Os resultados provisórios indicam que o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, oposição) venceu em 15 municípios, ficando o MpD com sete -- há quatro anos o MpD ganhava em 14 e o PAICV em oito.
"São eleições diferentes", mas "a verdade é que o Governo não conseguiu sacudir do capote as águas de alguma deriva na governação, com resultados sofríveis, em setores como transportes e relacionados, que acabaram por pesar", disse à Lusa o analista político António Correia.
Ou seja, o Movimento pela Democracia (MpD) "perdeu estas autárquicas, um pouco em função do que tem sido o governo central".
Correia disse que "já se pressentia" uma mudança, mas "ninguém esperava que "fosse tão ampla (...), nem o próprio PAICV", referiu, recordando que o líder do partido, Rui Semedo, apontava para a vitória em 12 câmaras.
O analista político António Fonseca acrescentou "o custo de vida" como determinante na perceção do eleitorado.
"Está muito alto e é isso que marca a atitude de cada cidadão", disse à Lusa, considerando que a reviravolta não surpreendente, mas a magnitude dos resultados foi significativa, sinal de insatisfação popular com a qualidade dos serviços públicos e as condições económicas.
Para Fonseca, "cada eleição é uma fotografia do momento político e social", e, embora não se possam extrapolar os resultados diretamente para as legislativas, exigem uma reflexão profunda por parte dos partidos.
Este analista questionou ainda a ausência de explicações claras sobre questões económicas como a escassez de moedas no mercado, que classificou como "indicadores de fenómenos económicos importantes", referindo que, se não houver mudanças tangíveis, o descontentamento popular continuará a crescer.
O presidente do Fórum Cabo-verdiano da Sociedade Civil, Dionísio Simões Pereira, considerou que os resultados surpreenderam tanto vencedores quanto vencidos, reforçando que o desempenho eleitoral do MpD representa um alerta claro para a governação.
"Apesar de o secretário-geral do MpD ter dito que não, entendo que é um sinal de alerta para a governação, para o líder do partido que está a governar", disse.
Dionísio Simões Pereira admitiu que o desfecho das autárquicas seja igualmente prenúncio de alguma mexida a nível do elenco governamental ou em relação à prática política.
Na capital, maior município do país - que o MpD perdeu em 2020 e não conseguiu recuperar -, "há um outro fenómeno", apontou António Correia: o facto de o MpD "não conseguir ter um candidato autóctone, da Praia", indo buscar um cabeça de lista [Abraão Vicente] a Santa Catarina.
"Por mais 'bom rapaz' e inteligente que seja, o bairrismo, a sensação de pertença acaba por falar mais alto quando as pessoas têm de votar", disse, para justificar a reeleição com resultado reforçado de Francisco Carvalho, "o menino de Vila Nova", um dos bairros da cidade.
A abstenção nas eleições autárquicas subiu de 41,6% para cerca de 50%, sinal de desinteresse dos eleitores, referiu António Correia, atribuído, em parte, à falta de propostas sérias para debate, deixando um alerta: pode acontecer o mesmo que noutras partes do mundo e, depois do crescimento da abstenção, ser o populismo a ganhar espaço.
Simões Pereira atribuiu o aumento da abstenção a múltiplos fatores, incluindo fluxos migratórios, falta de motivação dos eleitores e a ausência de uma atualização rigorosa dos cadernos eleitorais.
"Sem uma limpeza rigorosa dos cadernos, tudo poderá não passar de mera especulação", concluiu.
RS/LFO // ANP
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