Se não fosse pela placa que marca a "Cadeia Antiga", o local por onde passaram milhares de pessoas quase nem se notaria no centro da pacata Vila Mau-Meta, a localidade principal da ilha, localizada a cerca de 30 quilómetros a norte de Díli.

Os edifícios principais da prisão desapareceram e os quadrados em pedra marcam apenas o que eram celas subterrâneas, os "Rae Kuok": "buracos" onde eram colocados alguns dos prisioneiros.

Por ali passaram, primeiro, os desterrados de Portugal e das ex-colónias portuguesas, depois os desterrados pelas forças japoneses que ocuparam Timor-Leste durante a II Guerra Mundial e, finalmente, os desterrados durante a ocupação indonésia do território.

Este último grupo - os "desterrados de Ataúro 1980-1987" - é hoje recordado num monumento em pedra em que se cruzam duas bandeiras (a de Timor-Leste e a da Fretilin) e a frase que declara que "o isolamento de Ataúro não matou o espírito da resistência e da libertação nacional".

Augusto Barbosa, agricultor, 60 anos, e que vive a poucos metros do monumento, conta que o espaço foi completado em 2017, mas que "ainda não foi inaugurado", e numa conversa com a Lusa recorda momentos da história da ilha-prisão.

"Foram milhares, talvez até 10 mil pessoas, que os indonésios desterraram para aqui de vários municípios de Timor-Leste", explicou.

"Tinham sido pessoas que se renderam à ocupação indonésia e que foram trazidas com as famílias para aqui para não poderem contactar com a resistência", disse.

Habitados à dureza da vida na isolada ilha, os habitantes viveram momentos difíceis com os desterrados, com doença e carências alimentares, castigos e torturas.

"Morriam 10 pessoas por dia. Não havia comer e as condições eram más. As pessoas eram castigadas e torturadas", recorda, explicando que a presença militar indonésia na ilha começou uma semana depois da invasão de Díli, em 07 de dezembro de 1975 e só terminou em outubro de 1999.

A grande maioria voltou para as suas zonas, especialmente depois da intervenção, entre outros, do ex-governador Mário Carrascalão, mas muitos ficaram, fazendo engrossar a população da ilha, que passou de "talvez 1.500" antes da invasão, para vários milhares -- hoje são entre 12 e 13 mil.

A alguns minutos de viagem - em estradas de terra e pedra batida num dos 'tuk-tuk' que apareceram nos últimos anos na ilha -- está outro dos símbolos da natureza especial de Ataúro, uma ilha onde a maioria dos habitantes são protestantes e onde o catolicismo só chegou, formalmente, em julho de 1951, quando o primeiro grupo de 21 pessoas foi batizado.

O monumento de "peixe e pão" recorda o batismo levado a cabo pelo "Padre Hornai", poucos anos depois do catecismo chegar à ilha onde a primeira influência religiosa, que começou duas décadas antes, foi a do protestantismo, trazido, pensa-se, por calvinistas holandeses da vizinha ilha indonésia de Alor.

Desse primeiro grupo de batizados, fazia parte Abílio Santos que, como conta o seu filho, morreu há poucos dias, com "entre 80 e 90 anos, ninguém sabe bem", a poucos dias de completar os 69 anos batizado.

"Este monumento marca a entrada do catolicismo em Ataúro. Agora há mais católicos, mas a maioria ainda é protestante", explica João Santos, 39 anos.

Januário de Araújo, monitor de catequese desde 1969 e professor do ensino básico em Vila Mau-Meta, diz ter os dados atualizados: em 2018, explica à Lusa, havia mais de 6.300 protestantes e cerca de 4.700 católicos.

"Devem ter aumentado um pouco", estima.

Com detalhe vai explicando a chegada do catolicismo à ilha -- quase 500 anos depois de ter chegado à ilha de Timor, uma "história longa" que começa com um administrador que pontapeia, até à morte, um homem doente que não pode ir trabalhar a construir estradas.

Mas que acaba por estar também relacionada com a vinda dos desterrados durante a ocupação japonesa -- "vieram mais de 3.000 pessoas" -- e os responsáveis da diocese de Díli, especialmente a paroquia de Balide, começaram a tentar promover a catequese em Ataúro.

"A catequese começou a ser dada lá para o final de 1949, mas o primeiro batismo foi a 21 pessoas, quatro rapazes e 17 raparigas", explica o professor, que começou a estudar em Ataúro, completou a quarta classe em Maliana, a sul de Díli, e depois esteve os últimos três anos no Seminário de N. Senhora de Fátima, em Dare, perto da capital timorense.

Hoje, explica, as duas comunidades religiosas, "dão-se bem".

As memórias e os monumentos que as recordam são alguns dos atrativos a visitar na ilha, que é hoje um dos locais com maior potencialidade turística de Timor-Leste.

Sobre esta questão e o desenvolvimento futuro, Augusto Barbosa é enfático, recordando que Ataúro tem, supostamente, o estatuto de 'zona especial' formada com o enclave de Oecusse-Ambeno dentro do projeto das Zonas Especiais de Economia Social de Mercado de Timor-Leste.

"Somos zona especial e agradecíamos muito que isso de verdade acontecesse rapidamente para que possamos gozar da independência", explica.

"Continuamos com dificuldades. Falta de água, de eletricidade, de estradas, de pessoal de saúde e de melhores condições económicas", explica, pedindo mais medidas para desenvolver a agricultura, a pesca e o turismo na região.

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