Nas alegações finais dos recursos às decisões do Banco de Portugal (BdP) que condenaram o antigo administrador financeiro do Banco Espírito Santo (BES) ao pagamento de coimas num valor total de 4,7 milhões de euros (1,2 milhões no processo BESA e 3,5 milhões no Eurofin), Susana Silveira afirmou que o supervisor foi pouco rigoroso em factos constantes da acusação e não imprimiu muitos documentos essenciais para o processo, "sonegando prova relevante" e tentando "enganar quem lê a acusação".

Em particular, referiu a ausência de qualquer referência a documentos relativos às emissões de obrigações (visadas no processo Eurofin) que conseguiu encontrar em ficheiros digitalizados e que, afirmou, demonstram que as operações eram muito anteriores a 2009 e que as emissões realizadas em 2013 foram na realidade 321 e não apenas as 54 que constam da acusação.

A mandatária de Morais Pires afirmou que estas 54 emissões foram "escolhidas a dedo", questionando a validade do depoimento de Joaquim Paulo, da Deloitte, quando o próprio reconheceu que apenas analisou "o que o Banco de Portugal lhe deu" e que desconhecia quantas emissões existiram naquele ano e qual tinha sido o critério para serem aquelas e não outras.

"Não sabe porque não quis saber", disse Susana Silveira, para quem a atuação do BdP depois da resolução visou esconder o facto de ter tido uma equipa de 10 pessoas em permanência no BES sem que nunca tenha sido apontada alguma ilegalidade ou levantado qualquer processo contraordenacional.

A advogada lembrou que Morais Pires apresentou várias queixas e uma ação civil (esta visando também a auditora KPMG) para que as responsabilidades do supervisor na resolução do BES sejam apuradas.

Susana Silveira lamentou que tivesse sido indeferida a produção de prova testemunhal que considerava relevante e pediu ao tribunal que tivesse em conta que o depoimento de antigos dirigentes e funcionários do BES está muito condicionado pelo facto de serem frequentemente chamados a depor, umas vezes como arguidos outras como testemunhas, em processos que aparecem como "cogumelos", sempre à volta dos mesmos factos e envolvendo as mesmas pessoas.

Para a advogada, a credibilidade, independência e isenção destas pessoas fica afetada porque "sabem que, se forem favoráveis aos arguidos, na próxima vez vão ser arguidos também".

Susana Silveira disse que vai levantar a questão da inconstitucionalidade do artigo do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras que fixa os limites das coimas contraordenacionais em 5 milhões de euros, sem diferenciar entidades coletivas de particulares, condenando os arguidos a valores que deixam em "insolvência qualquer ser humano".

Salientando que Morais Pires está a pagar, a prestações, a coima de 350.000 euros a que foi condenado num outro processo, recorrendo a empréstimos, Susana Silveira afirmou que o seu cliente é "uma pessoa séria" que assume as suas responsabilidades, independentemente de ter sido "injustamente condenado".

Nas suas alegações, ao longo de quatro horas, Susana Silveira procurou demonstrar ao Tribunal que Morais Pires não tinha responsabilidade nem teve conhecimento em várias matérias visadas no processo e que, no caso do BES Angola, teve até um papel muito ativo na procura de uma solução para a situação da carteira de crédito e de imobiliário.

A advogada recuperou a declaração do ex-administrador Rui Silveira, também arguido neste processo, de que Morais Pires "deveria ser condecorado por ter conseguido a garantia soberana de Angola", para sublinhar as diligências que o antigo responsável financeiro do BES desenvolveu assim que assumiu o pelouro do BESA, em maio de 2012, comportamento que, considerou, poderia ser enquadrado como "arrependimento ativo".

Susana Silveira afirmou que a garantia soberana, no valor de 5,7 mil milhões de dólares, emitida pelo Estado angolano em dezembro de 2013 evitou a geração de prejuízo no BES ao cobrir eventuais imparidades na carteira de crédito do BESA, sublinhando que as decisões que levaram à sua revogação foram tomadas já depois da sua saída do banco.

O Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, está a julgar, desde 02 de junho, os pedidos de impugnação das decisões do BdP relativas ao processo BESA e Eurofin, que foram apensos.

No processo Eurofin estão em causa infrações por atos dolosos de gestão ruinosa praticados em detrimento de depositantes, investidores e demais credores, desobediência à determinação do BdP que impôs a alimentação da conta 'escrow' (conta de garantia) com recursos alheios ao ESFG, bem como à obrigação de eliminar a exposição não garantida do ESFG à ESI/ESR, à proibição do aumento de exposição direta e não coberta do BES à ESI (cartas de conforto) e de comercialização, de forma direta ou indireta, de dívida de entidades do ramo não financeiro do GES junto de clientes de retalho.

Ainda em causa está a desobediência à proibição de concessão de financiamentos ou refinanciamentos, diretos ou indiretos, às entidades financeiras do GES que não integravam o Grupo BES e a violação das regras sobre conflitos de interesses.

Neste processo, Ricardo Salgado foi condenado a uma coima de 4 milhões de euros, Morais Pires a uma coima de 3,5 milhões de euros e José Manuel Espírito Santo a 1,250 milhões de euros.

No processo do BESA está em causa a não implementação de procedimentos que garantissem o acompanhamento das operações realizadas com entidades ou indivíduos relacionados com o banco, a não implementação de processos de análise ao risco do crédito contratado com o BESA, não obstante a "extremamente elevada materialidade dos montantes em causa" e os potenciais impactos associados ao seu incumprimento, bem como o incumprimento dos deveres de comunicação obrigatória ao BdP dos problemas associados às carteiras de crédito e de imobiliário do BESA.

Neste processo, o BdP aplicou uma coima de 1,8 milhões de euros a Ricardo Salgado, de 1,2 milhões de euros a Morais Pires, de 400.000 euros a Rui Silveira e de 150.000 euros a Gherardo Petracchini.

MLL // JNM

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