Os Verdes e os Liberais têm a chave para a próxima maioria governamental na Alemanha. Cabe a estes dois partidos decidirem a quem vão entregar a chave para a condução do próximo governo em Berlim. Os Verdes (118 deputados) estão melhor colocados que os Liberais (92) e preferem a coligação encabeçada pelo SPD (206 deputados), que também tem vantagem de 10 deputados sobre a CDU/CSU (196) dos herdeiros de Merkel. O cenário mais nos prognósticos é, portanto, a instalação em Berlim de um governo de coligação entre o SPD, os Verdes e os Liberais.
Estes partidos secundários já decidiram que vão começar por negociar entre eles quais são as linhas vermelhas de cada um para a base de um programa comum.
Há vários temas que introduzem ameaças de rutura. Os Verdes estão alinhados com a promessa SPD de salário mínimo de 12€ por hora. Os Liberais defendem que o salário mínimo seja assunto para discussão entre patrões e sindicatos, sem que o governo se meta no assunto. Ainda mais tensão na discussão fiscal: os Liberais não querem ouvir falar em mais impostos, reclamados por SPD e Verdes, sobre quem tem rendimentos mais altos (acima dos 100mil€ por ano).
Um outro problema é a ambição de Christian Lindner, líder dos Liberais, de ficar com a muito poderosa poltrona das Finanças. Lindner é conhecido como um falcão em tudo o que tem a ver com contas públicas que quer controladas em modo férreo. Também discordou da mutualização da dívida dos países da União Europeia, que foi ideia de Olaf Scholz, líder do SPD, na qualidade de ministro das Finanças e vice-chanceler no governo de Merkel. Scholz tem intenção de aprofundar a política solidária que como ministro das Finanças promoveu nos últimos dois anos. Scholz quer, tal como os Verdes, refletir essa abertura na renegociação (que nos toca, como portugueses) do Pacto de Estabilidade.
Há quatro anos, Lindner negociou com Merkel a entrada dos Liberais para o governo da República Federal. As condições colocadas por Lindner foram tão rígidas que a chanceler deixou cair os Liberais e voltou-se para novo governo de grande coligação entre a CDU/CSU e o SPD.
Lindner, o falcão, vai tornar difícil o compromisso mínimo que seja base para a negociação da coligação com Verdes e SPD.
Os Verdes poderão ceder e aceitar passar à negociação com a CDU/CSU defendida pelos Liberais? É improvável. Por isso é de prever que a complexa negociação da próxima coligação se prolongue por vários meses.
Angela Merkel cultivou nos 16 anos à cabeça do governo a liderança em modo seguro, cauteloso, estável, previsível. É criticada por falta de políticas visionárias. A líder dos Verdes, Annalena Baerbock fez campanha a sugerir a continuidade da estabilidade que Merkel conseguiu, mas com o acrescento de audazes medidas sociais, económicas e industriais de resposta à emergência climática. É outra área de proximidade entre Verdes e SPD e de distância entre Verdes e Liberais.
Em 2017, a última transição governamental na Alemanha prolongou-se por 72 dias. Desta vez, a negociação pode ser ainda mais longa. Mas a coligação SPD-Verdes-Liberais é o cenário mais coerente.
Notas desta eleição alemã
Os alemães quiseram participar: votaram 76,6% dos inscritos.
O pragmatismo da liderança Olaf Scholz permitiu ao SPD (25,7%) acrescentar 5,2% aos votos que tinha recebido na anterior eleição.
A má escolha, promovida por Merkel, do candidato Laschet, da CDU/CSU, levou esta união à direita a ficar pelos 24,1%, o pior resultado de sempre desta aliança que foi a de Adenauer e Kohl, para além de Merkel. Traduz-se na perda de 8,9% dos votantes conseguidos na eleição de há cinco anos.
A onda verde e a noção de que é preciso prevenir os efeitos das alterações climáticas levou a que os Verdes, com postura dialogante e moderada, com 14, 8% dos votos (+5,9%) conseguissem o melhor resultado de sempre.
Os Liberais, com 11,5%, mantiveram a base eleitoral. Acrescentaram 0,8% do eleitorado.
A extrema-direita AfD, com 10,3%, continua a perder apoios. Tinha 12,6%.
A extrema-esquerda Die Linke desce ainda mais: cai de 9,2% para, na contagem provisória, 4,9%. Corre o risco de ficar fora do parlamento, onde é requerido o mínimo de 5% dos votos.
Nenhum partido conseguiu mais de 26% dos votos. A fragmentação do sistema político também entra pela Alemanha.
A campanha alemã teve debates sérios. O clima foi tema dominante. Também a saúde, o modelo social e o modelo industrial. Também houve discussão substancial sobre política externa.
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