disponibiliza uma plataforma onde o comerciante cria um link e esse link pode ser gerado por email, sms ou whatsapp. O consumidor recebe o link, clica, e vai para uma página segura, que é nossa. Faz o pagamento e nesse momento o comerciante recebe um aviso a dizer que foi feito (e o consumidor consegue também ver o pagamento feito)”.

Foi uma das formas de pagamentos mais solicitadas durante a pandemia, até pela rapidez de implementação. “É uma personalização que demora cinco dias, temos disponível em cinco línguas. Isto teve uma adesão extraordinária porque toda a gente queria vender sem ter contacto e ter pagamentos e formas remotas de o fazer”.

  1. Que tipo de negócios já se fazem mesmo sem uma loja online?

Tivemos negócios muito engraçados a fazer isto. Pensamos sempre num negócio mais pequeno, na mercearia por exemplo, em que quando acaba as suas compras e se não quiser usar o seu cartão ou telefone, pode receber um link e paga na própria loja com o seu telefone e não toca em nada”.

Mas não só. A restauração foi, sem dúvida, um dos setores, senão o setor, mais dinâmico nesta transformação devido ao formato take away.

“Vimos que os restaurantes se adaptaram e há restaurantes a faturar mais do que faturavam, por estranho que possa parecer. Houve um crescimento de cerca de 270% da parte de restauração, no e-commerce. Foram das atividades mais rápidas a adaptarem-se e estiveram fechados por lei”.

Mas houve também casos curiosos em atividades onde não se está nada à espera. “Tive o contacto de uma marca de automóveis, a Nissan-Renault. Pedia simplesmente se arranjava uma maneira de lhe comprarem carros, automóveis novos, via link, via e-commerce. E sim, podemos. As pessoas visualizam e sinalizam os carros online, nos sites das marcas, sem os ver ou experimentar. O automóvel é sinalizado com um pagamento via um link que é gerado por nós. Confesso, não pensaria que alguém comprasse um automóvel sem o ver, sem o experimentar ou o que fosse. Mas é verdade, se formos a um site de uma marca de automóveis está lá tudo e falta a parte do pagamento. Assim o pagamento fica integrado e a funcionar”.

  1. E para quem já tinha uma loja de e-commerce?

O que mais se notou foi um pedido para maior número de serviços. "Conseguimos uma coisa muito importante que foi a estabilização das plataformas. Para não haver riscos de não conseguir funcionar, não ter rede, sendo certo que, na parte final, que é do comerciante, tem de ter internet. Em quatro dias úteis estamos a pôr as coisas a funcionar, mas gostávamos que fosse em quatro horas”.

  1. Segurança: saber como as coisas funcionam

Sim, é seguro pagar online, quer para quem vende, quer para quem compra. Esta é provavelmente a preocupação mais comum e também aquela que a REDUNIQ procura explicar ao detalhe.

“Ao introduzir os dados de um cartão de débito ou de crédito vai ter uma reconfirmação que geralmente vem na forma de um SMS ou email. Há uma verificação, se o número que foi enviado e se os códigos introduzidos são ou não coincidentes. Se não forem coincidentes, a operação é simplesmente recusada e muitas vezes conseguimos até fazer uma inibição a esse cartão. Fora isso, temos em permanência uma vigilância a fraudes e comportamentos. Conseguimos, junto das entidades que apoiamos no comércio, perceber o tipo de compra que está a ser feito. Por exemplo, uma compra recorrente, do mesmo valor, três vezes seguidas, é bloqueada”.

  1. Onde ficam os dados dos cartões usados pelos consumidores

Não é legal guardar dados de cartões. “Se a loja A estiver a guardar dados de cartões, pode ser penalizada e altamente responsabilizada”.

É aqui que entra a expressão “token”. Que não é mais que um sistema de autenticação. “É uma codificação do cartão. O número do cartão são doze dígitos (e a data de validade e o CVV, o código, atrás, de segurança) – e o que vamos guardar no chamado Card on File é um ficheiro à parte. Não têm nada a ver um com o outro e esse código de cartão implica que cada vez que fizer uma compra, esse cartão tem de vir a nós para reconfirmarmos com o titular do cartão que essa compra efetivamente está a ser feita”

  1. O que mudou

“Havia muitas pessoas que nunca tinham experimentado fazer uma compra remota; agora experimentaram e perceberam o quão prático pode ser. Esta experiência que vivemos vai ficar marcada, nos seus aspetos negativos, mas também no sentido positivo, abriu-se uma nova janela e uma nova maneira de fazer comércio”.

  1. A inovação que se segue

Nos transportes

“Uma é um projeto com os transportes intermodais do Porto e com a Visa, um pouco à semelhança do que já está a ser feito em Londres com o passe Oyster. Qualquer cartão bancário que tenha o sistema contactless, passar a ser o cartão usado para pagar a entrada no metro, autocarro, o que for".

O projeto-piloto já está a decorrer no Porto e a ideia é alargar a mais cidades. "Para pagar os seus transportes, as pessoas não tocam em nada:  passam nos identificadores com o seu cartão normal, do seu banco, desde que tenha contactless, e entram".

Os transportes intermodais do Porto pretendem ainda trabalhar uma parte adicional que é tentar perceber pelo movimento de cada pessoa, durante um dia ou um mês, qual a melhor tarifa possível. "A nossa ideia é, a muito curto prazo, tentar transpor isto para os transportes de Lisboa, Coimbra e Leiria. No fundo, nas grandes cidades, onda há mais transportes, tentar que o contacto seja menor”.

No comércio

“É o que designamos de Smart POS. É um terminal que tem uma aplicação Android, tem um sistema de inteligência, como qualquer telemóvel tem, e em que é possível usar o telemóvel para fazer tudo. Por exemplo, sento-me num restaurante onde quero ter o mínimo contacto possível com tudo o que não esteja garantidamente desinfetado, nomeadamente o menu que andou na mão de 100 pessoas. Com um Smart POS na minha mesa, tenho uma lista, escolho o pedido que vai para a cozinha de forma digital; a seguir, cada vez que quero passar da sopa para o prato e do prato para a sobremesa vou a esse smartphone e registo o que quero e vêm trazer-me à mesa. No final, posso pedir a conta e o Smart POS passa para a forma de pagamento, que pode ser feito via contactless, pode disponibilizar um link de pagamento, introduzir o cartão, ou ainda usar um QR Code”.