Barcelona

Na última semana do século XX, tinha eu os meus tolos 20 anos, vi-me num autocarro em direcção a Barcelona com um grupo de simpáticos algarvios. A vida tem destas coisas e não tenho aqui espaço para explicar desde o início o que me levou a estar naquele autocarro. Certo é que fomos alegres e chegámos cansados — e deitámo-nos a dormir na primeira noite, num centro paroquial ali pela zona do Hospital de Vall d’Hebron, onde o Jordi, um catalão reservado e com ar competente, olhava por nós, tentando não perder nenhum jovem lusitano nessa semana de fim de ano, de século e de milénio.

Por esses dias, já eu sofria dum mal raríssimo: a catalanofilia. Uma viagem para Barcelona era, para mim, uma delícia. Encontrar à minha volta tanta coisa escrita em catalão e ouvir, no metro, a pronúncia fechada e tão estranhamente próxima da nossa deixava-me num estado de perigosa embriaguez.

A portuguesa que odiava o catalão

Como sempre acontece em viagens, fiz vários amigos por esses dias, com quem desatei a passear por Barcelona. Uma delícia.

Mas havia um espinho: desse grupo de amigos fazia parte a Carla — que tinha um particular ódio ao catalão!

Não percebi muito bem como ganhou esse ódio… De alguma maneira, se eu sofria de catalanofilia, ela tinha apanhado o vírus da catalofobia. E lá andávamos os dois a percorrer as ruas de Barcelona a conversar e a discutir…

Talvez esteja a exagerar com o «ódio». Mais do que ódio, era uma tendência ligeiramente irritante para afirmar que o catalão não é uma língua.

É verdade que, em muitos casos, os linguistas não se entendem sobre onde acaba uma língua e começa outra. Mas há línguas que não levantam grandes dúvidas e o catalão é uma delas. Qualquer que seja o critério que usemos, o catalão deve ser contado como língua: é reconhecido como língua própria pelos seus falantes, tem um padrão estabelecido e usado na escrita, tem norma e variedade interna, para lá de uma tradição literária de séculos. Muito antes de haver o actual Reino de Espanha, já muita gente falava e escrevia em catalão, embora nem sempre lhe desse esse nome. Continuo: é a única língua oficial de um Estado independente (Andorra). Tem características gramaticais próprias e bem marcadas. Tem uma ortografia estabelecida. Enfim, podia continuar aqui a manhã toda. Termino com isto: os falantes de catalão têm ao seu dispor o arsenal de obras que uma língua com tradição escrita costuma ter: dicionários, gramáticas, enciclopédias e, claro, livros a reclamar sobre o estado da língua.

Ou seja, o catalão é mesmo uma língua — e uma língua com milhões de falantes. O único factor que leva tantos a não perceber isto parece ser este: o território que deu o nome à língua não é independente. Mas, bolas, o País Basco também não é independente e ninguém se atreve a dizer que o basco é espanhol. Podemos dar muitos mais exemplos de línguas com nomes que remetem para territórios que não são independentes. Saindo da Península, mas sem sair da Europa: gaélico escocês, occitano, bretão, sórbio, lapão, galês… Se virmos bem, até os nomes «inglês» e «castelhano» remetem para territórios que não são independentes.

Isto é lá uma língua!

Bem, isso não importava à Carla. Andávamos pelo metro e ela lá ia apontando para os avisos em catalão que vinham com a tradução em castelhano por baixo, comparava as palavras parecidas do catalão e do castelhano e decretava (num excelente exemplo da maneira como, em português, fazemos uma negativa com a palavra «lá»):

— Isto é lá uma língua!

Tremi e contive-me. Mas ela continuava: olhava para frases em catalão e começava a irritar-se por haver gente que considera aquilo uma língua! Tudo porque, de facto, o catalão é uma língua próxima do castelhano… Mas também o português o é — e o francês, italiano… No fundo, ela descobriu que as línguas latinas estão muito próximas umas das outras!

Quando falamos das diferenças entre línguas próximas, é sempre possível encontrar exemplos para provar tudo e o seu contrário. Sabendo desse perigo, aqui deixo algumas tríades de palavras para vermos como o português, o castelhano e catalão se aproximam e afastam mutuamente:

português — castelhano — catalão
o meu primo — mi primo — el meu cosí
as mulheres — las mujeres — les dones
o homem — el hombre — l’home
azul — azul — blau/blava
praia — playa — platja
filho — hijo — fill
bom dia — buenos días — bon dia
falar — hablar — parlar
comer — comer — menjar

Três notas rápidas…

Primeiro, o artigo «el», usado em catalão, é uma marca típica do espanhol na cabeça dos portugueses. É uma das razões que leva alguns distraídos a olhar para um texto em catalão e a pensar que aquilo é espanhol. Note-se, no entanto, que o «el» catalão não segue as mesmas regras que o «el» castelhano: por exemplo, «el meu cosí» corresponde a «mi primo» (embora, para sermos rigorosos, estas diferenças no uso dos artigos também aconteçam dentro da mesma língua). Antes de avançar, duas surpresas: o «el» catalão lê-se, muitas vezes, como «âl»; além disso, pode juntar-se à palavra seguinte, ficando assim «l’home». Ah, e note-se o plural: o artigo definido masculino plural do catalão é «els» e não o castelhaníssimo «los» (isto serve para dar algumas pistas a quem andar a tentar destrinçar as duas línguas).

Segunda nota: o adjectivo correspondente à cor azul tem uma forma masculina e outra feminina. Nada de extraordinário: nós temos a mesma distinção em várias cores: o papel encarnado, a casa encarnada. Mas, para os nossos ouvidos portugueses (e aos ouvidos castelhanos), é curiosa essa distinção quanto ao azul: «el paper blau» (o papel azul); «la casa blava».

Última nota: as palavras nas várias línguas latinas vão buscar raízes que também existem nas outras línguas, mas que aparecem em canteiros diferentes (digamos assim): assim, o «parlar» catalão corresponde ao «falar», mas a mesma raiz aparece noutras palavras portuguesas: «parlamento», «parlatório» e, com uma origem comum mais antiga, «palavra» («palavra» está também ligada à palavra «paraula» em catalão, claro está). Encontrar este tipo de ligações subterrâneas entre as línguas latinas é um dos prazeres que sinto ao compará-las (cada doido seu prazer).

Todas estas diferenças, claro, não invalidam que o catalão tenha uma fortíssima influência castelhana, que se nota muito na pronúncia típica de Barcelona (por exemplo). Mas, apesar disso, continua a ser uma língua perfeitamente separada, com uma origem latina por caminhos próprios.

Pois, por cá, não é só a Carla que duvida. Já ouvi um empresário português a reclamar por causa da ignorância de quem chama «língua» ao catalão, quando é «obviamente» um dialecto; uma académica portuguesa a declarar como absurdo o uso do catalão em artigos académicos, tendo em conta que os catalães têm acesso a outra língua bem mais útil; um comentador televisivo a chamar «língua de trapos» ao catalão, insulto que nunca faria a outra língua — e por aí fora…

Bem, vai uma grande distância destas confusões a um desprezo activo pela língua. Imagino que pouquíssimos portugueses se dêem ao trabalho de odiar o catalão. Pois a mim calhou-me encontrar um desses pouquíssimos portugueses — e logo nas ruas de Barcelona!

Dormir no Multibanco

Enfim, tirando esses desaguisados catalães, todos nos demos bem. A delícia que era andar pelo metro e ouvir o nome das estações em catalão, enquanto passeava pelas ruas e descobria uma cidade nova aos 20 anos, na exacta viragem do milénio, numa semana de frio e Natal e muita gente às voltas com compras nos sacos e passos apressados — isto para não falar do prazer de encontrar as jóias arquitectónicas de Barcelona.

Numa noite, perdidos pela cidade, atrasámo-nos — quando, por fim, chegámos à porta do centro onde estávamos, o tal Jordi já lá não estava e ninguém nos abriu a porta. Onde dormimos? Pois, onde teve de ser: num daqueles compartimentos dos bancos para levantar dinheiro. Não vale a pena contar muito mais. Depressa o sol começou a nascer e chegou o Jordi, que nos deu um raspanete em bom espanhol.

Já que passei essa noite no chão dum banco, atrevo-me a sugerir ao leitor para reparar nas línguas do ecrã, se um dia se encontrar à frente duma caixa de Multibanco em Barcelona (sei que não se chama «Multibanco», mas não importa): lá terá o espanhol e o catalão como opções (para lá do inglês, do francês, do alemão e, em certos recantos obscuros da cidade, o português). Atreva-se a seleccionar o catalão: o dinheiro vai sair na mesma e sempre aprende um pouco mais dessa língua.

Manuel de Barthelona

Devo ter feito algum mal a Deus por esses dias — talvez pensamentos menos generosos para com a tal Carla catalanófoba — porque acabei por ter de ir almoçar a casa do Sr. Manuel. Não me lembro do apelido — mas sei que era de Barcelona, mas não gostava nada da Catalunha…

Fui lá almoçar porque o senhor era muito activo na paróquia e queria participar no encontro de jovens, acolhendo para uma refeição alguns participantes. Eu, português transviado que sabia falar um pouco de espanhol e inglês, fui o escolhido para companhar um grupo de lituanas que sabiam falar um pouco de inglês. Pois o Sr. Manuel não sabia inglês. Sabia apenas o seu castelhano materno e o catalão, embora este soubesse apenas falar e não escrever — assim, a minha presença ali tinha uma intenção: seria eu o intérprete naquele improvisado Encontro Hispano-Lituano.

Elas eram bonitas representantes da novíssima República da Lituânia, que tinha ganho uma suada independência poucos anos antes. Eram jovens orgulhosas da sua antiga nação.

O Sr. Manuel era um espanhol a viver em Barcelona e com algum horror ao nacionalismo catalão. A própria palavra «independência» deixava-lhe na pele um suor frio. Era espanhol pois então — e dizia «Barcelona» bem à espanhola, com o som «th» lá pelo meio, as vogais bem abertas, a lembrar o velho Manuel da série Fawlty Towers — que era, pois claro, de Barthelona. O som lembrava o Manuel da série, mas o aspecto do meu Manuel de Barthelona nem por isso: era um homem barrigudo, com aquele ar bonacheirão de quem gosta de conversar à mesa com boa comida e vinho a acompanhar.

Lembro-me de muitas cabeças loiras à mesa, a falar inglês, e eu a tentar fazer de intérprete entre um espanhol e várias lituanas, sendo português. Correu melhor do que pensava.

O Sr. Manuel ficou muito admirado quando lhe disse que era português. Explicou-me depois que a imagem que tinha dos portugueses e galegos (ele punha-nos a todos no mesmo saco, como fez questão de dizer) era outra, de gente forte e escura, de trabalho e poucas falas. Pois, eu de forte tinha pouco.

Falou-me então do seu orgulho em ser espanhol. Mostrou-me postais de Natal que recebera de Aznar e do rei. Era director duma pequena escola católica da paróquia e talvez fosse essa a razão de receber os tais postais, certamente enviados para centenas ou mesmo milhares de espanhóis, mas que ele mostrava com orgulho.

Um catalão clássico

Talvez, tendo em conta o cenário, fosse mais avisado ocultar a minha predilecção pela língua catalã e pela Catalunha. Mas não consegui… Fiquei com medo da reação. O espanholíssimo Sr. Manuel parou um pouco e sorriu, intrigado. Não disse nada. Eu continuei:

— Até sei falar um pouco de catalão…

O homem ficou admirado:

— Então diz lá uma frase…

Eu respirei fundo e disse, à portuguesa:

— Jo parlo una mica de català!

Ele sorriu então a sério, entusiasmado, gritando em espanhol:

— ¡Pero eso es catalán clásico! — exclamação que se explica por eu ter usado o meu sotaque português, o que se aproxima muito do catalão mais antigo, rural e menos influenciado pelo espanhol.

O mundo é complicado e Espanha ainda é mais. O homem, espanholista dos quatro costados, ficou visivelmente contente por encontrar um português a falar catalão. Foi buscar uns boletins da paróquia que fazia no Word, em que havia sempre uma página em catalão, que escrevia com dificuldade. Para ele, escrever em catalão era um desafio, pois nunca tinha aprendido a língua na escola — apenas em casa e na rua. Já o filho, que estava ali connosco à mesa, encantado com a invasão lituana da sua casa, aprendia catalão e espanhol na escola e sabia escrever bem nas duas línguas.

Almoçámos e conversámos e divertimo-nos — fosse este um livro sobre a Lituânia, diria mais sobre o que se passou desse lado da mesa, mas ficará para outra oportunidade.

Um padre com inveja de Portugal

Ah, dirá o leitor: mas então só me dei com gente pouco dada ao louvor da cultura catalã por esses felizes dias do final do século? Não, não! Conto agora a minha conversa com um padre barcelonês. Se o Sr. Manuel era espanholista, este padre era bem catalanista.

Começou o senhor (de cujo nome não me lembro) a dizer-me que ali, naquele pavilhão ao nosso lado, ele próprio tinha ensinado catalão durante os anos 60 — sem autorização. Explicou-me que os filhos dos catalães mais orgulhosos da sua pátria que andassem, por esses anos, nas escolas públicas — onde a única língua era o espanhol, pois claro — aprendiam a escrever em catalão em aulas improvisadas nas horas vagas.

A situação é confusa. Haverá alguma tendência para considerar que o catalão foi proibido durante o franquismo. O seu uso não foi proibido — até porque era difícil proibir uma língua falada à mesa, na cama, no jardim, em sussurros. Para lá do que se dizia entre almofadas, o catalão não foi completamente proibido: a partir dos anos 40, foi possível publicar livros em catalão; havia festivais de música com participações em catalão; enfim, era uma língua vagamente tolerada.

Agora, admitamo-lo: o facto de não ser proibido não implica que fosse bem-visto. Note-se, aliás, que qualquer limitação do uso da nossa própria língua é uma dor. Imaginemos nós o que seria sentir o Estado que nos governa a proibir o uso do português em determinado âmbito — talvez assim percebamos um pouco melhor o que sentiam as famílias de língua catalã por esses tempos. Havia várias proibições ou exclusões práticas: o catalão não tinha espaço no ensino, a televisão era apenas em espanhol, as placas das ruas também eram em espanhol… Ninguém tinha dúvidas: para o Estado, o catalão era um mero falar, que se tolerava até que os catalães desistissem, por fim, de tal mania.

Voltemos à última semana do ano 2000. Aquele padre estava feliz, num sol de inverno de Barcelona, ali numa paróquia fora dos circuitos turísticos da cidade. Estava feliz porque esses tempos já eram passado, um passado um tanto ou quanto mitificado, como convém a qualquer bom passado. Por volta do ano 2000, as escolas ensinavam catalão — e não só ensinavam a língua, como usavam a língua para ensinar as outras disciplinas. O governo da Generalitat aplica — para horror de alguns espanhóis de outras regiões — uma política de imersão: independentemente da língua materna dos pais, todos os alunos têm aulas em catalão, com o objectivo de, no fim da escolaridade, todos saberem escrever e falar bem o catalão e o castelhano. Será que isto põe em perigo o espanhol, como há quem defenda? Bem, a verdade é que todos os miúdos sabem espanhol, nos exames de espanhol tem notas tão boas ou melhores do que alunos de outras regiões — e, nas ruas de Barcelona, é mais fácil ouvir espanhol do que catalão… Note-se que — tanto quanto sei — a política linguística de promoção do catalão é apoiada por uma larga maioria da população catalã. Não são só os independentistas que defendem a protecção da língua.

De repente, o padre inclina-se e diz-me, ao ouvido:

— Na verdade, temos muita inveja vossa…

Eu ri-me.

— Nossa? De quem? Dos portugueses?

— Sim, claro.

— Por que carga de água?

— Porque são independentes…

Enfim: acabara de encontrar um catalão independentista. Dizem que não é difícil. Acabei por saber que há uma velha palavra de ordem dos independentistas catalães que diz: «A autonomia de que precisamos é a autonomia de Portugal.» Rima e tudo (mas só em catalão): «L’autonomia que ens cal és la de Portugal.» Por outras palavras: isto da autonomia é muito giro, mas o que nós gostávamos mesmo era de ser como os portugueses.

Limito-me a contar o que se passou nesses dias do fim do século. A minha grande paixão são as línguas da península — todas. Não tenho muito a dizer sobre a maneira como se organiza politicamente a pequena parte da península que não é Portugal…

Como dizer as horas em catalão

No último dia da nossa semana em Barcelona, já em 2001, já no novo século, já no novo milénio, o Jordi (que nos aturara durante todos aqueles dias) quis uma reunião para se despedir.

Durante essa semana, tinha falado connosco em espanhol — pois, no último discurso, usou pela primeira vez o catalão para se dirigir a todos. A maior parte das pessoas percebeu, mas houve algumas caras de estranheza. Pelos vistos, muitos portugueses tinham estado uma semana em Barcelona e só agora se apercebiam da existência dessa outra língua, pronunciada, de propósito, de forma antiga, pouco castelhana, pausada e lenta.

A certa altura, informou-nos a todos que o autocarro que nos viria buscar estaria ali à porta a esta hora: «un quart de dotze».

Antes de continuar, convém explicar que há uma característica do catalão muito peculiar: a maneira de dizer as horas. Talvez muitos catalães não a usem no dia-a-dia, mas existe e é usada quando se faz um discurso ou se escreve um texto.

Assim, as onze e um quarto dizem-se, em catalão, desta maneira estranha: «un quart de dotze». Literalmente, «um quarto de doze». A lógica parece-me ser esta: as onze e um quarto são o primeiro quarto de hora da décima-segunda hora. Repare o leitor: a primeira hora vai das 00:00 às 00:59. A segunda hora vai da 01:00 à 01:59. O primeiro quarto de hora da segunda hora vai da 01:00 à 01:15.

Enfim, não importa. O que importa é que onze e um quarto diz-se «un quart de dotze» e um português, assim às secas, pensa ouvir «um quarto das doze», ou seja, «doze e um quarto»…

Numa demonstração da maneira como as línguas próximas podem confundir-nos — especialmente se forem invisíveis como é o catalão —, demonstração que seria deliciosa se não fossem perigosa, os portugueses que ali estavam ficaram a pensar que o autocarro viria buscar-nos às doze e um quarto quando, na verdade, seria uma hora mais cedo.

Tentei avisar toda a gente do que se passava. A Carla cortou-me a palavra:

— Sei falar muito bem espanhol e ouvi o Jordi a dizer «doze e um quarto»!

— Ó Carla, sei que sabes espanhol, mas o homem falou em catalão…

— Não venhas com essas parvoíces outra vez…

Eu encolhi os ombros:

— Faz como quiseres; o autocarro vai chegar às onze e um quarto.

Ah, não teria sido giro estar eu sozinho à espera do autocarro à hora certa?

O Jordi, no entanto, sabia bem as confusões em que as horas catalãs nos podiam meter. Decidiu explicar então, em espanhol: «Repito, o autocarro sai às 11h15!»

Os portugueses entreolharam-se. Houve quem pedisse que ele repetisse a hora também em inglês. Por fim, já ninguém tinha dúvidas: a hora era mesmo as 11h15.

Afastei-me devagarinho e discretamente. Não queria que ninguém visse o feio sorriso que se instalara na minha cara.

Na viagem para cá, tudo correu bem. Cantámos e conversámos e dormimos. E, para lá das línguas e das horas, a Carla e eu lá começámos a conversar sobre outras coisas, cada vez mais distantes da cidade que nos enfeitiçara em sentidos opostos.

Marco Neves | Professor e tradutor. Escreve sobre línguas e outras viagens na página Certas Palavras. O seu livro mais recente é Assim ou Assado: 100 perguntas sobre a língua portuguesa.

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