Por isso vou tentar não abordar as disputas, iniquidades e contradições que afligem semanalmente, até porque o ano ainda não acabou e muitas situações podem mudar em sete dias. À velocidade a que tudo se desenrola hoje, acelerada pela informação constante e em tempo real, há questões que ainda mostrarão desenvolvimentos na última semana dum ano montanha-russa  – fora as surpresas.

À medida que os anos passam – e 2020 foi um ano particularmente agitado e assustador – temos cada vez mais consciência de que todos e cada um vivemos num mundo complicado, que é preciso negociar todos os dias para não entrar em depressão existencial.

Às vezes, numa pausa do turbilhão, pergunto-me como é possível que “as coisas” sejam assim; como é que não conseguimos resolver duma maneira harmoniosa, ou pelo menos satisfatória, os problemas duma sociedade tão evoluída e, ao mesmo tempo, tão incapaz de encontrar equilíbrio dessa evolução. Inventamos técnicas sofisticadas – como, digamos, os microchips e a manipulação do ADN – e continuamos com as mesmas iniquidades, estupidezes e contradições que nos acompanham há séculos, mesmo milénios.

Não nos entendemos, apenas encontramos um precário equilíbrio de bem e mal estar, sempre insondável...

Adiante. É Natal. Já que nem nos atrevemos a ponderar como foi o ano, vamos pelo menos medi-lo através dele próprio  — das palavras e dos nomes que prenderam a atenção nestes doze meses.

As palavras

Todos os anos, as maravilhas da informática permitem contar, entre milhares de milhões, as palavras que dominaram os noticiários e as conversas. Várias entidades dedicam-se a esta medição. Uma delas, a Oxford Languages, escolhe a mais usada num conjunto de onze mil milhões oriundas de notícias na língua inglesa – a chamada “língua franca” que, não sendo a mais falada no mundo, é a que o mundo mais usa.

Em 2019, sem espanto, a palavra mais usada foram duas: “emergência climática”. O debate sobre a sua existência – porque tudo se debate, mesmo o evidente – destacou-a como a grande vencedora. Mas 2019 foi, vemos agora, um ano relativamente “calmo”. Em 2020, a Oxford Languages não se conseguiu fixar numa palavra! 

Num ano considerado por eles “sem precedentes”, foram tantas a atropelarem-se, que a instituição decidiu apresentá-las por meses. Por enquanto só foram contabilizadas até Outubro. Aqui vai:

Janeiro/Fevereiro

Bushfire (Incêndio florestal): Relacionada a eventos climáticos que resultaram em queimadas na Austrália no início do ano 

Impeachment: Relacionado ao pedido de Impeachment contra o presidente americano Donald Trump 

Acquittal (absolvição): Termo relacionado à absolvição de Donald Trump no pedido de impeachment 

Março/Abril

Coronavírus: coincide com o anúncio da pandemia pela Organização Mundial de Saúde

Covid-19: Após o registo pela OMS, a palavra Covid-19 superou o uso do termo Coronavírus 

Lockdown (confinamento): A palavra que resume as várias quarentenas imposta pelos governos 

Social Distancing (Distanciamento Social): ao contrário de coronavírus, um substantivo que vem da década de 60 (quando só era usado nos meios científicos, mas existia), este termo é novo e o conceito também.

Maio/Junho 

Reopening (Reabertura): apareceu bastante no hemisfério norte, um sinal de optimismo.

Black Lives Matters: relacionado com os movimentos anti-racistas que surgiram em todo o mundo após os assassinatos de George Floyd e Breonna Taylor nos Estados Unidos 

Cancel Culture (Cultura de cancelamento, numa tradução livre): Significa o boicote e retirada de apoio a figuras públicas cujas palavras e acções foram consideradas inaceitáveis 

BIPOC: abreviatura de preto (black), indígenas (indigenous) e pessoas de cor (people of color)

Agosto 

Mail-in: votação na eleição americana por meio do serviço postal 

Balarusian (Bielo-russo): A reeleição de Alexander Lukashenko na Bieloríssia fez com que o nome do país fosse o mais citado na comunicação social de língua inglesa.

Setembro

Moonshot: o programa para testes em massa do Covid-19 do governo do Reino Unido.

Outubro 

Superspreader (Superdifusor): Datado na década de 1970, o termo este ano define um acontecimento que provoca grande contaminação do novo coronavirus.

Net Zero (Energia Zero): Uma nova maneira de definir neutralidade carbónica. Popularizado pela promessa (discutível) do presidente da China, Xi Jinping, de que o país será neutro em carbono até 2060. 

Fora estas palavras, houve conceitos até então desconhecidos que se popularizaram, e não só em inglês, como “Valor de R”, o número de pessoas que um infectado pode infectar. Fala-se rotineiramente de ‘baixar o R’ ou ‘trazer o R abaixo de 1’. Outros termos que se tornaram muito comuns são “achatar a curva” e “transmissão comunitária”.

Outro aumento óbvio foi a expressão “segundo a ciência” (que aumentou 1.000% em relação a 2019) e, evidentemente, “pandemia” que passou do quase zero a perto do infinito. Estranhamente, a palavra Brexit caiu 80% em relação ao ano anterior, mas temos de pensar que a medição só foi até Outubro. Nestas últimas semanas, em que a novela “Brexit” está a atingir o clímax, com o episódio mais dramático e final, com certeza que entrará para as “mais mais” de 2020...

O dicionário Collins que faz uma contagem concorrente ao Oxford, escolheu – adivinhem! – a palavra “confinamento”.

Em Portugal, quem faz esta estatística é a Porto/Editora, baseando num método menos científico, ou não fôssemos nós os mestres do aleatório. Há uma votação pelos “leitores” que se interessam por estas medições. Ainda não fechou, mas há dez candidatas.

  • Confinamento
  • Covid-19
  • Digitalização
  • Discriminação
  • Infodemia
  • Pandemia
  • Saudade
  • Sem-abrigo
  • Telescola
  • Zaragatoa

Outro indicador do que atraiu (ou retraiu) as pessoas neste ano surreal foi a consulta de nomes na Wikipédia em inglês. É uma página longa que recomendo aos mais curiosos, mas adianto algumas curiosidades, a partir das 43 mil milhões de pesquisas da primeira página feitas até Outubro. Para se ter uma ideia de como a Wikipédia é uma boa medida do interesse das massas pelos especiais, basta ver que “Despacito”, o nome recorde do YouTube, teve “apenas” sete mil milhões de buscas.

Os nomes mais procurados, sem surpresas, são Donald Trump, Barack Obama e Elizabeth II. Mas há procuras surpreendentes, como World War II, Michael Jackson, ou Lady Gaga (116 milhões!) Também suscitaram curiosidade Adolf Hitler (!), Steve Jobs e Kim Kardashian. O nosso Cristiano ficou em 14º lugar, com 109 milhões de consultas, muito à frente de Leonel Messi, ora toma lá!

O país que mais consultas fez foi os Estados Unidos, mas em segundo lugar vem a Índia, à frente de todos os países europeus.

Que concluir de tudo isto? Por um lado, que 2020 foi um ano de aflição epidémica, sem dúvida. Por outro, que as várias guerras e desavenças não levantaram tanto pó como de poderia pensar – e deveria ser. Finalmente, considerando as pessoas mais procuradas pela curiosidade das massas, continuamos como sempre – mais preocupados com o “fait divers” do que com a realidade cruel.

Talvez seja melhor assim...