Passou muito pouco tempo desde que o apresentador e comediante de 40 anos era uma companhia frequente das famílias ucranianas, em grandes palcos de entretenimento, como o Festival da Eurovisão, numa carreira de sucesso e alta visibilidade a que não pretende retornar.

"Não creio que volte à minha carreira de TV", afirma Prytula, em entrevista à Lusa e RTP em Kiev, antes de uma pausa prolongada. "É difícil de explicar... É difícil fazer o meu trabalho anterior depois de milhares de mortes aqui".

É do seu amplo gabinete num edifício de escritórios de seis pisos no centro de Kiev que a celebridade ucraniana dirige um projeto iniciado com a crise em Donbass, em 2014, de recolha de fundos e aquisição de equipamento militar para o Exército, uma iniciativa da fundação que leva o seu nome e que a invasão russa da Ucrânia, em 24 de fevereiro, deu outras asas.

A organização recolhe dinheiro e donativos em bens específicos como coletes antibalísticos, capacetes em kevlar, 'drones', equipamentos de primeiros-socorros, óculos de visão noturna ou apenas uniformes e camuflados, além de medicamentos e comida.

"Compramos o que os nossos militares dizem, mas também contribuímos com as nossas ideias, porque sabemos que, se não nos pedirem algo hoje, vão pedir amanhã", explica Prytula, dando conta de um amplo projeto de voluntariado dentro e fora do país.

Sem precisar quantidades de bens e valores angariados, para dar uma noção dos números em causa, o líder deste projeto fala da aquisição recente de capacetes e coletes na Turquia, num contrato de 3,3 milhões de dólares (três milhões de euros), ou outro, de compra de 'drones' avaliado num milhão de dólares (900 mil euros).

Os contributos vêm de empresas e de cidadãos e são usados para compras dentro da Ucrânia, "no que é possível comprar cá", ou enviados para os voluntários no oeste do país, onde não há presença de forças russas, e que depois vão abastecer nos países europeus vizinhos, esclarece.

Por vezes, prossegue, há dificuldades inesperadas como uma oferta de 500 coletes antibalísticos de um doador nos Estados Unidos, que não chegam à Ucrânia porque a lei norte-americana impede-o de fazer em nome individual. "E quando é assim procuramos logo outras soluções".

Ao longo do edifício neoclássico de escritórios, cada sala é ocupada com uma função, no armazenamento de equipamentos militares, de saúde e comida a fazer chegar aos militares, guarda nacional ou forças territoriais.

Trabalham em permanência mais de 30 voluntários, numa azáfama constante de transporte de caixotes sempre a chegar e trânsito de pessoas nos corredores apertados, sob o lema "Russos, vão-se f...", inscrito num cartaz exibido no átrio em ucraniano com as letras todas. "É tudo isso que está em causa", justifica um deles.

Em sinal de reconhecimento, os militares devolvem oferendas provenientes dos teatros de batalha, mostradas como troféus no gabinete do líder do projeto: um fragmento de um avião de combate SU-41 russo, abatido na primeira semana de guerra nos arredores de Kiev, um periscópio de um carro de combate também destruído, na segunda, pelas forças ucranianas, bandeiras de sinalização de colunas militares e até rações de combate.

Vestido com uma camisola de lã branca e de colete à prova de bala verde-tropa, Serhiy Prytula tem ainda no seu posto de trabalho um amplo mapa da Ucrânia exposto na parede, como uma extensão de um pensamento comum no país, de que este não está só mas podia estar muito mais acompanhado.

"Temos algumas armas que ajudam a destruir aviões e tropas russas, mas não é suficiente quando falamos sobre a possibilidade de ganhar. Precisamos de muito mais, precisamos de aviões e sabemos onde eles estão. Estão na Polónia e a Polónia quer partilhá-los connosco, mas NATO continua a pensar em como fazê-lo e ao mesmo tempo em como ficar de fora", critica o ativista e estrela televisiva.

Deixado para trás o seu passado de comediante, sente irresistível a comparação contra a ficção e a constatação que faz de que "as forças armadas dos Estados Unidos ou da NATO são realmente corajosas e fortes, mas apenas nos filmes de Hollywood", porque, quando se trata de guerra real, "ficam apenas a ver".

Em contrapartida, afirma, em quase três semanas de guerra, o Exército ucraniano já demonstrou que pode travar a invasão russa, "porque consegue vê-lo". Mais difícil é lutar contra o que não vê, na forma de 'rockets' disparados das frotas estacionadas no Mar Negro.

No que respeita ao envolvimento dos países parceiros, mais do que apoio financeiro ou algum armamento, está em causa um espaço aéreo que urge fechar: "Cada minuto em que gastam tempo, nós temos mais assassínios de mulheres, crianças, idosos e soldados"

Mesmo quando já lhe escapa o humor, acha graça ler declarações de líderes de países vizinhos, que falam sobre o risco de escalada militar com a NATO, quando "todos viram um ataque aéreo a 20 quilómetros da fronteira com a Polónia", e ainda acham que, até por causa disso, não se devem envolver.

Para Prytila, isto é uma inversão de toda uma lógica que o Presidente do seu país e seu anterior adversário político, Volodymyr Zelensky, tem tentado contrariar junto dos seus parceiros e aliados.

"Zelensky está a tentar explicar que a Ucrânia é só o começo e que todos na Europa devem entender que, se a Ucrânia é suficiente para [Vladimir] Putin, estão todos enganados, porque ele não é um homem que se contente apenas com isso", assinala, considerando que o líder russo é movido por reconstruções imperialistas para devolver a Moscovo todas os territórios que já teve, como os países bálticos, a Moldova e, a seguir, talvez Polónia, Hungria e República Checa.

É por isso, sustenta, que a vizinha Polónia entende tão bem o drama ucraniano: "Eles têm boa memória. Quem separou a Polónia três vezes nas últimas centenas de anos? A Rússia". Não há então outra saída, prossegue, "só lutar". E não deixar que este conflito seja lido apenas nos limites daquele território exposto na parede, nem aceitar as "tretas de Putin" e a suposta defesa das liberdades em Donbass, que equipara às expansões anteriores na Abcásia, Transnístria ou Ossétia.

"Estamos a falar de um estado no mapa-mundo. Se perdermos, não haverá mais Ucrânia e terão 40 milhões de refugiados na Europa sem estado. Não creio que isto deixe alguém satisfeito e é por isso que têm de nos ajudar", apela e insiste: "Se a Europa mostrar medo, Putin vai destruí-los".

Candidato não eleito nas últimas legislativas pelo partido Holos (Voz) e também à Câmara de Kiev, Serhiy Prytula faz parte de uma nova geração de políticos e ativistas ucranianos, a que pertence igualmente o atual Presidente e também ele antigo comediante, ou o fundador daquela força partidária, Svyatoslav Vakarchuk, uma celebridade musical.

Prytula acabou por decidir-se pela dissidência daquele partido, fazendo planos de fundar o seu próprio movimento, mas só depois da guerra -- "depois da vitoria, não é tempo agora de falar nisso" -, mantendo até lá o apoio a Zelensky, seu anterior adversário político.

"Ele faz tudo o que pode e faz bem, o seu melhor. É bom para todos os ucranianos que esteja em Kiev. Temos uma capital, um Presidente ucraniano, um Governo e deputados na capital, o que significa que temos instituições cá e isso é muito importante para todos nós", considera o antigo apresentador televisivo. Trata-se de uma motivação para ele próprio, quando teve de enviar os seus filhos para o oeste do país e sente falta deles.

Antes que chegue o tempo de acertar contas eleitorais, a estrela de programas de grandes audiências na Ucrânia como "Bela Ucrânia", "Acorda" e de busca de talentos "Ucrânia não acredita em Lágrimas" pressente que essa é uma data distante no calendário e que esta será uma guerra longa, "porque Putin é um homem completamente louco" e não vai parar.

"Queremos ser independentes, livres e estar na União Europeia e isso deixa-o furioso porque ele pensa que ainda somos parte de algo da União Soviética", resume. "É por isso que nos quer matar a todos".

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Lusa/Fim