A expressão não é minha, é do economista brasileiro Ronald Chevalier, conhecido por Roniquito, de quem se dizia a certa altura que tinha como única função beber whisky com um dos grandes produtores e executivos da TV Globo, Walter Clark. E foi o próprio, quando lhe perguntaram o que fazia na Globo, que respondeu com graça: "Sou Aspone. As-po-ne: assessor de porra nenhuma".
A palavra aspone ficou consagrada no léxico do Brasil e em 2004 a Rede Globo acabou mesmo por apresentar uma série com esse título. É uma comédia, claro, desde que não tenhamos de nos cruzar com ela na vida real, onde rapidamente tudo se transforma num filme de terror.
O excerto do primeiro episódio tem uma duração de 12 minutos, mas garanto que vale a pena abrir o link. Como se costuma dizer, qualquer semelhança com o que se passa em Portugal será pura coincidência, mas aposto que quase imediatamente vai fazer corresponder à pele de cada um dos actores o nome de um aspone português.
Lembrei-me disto a propósito do 24.º Congresso Nacional do Partido Socialista, que começa hoje e termina no domingo. Não consigo imaginar o que ali poderá ser dito que não tenha já sido ouvido nos últimos oito anos. Porque, convenhamos, os congressos partidários - viu-se isso também no último encontro do PSD, em Almada -, transformaram-se em altifalantes de campanha eleitoral, autênticos circos mediáticos.
O tema não é fácil e, por isso mesmo, é tratado com pinças ou até ignorado. Desde logo porque muitos dos assessores do governo são ex-jornalistas (sim, as portas giratórias não existem apenas na política). Pode existir uma quantidade infindável de razões para isto acontecer, mas todas elas significam uma democracia mais frágil, menor transparência e menor escrutínio.
Os jornalistas não são papagaios. O direito de acesso às fontes de informação existe e deve ser assegurado "pelos órgãos da Administração Pública" e "pelas empresas de capitais total ou maioritariamente públicos, pelas empresas controladas pelo Estado, pelas empresas concessionárias de serviço público ou do uso privativo ou exploração do domínio público e ainda por quaisquer entidades privadas que exerçam poderes públicos ou prossigam interesses públicos, quando o acesso pretendido respeite a actividades reguladas pelo direito administrativo".
Apesar disso, são muito mais as perguntas que ficam por responder do que aquelas que são esclarecidas, ainda que a recusa do acesso às fontes de informação tenha de ser fundamentada. É sempre possível reclamar, inclusivamente junto da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, que não tem mãos a medir, mas o processo tem inúmeros bloqueios e é moroso.
O escrutínio da actividade dos governos cabe também à Assembleia da República - por isso é tão importante escolher, e infelizmente não escolhemos, os deputados que vão representar os eleitores (e a abstenção). Mas também aqui a democracia é frágil, logo à partida por causa do sistema eleitoral. Que poucos políticos parecem querer mudar, apesar de quase todos afirmarem o contrário.
Enfim, vinha isto a propósito dos aspone, uma profissão em larga expansão em Portugal. Há-os por todo o lado e nos mais diversos níveis da administração directa e indirecta do Estado - e no sector privado também não falham. E o que são os aspone? São os "assessores de porra nenhuma", como lhes chamou Roniquito Chevalier, uma quantidade de puxa-saco, dedo-duro ou babões, como se diz do outro lado do Atlântico, influencers e bajuladores que se esquecem para o que foram nomeados ou a função à qual se estão a candidatar e rapidamente ignoram o que a carta ética da administração pública lembra, que os seus funcionários estão ao serviço exclusivo da comunidade e dos cidadãos e que o interesse público prevalece sobre os interesses particulares ou de grupo.
*Artigo alterado às 17h21 para acrescentar o terceiro parágrafo com pormenores do excerto do vídeo da série da Globo
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