O mais complicado nesta comunicação entre o Buda e malta das finanças são os anglicismos, que estão habituados a usar na profissão, face às máximas de Buda. Terá de haver uma espécie de tradução. Por exemplo, quando Buda diz: "Busca a iluminação e o resto te será dado por acréscimo". Trocado por miúdos para os novos budistas da banca, é: busca o cash-flow (fluxo de caixa) e terás o return (retorno) em dividendos.
O budismo tornou-se uma espécie de viagem na vida em primeira classe. Dá para tudo.
- eu não como carne
- porque és contra?
- porque posso.
É sempre bom poder optar: “como sementes ou vou aos croquetes do Gambrinus?”
Quem devia aderir ao budismo era o pessoal da EMEL — "Se bloqueias esse carro voltas como uma barata".
Outra das modas, de quem tem tempo, é o ioga. Eu conheço quem vá fazer ioga na Fontes Pereira de Melo às 6 horas da tarde. Não fazia melhor, em termos de nervos, ficar em casa? Já ouvi "fo**-se , fui ao raio da minha sessão de ioga e tive uma porra de merda de meia hora para arrumar o carro. Até vim cá fora fumar". Ou "que stress, não sei que meias pôr para a minha aula de ioga". Há aqui qualquer coisa que não faz sentido.
Confesso que já fui a um retiro de ioga à procura de mim mesmo e acabei por me perder na estrada para lá. Estes retiros de ioga, segundo me foi dado a perceber (estava um bocado bêbedo) são especialmente indicados para “todos aqueles que desejam aprender e vivenciar as técnicas de desintoxicação e da purificação física, emocional, mental e energética”. Ou seja, é muito parecido com o que faz um RedBull.
A primeira coisa que nos vem à cabeça quando se chega a um retiro de ioga em Trás-os-Montes é umas Migas de Caldeirada de Bacalhau, ou um Coelho à Transmontana, ou um Cabrito Assado no Espeto…esqueçam. Num retiro de ioga o melhor que se arranja é um souflé de rabanete com molho de urtiga.
É compreensível que uma pessoa que vai estar meio fim de semana de cabeça para baixo não queira ingerir um ensopado de enguias, mas também não é bom meditar e ouvir a barriga dos outros a rugir.
Assisti a uma aulas de karma, asana, yoganidra, pranayama, topless, mas ninguém me convidou para dançar e fui-me embora. Prefiro capoeira. Cheguei à conclusão que um retiro de ioga é um bom sítio para uma pessoa se abrigar se estiver a chover, e pouco mais. Para desanuviar da meditação da concentração de ioga, tive de ir a uma grande concentração motard. Correu muito melhor, havia comida com muita gordura por todo o lado e andei à pancada com uma senhora de barbas.
Já fui acusado de escrever crónicas contra a religião católica. É falso. E se o fiz foi só porque eles estão mais presentes. Eu sou contra as religiões em geral. Não me levem a mal mas eu quando morrer, quero morrer mesmo. Não me venham despertar para cenas que vocês apreciam. Eu até quero ser cremado e espalhado pelo Chiado para que não passe pela cabeça a deuses que ainda podem aproveitar alguma coisa minha para a eternidade.
Se pudessem não me chatear depois de morto, agradecia, já chega o que me fizeram passar em vida. Eu percebo que haja quem precise de guias espirituais, mas eu fico satisfeito se souber onde há bons caracóis.
No fundo, ricos a fazer de budistas, atenção aos espíritos criativos mais sensíveis porque vem lá trocadilho, é uma espécie de à Ghandi e à francesa — chupa, António Sala.
Sugestões do autor:
Nesta semana que passou morreu Sam Shepard, por isso o mínimo era fazer três sugestões que o incluíssem:
Um livro: a minha bíblia – Motel Chronicles – crónicas americanas na tradução portuguesa.
Uma peça: Buried Child.
Um filme: Days of Heaven. O brilhante trabalho de ator num dos meus filmes favoritos do Terrence Malick.
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