A 14 de maio, a Rádio Renascença noticiou que um menino nepalês de nove anos foi agredido por outros menores numa escola de Lisboa, que posteriormente se veio a saber que seria na Amadora. Até hoje, o caso tem levantado algumas questões, já que o Ministério da Educação diz não ter conhecimento de nada do que terá acontecido.
Como surgiu a denúncia?
A denúncia partiu do Centro Padre Alves Correia (CPAC), instituição que apoia imigrantes em situação de vulnerabilidade. Ana Mansoa, diretora executiva da instituição, considera que as motivações dos menores que agrediram o menino nepalês foram xenófobas e racistas.
"O filho de uma senhora acompanhada pelo CPAC, que tem nove anos, e que é uma criança nepalesa, foi vítima de linchamento no contexto escolar por parte dos colegas. Foi filmado e divulgado nos grupos do WhatsApp das crianças", referiu.
Estiveram envolvidos na agressão cinco colegas da vítima, um com mais destaque, e há ainda registo de um sexto elemento que filmou o momento.
O menino ficou com “hematomas pelo corpo todo” e com “feridas abertas”. “Acabaram por ser tratadas pela mãe porque teve medo e quis evitar ir a um hospital ou centro de saúde. Isto acaba por ter estas consequências, estas agressões físicas, para estas pessoas, acabam por lhes dar a perceção de que não são bem-vindas, não são bem tratadas e não são bem acolhidas”, explicou Ana Mansoa à RR.
A criança também foi agredida verbalmente e foram proferidas frases como "vai para a tua terra". A família nepalesa está a viver há dois anos em Portugal.“Estão integrados socialmente, têm rendimento fixo e a situação contributiva regularizada".
Foi apresentada queixa do sucedido?
Na altura, a diretora executiva do Centro Padre Alves Correia referiu que ainda que não tinha sido apresentada queixa às autoridades e que a própria escola não terá denunciado o caso, mas uma das crianças envolvidas foi suspensa por três dias.
Hoje, o CEPAC assegurou já ter dado “informação precisa” às autoridades para acompanharem a situação.
O que diz o Ministério Público?
Soube-se ao final desta tarde que o Ministério Público abriu um inquérito à alegada agressão. "Confirma-se a receção de uma denúncia relacionada com a matéria, esclarecendo-se que dela não consta informação relativa à nacionalidade da vítima", referiu a Procuradoria-Geral da República (PGR), em resposta à agência Lusa, acrescentando que na queixa apenas é indicada a nacionalidade da mãe, "a qual não é nepalesa".
A PGR adianta que "por não ser até agora conhecida a concreta idade dos autores da factualidade denunciada, foram instaurados um inquérito tutelar educativo e um inquérito-crime".
O inquérito tutelar educativo (ITE) - menciona a PGR - encontra-se previsto na Lei Tutelar Educativa, quando estão em causa factos qualificados pela lei como crime, praticados por menor(es) entre os 12 e os 16 anos.
"Salienta-se que poderá posteriormente vir a justificar-se a instauração de processo de promoção e proteção (caso algum/alguns do(s) eventual(is) agressor(es), à data dos factos, não tivesse(m) completado 12 anos)", conclui a PGR
E a PSP?
Em resposta à Lusa, a PSP refere que não recebeu qualquer queixa por parte do Centro Padre Alves Correia (CEPAC), que denunciou o caso da alegada agressão.
"A PSP apenas teve conhecimento da situação através dos órgãos de comunicação social. Neste momento, estamos a recolher os elementos essenciais de informação da ocorrência para comunicação ao Ministério Público", indica esta polícia, que já reforçou a presença policial nas escolas para "sinalizar eventuais situações de conflito que estejam a acontecer e que possam perdurar durante o período das férias escolares, incidindo essa monitorização prioritariamente nas redes sociais".
O Ministério da Educação está a par do sucedido?
No dia de ontem, o Ministério da Educação disse que a escola desconhece o que terá acontecido.
“Contactada a escola em causa, na Amadora, a direção informou que os únicos alunos de nacionalidade nepalesa a frequentar o Agrupamento estão no Ensino Secundário. Informou ainda desconhecer por completo o alegado episódio ou qualquer situação semelhante, não tendo inclusive recebido qualquer participação sobre um ato idêntico”, informou o Ministério da Educação, Ciência e Inovação numa nota. Segundo a mesma informação, “não existe, por isso, qualquer ocorrência disciplinar registada”.
O ministério acrescentou ainda que ”a Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares do Ministério da Educação, Ciência e Inovação contactou os agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas do concelho de Lisboa, não tendo sido identificada por estes nenhuma situação semelhante à relatada na comunicação social sobre um alegado ‘linchamento’ a um aluno ‘de 9 anos’, de nacionalidade nepalesa, ‘numa escola de Lisboa’”.
Já no dia de hoje, o ministro da Educação, garantiu desconhecer o caso da alegada agressão. “Quando a notícia foi veiculada, o Ministério procurou saber. Os serviços foram junto das escolas e, de facto, com os contornos que foram descritos na comunicação social nós não temos a identificação do caso”, afirmou Fernando Alexandre.
“O ponto que é fundamental é estarmos atentos a casos de violência, sejam sobre crianças estrangeiras ou portuguesas, que obviamente têm de ser denunciados e temos de ter todas as estratégias para impedirem que eles aconteçam. E garantir que, de facto, nestas populações mais frágeis, que chegaram a Portugal há pouco tempo, conseguimos integrá-las da melhor forma”, disse o ministro.
Apesar de admitir que ainda há “muita incerteza” sobre este caso, Fernando Alexandre sublinhou que a integração de jovens estrangeiros nas escolas é um grande desafio e que é preciso monitorizar os estabelecimentos de ensino para assegurar que não há episódios de violência sobre os estudantes.
Estas situações de agressão nas escolas são recorrentes?
Questionado sobre a existência de mais casos de violência similares em escolas, o ministro da Educação apontou para informações sobre “um ligeiro aumento da violência”, de acordo com os dados do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), que serão oficialmente apresentados em breve.
Por sua vez, a Associação Portuguesa de Diretores de Agrupamento e Escolas Públicas (ANDAEP) rejeitou que estejam a generalizar-se os casos de agressão em contexto escolar a crianças imigrantes, mas defendeu que não se pode fingir que não acontece.
“Eu acho que na escola pública é um caso isolado, mas é um caso que nos preocupa. Há uma semana, aqui ao lado, no Porto, tivemos uma situação com adultos, muito idêntica a esta. Isto preocupa, é um alerta, temos de estar atentos”, afirmou o presidente da ANDAEP, Filinto Lima.
Filinto Lima considerou que a existência de casos de racismo e xenofobia ainda não são uma realidade nas escolas portuguesas, sublinhando que são fatores como a segurança e qualidade da educação que elevam os imigrantes a escolher Portugal.
“Casos deste género, que roçam o racismo e a xenofobia, nós não temos. Agora, com certeza que onde há muitos alunos acontecem episódios de difamação, de agressão. Acontecia isso no meu tempo e eu sou do século passado. Agora temos é de combater todos esses casos, incluindo estes casos que me parecem estar relacionados com racismo e xenofobia que são duas situações que nós não admitimos no nosso país”, defendeu.
O que diz a comunidade nepalesa em Portugal?
A maior associação de nepaleses em Portugal denunciou o aumento do ‘bullying’ nas escolas contra os filhos de imigrantes, por parte de outras crianças, o que também reflete um aumento do sentimento anti-imigração.
“Sabemos de alguns casos, porque os nossos filhos têm problemas de integração”, principalmente os casos de imigrantes do sudeste asiático, afirmou Kamal Bhattarai, presidente da associação Niapal.
“Isto preocupa-nos” e “estamos a visitar escolas várias vezes, falamos com professores e pais e recebemos muitas informações preocupantes”, explicou o dirigente, em declarações à Lusa.
Para Kamal Bhattarai, há vários problemas na integração dos filhos de imigrantes do sudeste asiático, em particular os nepaleses, que constituem já 50 mil em Portugal. “Eles estão muito isolados, não falam português, muitos nem falam inglês”, explicou.
Kamal Bhattarai considerou que o aumento de incidentes mostra que o “discurso anti-imigração [em Portugal] está a fazer um caminho” e a conquistar apoio dentro da sociedade portuguesa.
*Com Lusa
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